INTRODUÇÃO
“Nada passa da potência para o ato, senão por outro ser em ato” – essa famosa, clara e irrefutável afirmação será a base para nosso arrazoado. Uma vez essa frase entendida, toda e qualquer pretensão de existência de livre arbítrio libertário, defendido por molinistas e arminianos, deverá, por necessidade lógica, ser rejeitada.
Antes disso é preciso que eu faça alguns esclarecimentos:
– Potência: capacidade de receber e de dar, a capacidade de receber é a potência passiva, que é a potência das causas secundárias. Potência ativa é a potência de Deus, sempre dá, e nada recebe, por isso mesmo Deus é um “actus irreceptus”.
– Ato: é a perfeição da potência, é quando a potência deixa de ser uma simples capacidade e passa a existir de fato, por exemplo, hoje Jair Bolsonaro é um presidente em potência, ou seja, ele é um candidato podendo ser presidente, quando o mesmo for presidente, ele estará em ato, pois agora não tem mais a capacidade de ser presidente somente, mas já é presidente.
– Livre arbítrio libertário é o mesmo que liberdade libertária ou liberdade irrecepta, seria definida, de acordo com o filósofo W. L. Craig:
Alguns filósofos diriam que a essência da liberdade libertária é a habilidade de escolher agir ou não de determinado modo sob as mesmas circunstâncias. Uma análise indiscutivelmente melhor da liberdade libertária vê sua essência na ausência de determinação causal da escolha de uma pessoa, independente da própria atividade causal da pessoa. Isso equivale a dizer que causas outras que não a própria, não determinam a forma como essa pessoa faz suas escolhas em determinadas circunstâncias; fica a critério da pessoa a forma como ela faz suas escolhas. Essa concepção de liberdade é muito diferente da visão voluntarista ou compatibilista, que define liberdade em termos da ação voluntária (ou não coagida), de modo que o fato de uma ação ser determinada em termos causais é compatível como [sic.] o fato de ela ser ‘livre’. A noção de […] liberdade libertária […] exclui a hipótese de que Deus determine como devemos escolher livremente.(CRAIG apud NETO, 2015)
DISCUSSÃO
Exemplificando – a água tem o potência de ficar quente (capacidade), mas ela não pode fazer essa mudança sozinha, ela tem que receber essa quentura de outro que já seja quente, ou seja, que já esteja em ato. Toda mudança é um movimento, então se água estava em temperatura ambiente e muda de temperatura, houve nela uma mudança, essa mudança chama-se “passar da potência para o ato”. Lembremos disso – “toda mudança é um movimento, e todo movimento é uma passagem da potência para o ato. Toda passagem da potência para o ato implica em receber algo de fora, por exemplo, a água recebeu o calor para que pudesse haver a mudança nela, assim nós dizemos que ela foi aperfeiçoada, pois recebeu algo que não tinha antes. Entendido isso, podemos entender o porquê da liberdade libertária ser impossível.
A liberdade libertária, em resumo, é aquela liberdade em que o homem pode sempre escolher diferente, independente do mover divino. Não pode ser aceito, na liberdade libertária, qualquer causa externa, senão que o próprio homem deve determinar sua própria escolha sem um mover prévio, razão pela qual os escolásticos a chamam de “liberdade irrecepta”, ou seja, uma liberdade que para se mover, não recebe de fora, mas passa da potência para o ato sozinha, e como vimos, isso é absurdo. No entanto, para que o homem saia do estado de “não volição” para o estado de “volição”, ou seja, para que o mesmo não tenha vontade alguma e agora tenha vontade de escolher A ou B, essa vontade deve ser movida, pois essa alteração é uma mudança, e toda mudança é um aperfeiçoamento e todo aperfeiçoamento implica em receber de fora, mas se o homem se auto-determina, então ele se aperfeiçoa sozinho, pois passa da potência para o ato sozinho sem precisar receber nada, logo, ao se auto-mover sem ser movido, ele se torna um motor imóvel e portanto igual a Deus. A pergunta fica, como sair do estado de “não volição” para “volição” sem receber de fora?
Turretini (2011, p 631), sistematizador das doutrinas calvinistas, diz:
Como o homem depende de Deus quanto à essência e à vida, assim deve depender de Deus quanto às ações e os movimentos de sua alma (a melhor parte do homem). Pois declarar que o homem é independente na vontade e na ação equivale a fazê-lo independente em sua existência [ou em seu ser], porque, o que quer que ele seja na ação, assim ele é no existir [ou em seu ser].
Deus, sendo causa primeira, não pode ser movido por ninguém, Deus é actus irreceptus pois não carece de absolutamente nada, tendo todas as perfeições. Deus é potência ativa, ele tem todas as capacidades e por isso mesmo não pode receber nada, pois só se recebe o que não se tem, e se não tiver já não é perfeito. Todo movimento no universo criado é energizado por Deus, não há movimento que não seja causado por ele, toda atitude humana é movida por Deus, esse mover é causal. Para que a liberdade libertária seja verdadeira, é necessário que o próprio Homem possa iniciar seu movimento, saindo do estado de “não volição” para o estado de “volição”, esse movimento independente, autônomo, tornaria o Homem um motor imóvel, e, portanto, igual a Deus. Para que a liberdade libertária seja verdadeira, a vontade humana deve ser capaz de poder atualizar-se sem à causalidade divina, isso nos gera, além do problema de tornar o Homem um motor imóvel, pois teria a capacidade de passar da potência (uma capacidade real em um sujeito real, como a água tem potência para evaporar ou congelar, ou seja, ela tem essa capacidade) para o ato (aquilo que já é de fato, não só em capacidade, a água antes de evaporar está em potência, depois que ela evaporou ela está em ato) sem ser movido anteriormente e portanto Deus (pois somente o Eterno é motor imóvel, só ele não precisa receber, todo aquele que não é Deus precisa receber para que se mova da potência para o ato, da capacidade para a concretização daquilo que outrora era só capacidade, passar da potência para o ato é gerar uma perfeição), nos leva também a absurdos lógicos uma vez que é impossível que a vontade humana atualize a si mesma, já que nada passa da potência ao ato senão por um ser em ato (a água com potência de evaporar, só atualiza esta potência quando é movida a tal pelo calor do fogo), ora a não ser que assumamos que o nada pode atualizar o móvel (sabemos que do nada, nada vem), ou que o móvel contêm de antemão o ato e a perfeição para qual está em potência (e então cairíamos no absurdo de dizer que algo é motor e móvel ao mesmo tempo sob o mesmo aspecto), isso nos levaria direto à rejeição da lei da não contradição e portanto seria falso, seria como se Pedro tivesse o ato (ou perfeição) de saber o teorema de Pitágoras, e tivesse a potência de saber o teorema de Pitágoras, logo Pedro saberia e não saberia a mesmíssima coisa, o que é absurdo e portanto devemos rejeitar a liberdade libertária pelo bem da lógica. O segundo absurdo lógico é que absolutamente nada pode ser causa de si mesmo, pois toda causa precede seu efeito, assim sendo, se a liberdade é auto-causada ela teria que anteceder a ela mesma, o que é também absurdo. Concluímos assim que a liberdade libertária não pode ser verdadeira.
REFERÊNCIAS
– CRAIG apud NETO, N, A, M. O molinismo e a doutrina da depravação total: Uma comparação entre as perspectivas molinista, calvinista e arminiana. 2015. Disponível em: http://www.teologiabrasileira.com.br/teologiadet.asp?codigo=461. Acesso em 12/06/2018.
– TURRETINI, F. Compêndio de Teologia Apologética. Cultura Cristã. Vol 1. 2011. p 631.
Por Francisco Tourinho
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