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Justificação pela fé: perspectiva protestante (contra Armstrong): Rodada 3. Parte 2.

Em sua última resposta, o apologista católico romano Dave Armstrong dividiu seu arrazoado em três partes. Esse artigo é uma resposta à segunda parte de sua resposta, que pode ser conferida nesse link:

Primeiro, agradeço mais uma vez ao Senhor Armstrong pela oportunidade do debate.

O senhor Armstrong começa essa segunda rodada com algumas afirmações curtas, direcionando o leitor a outras partes do debate, sugiro o leitor que aceite o conselho, caso queira.

O primeiro argumento substancial é contra minha interpretação de Tiago 2.1, ele diz:

“Tiago 2:1 não trata de provar nossa fé a outras pessoas por meio de obras, mas de tratar as pessoas igualmente, como concordam os comentários protestantes clássicos.

Gnomen de Bengel : A igualdade dos cristãos, conforme indicado pelo nome de  irmãos , é a base desta admoestação.

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Comentário de Ellicott para leitores ingleses : “Vocês conhecem a graça de nosso Senhor Jesus Cristo”, escreveu São Paulo aos orgulhosos e ricos homens de Corinto ( 2 Coríntios 8:9 ), “que, embora fosse rico, por amor de vocês Ele tornou-se pobre, para que através de Sua pobreza pudéssemos ser ricos; e, com um apelo mais convincente, aos filipenses ( Tiago 2:4-7 ): “Em humildade, cada um considere os outros superiores a si mesmo: não olhe cada um para o que é seu, mas cada um também para as coisas de outras. Que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus: o  qual, sendo em forma de Deus” — isto é,  Deus verdadeiro, e não apenas aparência — não obstante, “ não julgou que a sua igualdade com Deus fosse algo a que sempre se devesse apegar, ” como se fosse algum despojo ou prêmio, “ mas esvaziou-se ” de Sua glória, “ e tomou sobre Si a forma de um escravo”.  Esses fatos centrais, ou melhor, iniciais, da fé foram cridos então; ou são agora? Se fossem verdadeiros, como poderia haver tamanha tolice e vergonha como “aceitação de pessoas” de acordo com os ditames da sociedade da moda e do mundo? “Honra”, de fato, “a quem a honra” é devida ( Romanos 13:7 ).

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Comentário NT de Meyer : Em estreita conexão com o pensamento contido no cap. Tiago 1:27 , que a verdadeira adoração consiste na exibição de amor compassivo, Tiago passa a reprovar uma prática de seus leitores, consistindo em um respeito parcial aos ricos e uma depreciação dos pobres, que formou o contraste mais flagrante com esse amor . . . . sua fé não deve ser combinada com um respeito parcial pelas pessoas.

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Comentários de Calvino : [Ele] não desaprova simplesmente que honras sejam prestadas aos ricos, mas que isso não deve ser feito de forma a desprezar ou censurar os pobres; e isso aparecerá com mais clareza quando ele passar a falar da regra do amor. Lembremo-nos, portanto, que o respeito pelas pessoas aqui condenadas é aquele pelo qual os ricos são tão exaltados, o mal é feito aos pobres, o que ele também mostra claramente pelo contexto.”

É notório que não há contradição entre as duas afirmações. Por que tratar igualmente todas as pessoas anularia que um cristão deve necessariamente ter um bom testemunho diante dos homens? Além disso, o texto não pode ser analisado isoladamente, pois foi feita uma conexão com o versículo 7 que diz: “Não são eles que difamam o bom nome que sobre vocês foi invocado?” Tiago 2:7, e mais a frente, no mesmo capítulo, São Tiago diz: “Mas alguém dirá: “Você tem fé; eu tenho obras”. Mostre-me a sua fé sem obras, e eu lhe mostrarei a minha fé pelas obras.” Tiago 2:18. Note a ênfase na palavra “mostrar”, ou seja, de que adianta mostrar uma fé que nada faz? De que adianta DIZER ter fé e não ter obras? Veja como o evento inteiro está direcionado ao “uns aos outros”, o apóstolo se coloca como um ser humano, limitado em conhecimento sobre o coração de outras pessoas e nos fornece uma ferramenta para saber se alguém que diz ter fé, realmente tem uma fé verdadeira, a saber, o que é manifesto por suas obras, pelo que é visível, pois a fé não é a própria obra, nem pode ser, mas o modo como a fé invisível pode ser vista diante dos homens. O senhor Armstrong está focando na própria boa obra prescrita, que é a de tratar todos igualmente, mas esquece que no versículo 18 São Tiago nos ensina a exigir que uma pessoa sem obras mostre sua fé através das obras, e que nós mesmos façamos assim.

 Ao comentar a minha conexão com Tiago 2.7, ele diz:

“Isso estende o mesmo pensamento expresso em Tiago 2:1-6: tratamento preferencial dos ricos sobre os pobres. Portanto, Tiago 1:6 (RSV, como em todo) declara: “Mas você desonrou o pobre. Não são os ricos que o oprimem, não são eles que o arrastam para o tribunal?” A questão é sobre hipocrisia, ética cristã e padrões duplos, não sobre provar a validade da fé de alguém para os homens, como se Tiago supostamente não estivesse falando sobre fé como Paulo e Jesus fazem.”

Repito o argumento anterior, uma coisa não anula a outra, aliás, o ato de tratar a todos igualmente já é uma demonstração de uma fé verdadeira através das boas obras.

Após isso, faço uma conexão com vários textos bíblicos que ensinam que nosso testemunho nos justifica diante dos homens:

“O texto ecoa outros textos da Escritura que tratam de como o cristão é observado pelos homens ímpios:
Todos os servos que são escravos devem considerar seus senhores dignos de toda a honra, 
para que o nome de Deus e o nosso ensino não sejam blasfemados.1 Timóteo 6:1a serem equilibradas, puras, dedicadas a seus lares, a cultivarem um bom coração, submissas a seus maridos, a fim de que a Palavra de Deus não seja difamada Tito 2:5,8”.

O senhor Armstrong responde:

“A Bíblia sempre condena muito a hipocrisia de duas caras. Não vejo como isso prova que Tiago está operando com uma concepção totalmente diferente das obras (“somente diante dos homens, e não diante de Deus”). Não segue logicamente. Ao contrário, Tiago, assim como Paulo, liga tanto a fé quanto as obras à salvação, não apenas a aparências lisonjeiras e que honram a Deus diante dos homens. Eles estão ligados à própria salvação (1:12, 21-22; 2:14), bem como à justificação (2:21, 24-25); ambas as coisas dirigidas “para Deus” e não meramente para outras pessoas.”

Na concepção do senhor Armstrong a justificação é o próprio processo de salvação, pois o homem através das boas obras torna-se justo paulatinamente. Na concepção reformada o homem é justificado diante de Deus por uma única obra, a obra de Cristo, e as boas obras são efeitos da graça divina e um meio de salvação, mas não sua causa. Dito isso, é importante notar que esses dois pressupostos estão em questão ao analisar esses versículos, pois quando digo que sou justificado pela obra de Cristo e não pela minha obra, não faz sentido que uma obra, mesmo que vista por Deus como boa, possa me justificar diante Dele, pois a obra justificante foi de Cristo. Não nego que as boas obras devem ser feitas para Deus, não para se vangloriar dos próprios feitos diante dos homens, porém afirmo que a boa obra nos justifica diante do homem e é um meio apropriado de salvação, mas não é sua causa, nem mesmo justifica o homem diante de Deus, pois temos a justiça de Cristo em nós, aqueles que creem.

Após isso, trabalho o texto de Tiago 2.20-21 onde é citado a obra de Abraão, digo o seguinte:

“São Tiago continua: Mas, ó homem vão, queres tu saber que a fé sem as obras é morta? Porventura o nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque? Tiago 2:20,21. Ora, a própria Escritura diz que Abraão foi testado nessa ocasião: Pela fé ofereceu Abraão a Isaque, quando foi provado; sim, aquele que recebera as promessas ofereceu o seu unigênito. Hebreus 11:17. Digam-me, testado em relação a quem? Deus por um acaso foi em algum momento ignorante em relação aos atos futuros? Por acaso Deus, sendo conhecedor de tudo que vai acontecer e tudo que poderia acontecer, não saberia infalivelmente o que Abraão faria caso recebesse esta ordem? Por um acaso Deus ficou esperando para ver se Abraão passaria no teste? A resposta é não! Todo homem piedoso há de convir que o teste não foi em relação a Deus, mas em relação aos homens. Aos homens que eram ignorantes a respeito da fé de Abraão foi dada a prova de que o mesmo era um homem justo.”

Ao que o senhor Armstrong responde:

“Só porque Deus sabia o que aconteceria (sendo onisciente e atemporal), não significa que Abraão não provou a si mesmo. Dizer que “a prova não foi em relação a Deus, mas em relação aos homens” faz pouco sentido, visto que não havia mais ninguém por perto na época, e provavelmente nem teria sido informado por Abraão sobre o que aconteceu. Além disso, é muito provável que muito poucos soubessem disso até que Moisés registrou o incidente várias centenas de anos depois.”

Primeiramente, nunca disse que Abraão não foi provado por Deus, pelo contrário, afirmei que Abraão foi de fato provado, mas em relação a si mesmo, pois para Deus não há teste, que teste poderá haver para Abraão se Deus já sabe se Abraão passará ou não? Dizer que faz pouco sentido uma justificação pública porque não havia ninguém por perto, não é um bom argumento, pois ali estava Abraão, estava Isaac, e o próprio Deus que antropopaticamente age como um homem ao dizer: “Agora sei que temes a Deus” (Gn 22.12), e o mais importante, nós temos esse testemunho hoje, sem essa prova, conheceríamos um Abraão descrente, como descrito no momento em que o anjo noticia a gravidez de Sarah.

O senhor Armstrong continua citando o texto de Gn 22.15-18:

“Gênesis 22:15-18: E o anjo do SENHOR bradou a Abraão pela segunda vez do céu, [16] e disse: Por mim mesmo jurei, diz o SENHOR, porque fizeste isso e não negaste teu filho, teu único filho, [17] certamente te abençoarei, e multiplicarei a tua descendência como as estrelas do céu e como a areia que está na praia do mar. E tua descendência possuirá a porta de seus inimigos, [18] e por tua descendência todas as nações da terra se abençoarão, porque tu obedeceste à minha voz. [meus destaques em negrito e vermelho]

Esta ação de Abraão – longe de ser simplesmente uma testemunha diante dos homens – é a própria base sobre a qual Deus faz uma aliança com Abraão e o torna o pai das três principais religiões do mundo e o exemplo eterno da própria fé”.”

Sabemos que teologicamente é impossível que Deus tenha alguma causa fora de si, pois o tornaria imperfeito. O texto tem um caráter antropopático, como quando Deus diz que se arrepende ou sugere uma ignorância de informação (Gn 3.9). A ação de Abraão não pode ser a base para uma ação divina, mas certamente serve como um meio para o cumprimento de uma promessa. A questão é que nesse versículo em particular, o autor não está se referindo à justificação, mas ao momento em que se faz uma aliança. Abraão justificou somente a ele mesmo, já o pacto é para a benção de toda a sua descendência. Além disso, o pacto ou uma aliança também é um testemunho público daquilo que já foi operado espiritualmente, de modo que haver um pacto não altera o fato de que houve uma justificação diante dos homens e que essa atitude serve de testemunho para nós, já que Deus não pode ser causado, nem ser surpreendido. Após isso afirmei que: “Homens que ignoravam a fé de Abraão receberam provas de que ele era um homem justo.”

O senhor Armstrong continua rejeitando a ideia do testemunho público ao responder:

“Então por que o texto a que Tiago se refere não expressa esse pensamento? Em vez disso, afirma que “porque você fez isso e não reteve seu filho, seu único filho, eu realmente o abençoarei”… E tua descendência possuirá a porta de seus inimigos, e por tua descendência se abençoarão todas as nações da terra, porque obedeceste à minha voz” (Gn 22:16-18) [grifos meus em negrito e vermelho]. Como tantas vezes, a interpretação católica é muito mais fundamentada na Bíblia.”

O senhor Armstrong esquece que se o testemunho não fosse público, não teria chegado até nós, aliás, mais uma vez a interpretação do senhor Armstrong coloca as atitudes divinas baseadas nas atitudes humanas, o que é teológica e filosoficamente impossível. O texto assume um caráter antropopático, tal qual o teste que Abraão passou. Certamente que diante de uma ordem predicamental (das criaturas) é correto dizer que Deus abençoou Abraão pela sua prova de fé, mas esse não é o mesmo ângulo transcendental, pois no ângulo das criaturas, nossas atitudes precedem a graça, no ângulo de Deus, a graça precede nossas atitudes.

O senhor Armstrong cita os versículos 14, 17, 20, 24, 26 do capítulo 2, que já foram abordados por mim e que provam minha tese, já que o senhor Armstrong arbitrariamente se recusou a comentar as partes destacadas em que o cerne da questão não é somente uma admoestação a ser santo, mas também uma profissão de fé pública. Vejamos os versículos que o senhor Armstrong cita e atentem para as partes destacadas:

Tiago 2:14: Que aproveita, meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas não tiver as obras? Sua fé pode salvá-lo?

Tiago 2:17: De modo que a fé em si mesma, se não tiver obras, é morta.

Tiago 2:20: Queres que te mostrem, homem superficial, que a fé sem as obras é estéril?

Note que São Tiago admoesta que exijamos uma prova visível daqueles que creem. O crer é subjetivo, não pode ser provado, mas a obra é objetiva, embora não seja uma prova absoluta, é uma prova superior ao discurso somente.

Tiago 2:24: Vedes que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé.

São Tiago ordena que observemos a esse detalhe.

Tiago 2:26: Porque, assim como o corpo sem o espírito é morto, assim também a fé sem as obras é morta.

Esse versículo já foi comentado por mim, e repito meu comentário, repito:

“Por um acaso alguém vê os espíritos? Não vemos os espíritos (Deus vê; homens, não), mas sabemos que alguém está vivo pelo seu corpo através dos seus movimentos, e o mesmo acontece com a fé: só sabemos que ela está ali através das obras de piedade.”

O senhor Armstrong evitou comentar esse meu argumento.

Meu opositor novamente cita diversos versículos, porém, todos eles tratando da regeneração santificadora, e para que isso fale em seu favor, ele deverá primeiro provar que santificação e justificação são as mesmas coisas, algo que ele já admitiu ter sua distinção.

Armstrong também afirma:

“O protestantismo tenta (em certo sentido: a justificação extrínseca e a separação da santificação da justificação) separar duas coisas (fé e obras) que a Bíblia declara expressamente que não devem ser separadas.”

Isso é bater em espantalhos, visto que comecei esse debate afirmando essa ligação entre fé e obras, citando o exemplo da luz e o calor, analogia elogiada pelo próprio senhor Armstrong. Certamente, afirmo novamente, a fé não deve ser absolutamente separada das boas obras, pois tanto a fé, como as boas obras, são um efeito da graça regeneradora. Quem tem fé, deve ter boas obras, mas a boa obra e a fé são coisas diferentes, portanto podemos indicar efeitos diferentes sem entrarmos em contradição.

Podemos colocar a proposição do senhor Armstrong da seguinte forma: A fé nunca está sozinha, portanto não justifica sozinha. Ao que respondemos: que não se segue, pois seria como dizer que o olho nunca está sozinho na cabeça e, portanto, não vê sozinho, o que é absurdo. Embora, no que diz respeito à substância, o olho nunca esteja sozinho, no que diz respeito à visão ele está sozinho. E assim, embora a fé não subsista sem amor, esperança e outras graças de Deus, no entanto, no que diz respeito ao ato de justificação, ela é única. 

O senhor Armstrong continua:

“De fato, há um sentido em que provamos a genuinidade de nossa fé no mundo e na Igreja e fornecemos um bom testemunho. Mas este sentido não exclui a ligação orgânica entre fé e obras/justificação e santificação: diretamente ligada à salvação:”

Repito que concordo que há uma relação entre fé, boas obras, justificação, santificação e a salvação, porém essa relação nem sempre é de causa.

Nós, reformados, entendemos que há várias causas para a salvação, mas as obras não estão inclusas, como João Calvino afirma:

“Se, porém, atentarmos para as quatro modalidades de causas que os filósofos preceituam que se deve considerar na efetuação das coisas, nenhuma delas acharemos que se ajuste às obras para que nossa salvação se consuma. Pois, a Escritura, por toda parte, proclama que a misericórdia do Pai celeste e seu gracioso amor para conosco são a Causa Eficiente para adquirir-nos a vida eterna; a Causa Material é por meio de Cristo com sua obediência, mediante a qual adquiriu justiça para nós; e qual diremos ser a Causa Formal, ou também instrumental, senão a fé? E João compreende estas três, a um tempo, em uma sentença, quando diz: ‘Deus amou ao mundo de tal maneira que deu seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna’(João 3:16).


“Mas o Apóstolo testifica que a Causa Final é não só a manifestação da justiça divina, como também o louvor de sua bondade, onde também traz à lembrança, em termos eloquentes, as outras três. Pois assim fala aos romanos: ‘Todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus; porem são justificados gratuitamente por sua graça’(Rm 3:23,34)”
(CALVINO. Institutas 3.15.17)

Como podemos notar, uma mesma coisa pode ser vista por vários ângulos. Nenhum reformado ensina que somente a fé, sem obras, pode salvar, porque se tem fé, teremos obras, porém negamos que as boas obras sejam causas da salvação, mas uma consequência dela. A fé, somente, justifica, mas a fé em ação é santificação. 

Pergunto ao senhor Armstrong, qual são as causas eficiente, material, formal e final da salvação do homem? Onde as boas obras podem ser adequadamente colocadas? Ansioso pela resposta.

O senhor Armstrong após citar diversos versículos sobre santificação, faz uma observação interessante:

“A palavra para “limpeza” em 1 João 1:7, 9 é katharizo, que é usada para descrever a purificação dos leprosos nos Evangelhos (por exemplo, Mateus 8:3, 11:5; Marcos 1:42; Lucas 7: 22). Esta é indiscutivelmente uma limpeza “infundida”, ao invés de uma “imputada”. Por que Deus deveria se contentar com menos quando se trata de nosso pecado e justificação?”

O texto mencionado é esse:

“Se dissermos que temos comunhão com ele, e andarmos em trevas, mentimos, e não praticamos a verdade. Mas, se andarmos na luz, como ele na luz está, temos comunhão uns com os outros, e o sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado. Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos, e não há verdade em nós.” 1 João 1:6-8

Há um erro interpretativo, porque São João está tratando com pessoas já convertidas que precisam se santificar. A justificação ocorre no momento da conversão mediante a fé. A maior prova de que esse texto não trata de uma justificação aos moldes católicos romanos, é que na teologia de Roma uma pessoa de fato justificada é alguém que está totalmente isento de pecados, porém, o próprio texto afirma que é impossível estar nesse mundo totalmente isento de pecados, pois se fosse possível, por que seria proibido dizer que não tem pecado (versículo 8), caso isso fosse verdade?

A meu favor invoco o XV Concílio de Cartago, iniciado em 1 de maio de 418, convocado para refutar as heresias do pelagiano Celéstio, ao interpretar o texto citado pelo senhor Armstrong, diz:

“Cân. 6. Igualmente foi decidido, no que diz respeito ao trecho de São João Apóstolo: “Se dissermos que não temos pecado, enganamo-nos a nós mesmos e não há em nós a verdade” [1Jo 1,8]: Quem julgar poder interpretar isso no sentido de que por humildade é necessário dizer que temos pecado, não porque seja verdade, seja anátema. O Apóstolo, de fato, prossegue argumentando: “Se tivermos confessado os nossos pecados, ele é fiel e justo para perdoar nossos pecados e purificar-nos de toda iniquidade” [1Jo 1,9]. Aqui aparece com bastante clareza que isso não é dito só por humildade, mas no sentido verdadeiro. O Apóstolo, de fato, poderia ter dito: “Se disséssemos não ter pecado, nos enalteceríamos a nós mesmos e não há em nós humildade”. Mas, como diz: “Enganamo-nos a nós mesmos e não há em nós a verdade”, fica suficientemente claro que aquele que disser que não tem pecado, não fala o que é verdadeiro, mas falso.”

Depois continua, agora defendendo minha interpretação do texto de Tiago, onde o mesmo se apresenta como imperfeito, ainda que seja um santo:

“Cân. 7. Igualmente foi decidido: Quem afirmar que os santos, quando na oração do Senhor dizem: “Perdoa-nos as nossas dívidas” [Mt 6,12], o digam não em favor de si mesmos, já que para eles esta oração já não é necessária, mas pelos outros de seu povo, que são pecadores; e que cada santo não diz: “Perdoa-me os meus pecados”, mas “Perdoa-nos os nossos pecados”, para que se compreenda que o justo pede isto antes pelos outros que para si mesmo, seja anátema. Santo e justo era de fato o Apóstolo Tiago quando dizia: “Em muitas coisas todos nós erramos” [Tg 3,2]. Pois por qual motivo foi acrescentado “todos”, senão porque com esta afirmação está de acordo também o Salmo onde se lê: “Não entres em juízo com teu servo, porque diante de tua face nenhum vivente será justificado” [Sl 143,2]? E na oração do sapientíssimo Salomão: “Não há ser humano que não tenha pecado” [1Rs 8,46]. E no livro do santo Jó: “Na mão de cada homem põe uma marca, para que cada um conheça sua fraqueza” [Jó 37,7]. Por isso, também o santo e justo Daniel diz, na oração em forma plural: “Pecamos, cometemos iniquidade” [Dn 9,5.15] e as outras coisas que ele confessa com veracidade e humildade; <e> para que não se pensasse, como alguns entendem, que o tivesse dito dos seus pecados e não dos do povo, diz mais adiante: “Enquanto eu … orava e confessava os meus pecados e os pecados do meu povo” [Dn 9,20] ao Senhor meu Deus; não quis dizer “os nossos pecados”, mas falou dos pecados do seu povo e dos seus, pois como profeta ele previu que haveria quem o entendesse tão mal.”

Cân. 8. Igualmente foi decidido: Quem afirmar que as palavras da oração do Senhor, quando dizemos “Perdoa-nos as nossas dívidas” [Mt 6,12], são pronunciadas pelos santos no sentido da humildade, não da verdade, seja anátema. Pois quem poderia suportar um orante que mente, não aos homens, mas a Deus mesmo, quando com os lábios diz que quer ser perdoado, mas, com o coração, que não tem dívidas a lhe serem perdoados?”  (XV Sínodo de CARTAGO (outros: XVI), iniciado 1 mai. 418. Dezinger 0043-0090)

Se o senhor Armstrong invoca alguns comentaristas bíblicos, eu invoco a interpretação de um Sínodo de vários Bispos de Cartago da Igreja antiga. O Sínodo anatematiza a ideia de perfeição cristã como é ensinada pelos católicos romanos atuais, e, portanto, pelo senhor Armstrong. O Concílio ratifica as ideias de Agostinho contra Celéstio, um famoso pelagiano da época, e nos revela onde está a origem dessa ideia de justificação ser um processo de aperfeiçoamento.

Posso invocar, igualmente, o maior teólogo da Igreja cristã – Santo Agostinho, que ensina ser impossível alguém alcançar um estado de perfeição cristã:

“Caríssimo filho Marcelino, elaborei recentemente a teu pedido as obras sobre o batismo das crianças e a perfeição da santidade no homem. Parece que ninguém alcançou esta perfeição ou alcançará nesta vida, com exceção do único Mediador, o qual, imune de todo pecado, experimentou a fragilidade humana à semelhança da carne de pecado. Após teres lido os referidos tratados, tornaste a escrever-me confessando que te causou inquietação o que afirmei no segundo deles sobre a possibilidade de um ser humano viver sem pecado, se não lhe faltarem a vontade e o auxílio divino. Contudo, esta perfeição não a teve nem terá nenhum ser humano aqui no mundo, excetuando aquele no qual todos receberão a vida (1Cor 15,22).” (AGOSTINHO. Espírito e a Letra. Capítulo 1.1.)

Novamente:

“Talvez me responderás que estes fatos mencionados, não acontecidos, mas que poderiam acontecer, seriam obras divinas. Mas o fato de o ser humano viver sem pecado pertence à esfera humana e é a ação mais excelente, visto que por ela se realiza a plena e perfeita santidade na sua máxima expressão. Portanto, é inacreditável que tenha existido ou possa existir alguém que tenha realizado esta ação, na hipótese de que o ser humano a possa realizar.” (AGOSTINHO. Espírito e a Letra. Capítulo 2.2.)

Se justificação for um processo de aperfeiçoamento gradual até chegar à perfeição, a única solução para o católico romano é o desespero, pois não haveria salvação para ele, uma vez que tal perfeição é impossível, se tal perfeição é impossível, sobra-nos que essa perfeição não é ontológica, mas imputada sobre nós. O texto invocado pelo senhor Armstrong, de 1 Jo 1.6-8, na verdade, ensina o exato oposto da doutrina católica romana. 

 Continuando.

Ao responder sobre meu argumento de que Deus não é ignorante dos fatos futuros, portanto não pode ser surpreendido, nem causado por qualquer evento, o senhor Armstrong simplesmente responde:

“Meu argumento e o argumento católico aqui não requerem de forma alguma a falsa noção de que Deus é ignorante e não onisciente. Isso é um arenque vermelho.”

Obviamente discordo, pois se meus esforços e decisões são causas da graça justificante, ou seja, se as boas obras produzem justificação diante de Deus e não somente para os homens, segue-se que Deus é causado por essas obras, portanto ignorante do que aconteceria, pois uma causa sempre concede ao causado algo que esse causado não tem, portanto, toda causa aperfeiçoa o causado. Se é verdadeiro, não só no ângulo das criaturas, mas, também, no ângulo divino, que foram as atitudes de Abraão que causou a atitude divina de o abençoar; se é verdadeiro que houve um teste verdadeiro em relação a Deus, como afirma o senhor Armstrong, então, por mais que meu opositor negue, não pode fugir da consequência lógica de que seu argumento pressupõe ignorância divina, portanto, potência passiva em Deus. Será preciso muito mais que uma mera afirmação para provar que o argumento do senhor Armstrong não torna Deus passivo.

No meu artigo passado usei o seguinte argumento: “São Paulo destaca que se “Abraão foi justificado por obras, então ele tem de que se gloriar; porém, não diante de Deus” (Rm 4.2), ou seja, ele não tinha motivo para gloriar-se (kauchema) (o que deve ser extraído do versículo precedente).


Curiosamente o senhor Armstrong concorda dizendo:

“Claro que não; ninguém o faz, porque somos criaturas caídas, e somente a misericórdia de Deus nos resgata.”

A questão é que São Paulo conclui que Abraão não pode se gabar justamente porque não foi justificado por obra alguma. O senhor Armstrong não pode concordar com a conclusão de São Paulo sem concordar com sua premissa, algo que ele faz.

Se ninguém pode se gabar diante de Deus, então não há mérito nas boas obras. A resposta que se deduz logicamente de que a misericórdia de Deus é nosso tudo, é que de nós nada vem que cause a salvação. No processo de salvação, o homem entra com o pecado e Deus com a misericórdia.

O senhor Armstrong continua afirmando:

“Nossas boas obras possibilitadas pela graça de Deus são equiparadas às próprias obras de Deus. É por esta razão que eles são meritórias e nos colocam em boa posição com Deus:

Marcos 16:20: …o Senhor trabalhou com eles …

Romanos 8:28: Sabemos que em tudo Deus coopera para o bem daqueles que o amam, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.

1 Coríntios 15:10: Mas pela graça de Deus sou o que sou, e a sua graça para comigo não foi vã. Pelo contrário, trabalhei mais do que todos eles, embora não fosse eu, mas a graça de Deus que está comigo.

2 Corinthians 6:1: Cooperando com ele, pois, rogamos-vos que não aceiteis em vão a graça de Deus.

Gálatas 2:20: Já estou crucificado com Cristo; já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a na fé no Filho de Deus, o qual me amou e se entregou por mim.

Efésios 2:10: Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas.”

Quero explanar os motivos pelos quais é impossível haver mérito diante de Deus em qualquer boa obra humana. O grande Francis Turretini elenca cinco condições para que uma tenha mérito, são elas:

1 – que a “obra seja indevida” – pois ninguém merece, mediante pagamento, o que deve (Lc 17.10), ele apenas satisfaz;

2 – que seja nossa – pois não se pode dizer que alguém mereça aquilo que é de outro;

3 – que seja absolutamente perfeita e isenta de toda mancha – pois onde está o pecado não pode haver mérito;

4 – que seja igual e proporcional à recompensa e pagamento; do contrário, ela seria uma dádiva, não mérito;

5 – que a recompensa seja devida a essa obra com base na justiça – daí uma “obra indevida” ser comumente definida como sendo aquela que “faz uma recompensa devida na ordem da justiça”

Após elencar essas cinco condições, ele explica o motivo pelo qual as boas obras humanas não se enquadram nas condições supracitadas:

1 – Elas não são indevidas, mas devidas; pois tudo quanto somos e podemos fazer, tudo isso devemos a Deus, de quem somos, por essa razão, chamados devedores (Lc 17.10; Rm 8.12).

2 – Nenhuma é nossa, mas são todas dons da graça e frutos do Espírito (Tg 1.17; Fp 2.13; 2Co 3.5).

3 – Não são perfeitas, mas são admitidas a despeito de suas várias impurezas (Rm 7.18; G1 5.17,18; Is 64.6).

4 – Não se equiparam à glória futura, porque não há proporção entre o finito e temporal e o infinito e eterno (Rm 8.18; 2Co 4.17).

5 – A recompensa prometida por elas é meramente gratuita e indevida e deve ser esperada não com base no mérito interno da obra e sua dignidade intrínseca, mas tão-somente da mui gratuita estima dela por aquele que a coroa (Rm 6.23; 4.4; 11.6). Daí também transparecer que não há mérito, propriamente assim chamado, do homem diante de Deus, não importa em que estado ele se encontre. Assim, o próprio Adão, se tivesse perseverado, não teria merecido a vida em estrita justiça, embora (por certa condescendência [synchatabasin]) Deus lhe prometesse, em aliança, vida sob a condição de perfeita obediência (que é chamada meritória com base naquela aliança num sentido mais amplo, porque ela deveria ser, por assim dizer, o fundamento e a causa meritória em vista da qual Deus lhe concedera vida).

Dados os motivos acima, as obras humanas não podem se equiparar com a obra divina.

Em suma, se não há mérito, também não justifica.

O senhor Dave Armstrong se poupou de comentar os diversos versículos paralelos que usei em que provo abundantemente que o termo pode ser usado apropriadamente para uma justificação diante dos homens, como, quando falei que São Lucas narra que, depois de ouvir Cristo, as pessoas justificaram a Deus (Lucas 7:29). São Lucas nunca quis dizer que as pessoas imputam ou infundem justiça em Deus, o que seria um absurdo, já que Deus é a própria justiça, mas eles deram a Deus e à sua doutrina o louvor que merecem.

O senhor Armstrong não ataca a relação que faço com o uso do termo, desvia o foco e usa uma citação que não contradiz o que digo, mas que faz uma análise mais pastoral de 2.24. Ele escreve:

“O Dicionário Teológico do Novo Testamento de Kittel (edição de um volume, pp. 172-173) discorda quanto ao significado de Tiago 2:24:

Como podemos ser justos diante de Deus é tratado em 2:23-24. A preocupação aqui é combater uma ortodoxia morta que divide fé e obras. As obras que justificam não são observâncias legalistas, mas as obras de obediência amorosa que Paulo chama de fruto do Espírito. Abraão foi justificado por uma fé que encontrou cumprimento nas obras.… a preocupação prática, ou seja, que a única fé válida é aquela que produz obras, está muito de acordo com a proclamação total do NT, incluindo a do próprio Paulo.”

Após isso, cito o Lucas 16.15, com prova de que há uma justificação diante dos homens: “Vós sois os que vos justificais diante dos homens, mas Deus conhece os vossos corações; pois o que é exaltado entre os homens é uma abominação diante de Deus.” Lucas 16:15

O senhor Armstrong responde:

“Esta é uma inclinação totalmente negativa sobre a “justificação diante dos homens” porque Jesus a condena. Isso dificilmente apoia a visão de Francisco sobre Tiago sobre fé e obras, onde ele afirma que é o mesmo que Paulo ensina, mas é de uma perspectiva pastoral/“diante dos homens”. Então ele se contradiz. Essa “justificação” é totalmente ruim (Jesus) ou boa (como supostamente em Tiago)? Os católicos dizem que Paulo e Tiago estão falando exatamente sobre a mesma coisa, e que a “justificação diante dos homens” é uma coisa ruim (orgulho/ego inflado/arrogância espiritual): conforme explicado com autoridade por Jesus.”

O senhor Dave Armstrong não entendeu o fulcro da questão. Quando digo que o texto prova que há uma justificação diante dos homens (algo que mesmo o senhor Armstrong assume que existe), não cito como um exemplo de alguém que teve sucesso ao tentar fazê-lo, mas digo que o texto apresenta alguém que tenta fazê-lo justamente porque é verdadeiro, mas que faz da forma errada. E o motivo é o que já foi citado por mim no artigo passado: os fariseus tentavam mostrar obras sem fé, ou seja, tentavam se justificar diante dos homens para ego próprio, não para glorificar a Deus. Afirmo que o texto prova que a Escritura ensina as duas justificações, como o próprio Dave Armstrong já confirmou. 

Após isso, cito Hebreus 11 para provar que há uma necessidade de um testemunho público de fé, uma justificação diante dos homens, mas que as obras ali citadas não justificam diante de Deus.

O senhor Armstrong responde:

“Concordo com a primeira cláusula, mas não com a segunda. Não é uma proposição ou/ou (como é típico do pensamento protestante). Os antigos hebreus e os escritores bíblicos pensavam em termos ambos/e, muitas vezes, em termos paradoxais. Deus nos salva, mas nós salvamos a nós mesmos e aos outros (muitas passagens). Trabalhamos juntos com Deus e Sua obra é, de certo modo, nossa. Ele nos abençoa com Sua graça para fazer boas obras e depois nos dá crédito por isso. Deus até compartilha Sua glória conosco, e a Bíblia faz a declaração extraordinária de que “sofremos com” Cristo (Rm 8:17) e “tornamo-nos participantes da natureza divina” (2 Pedro 1:4).”

Concordo que a ação divina não destrói a natureza da causa segunda, porém quando se é atribuído a mesma obra a Deus e aos homens, nunca é no mesmo sentido, nunca é tomado univocamente. Se Deus faz o bem e o homem faz o bem, as duas obras têm sentidos diferentes, pois Deus age como Causa Primária e, o homem age como Causa Secundária. É certo que segundo o ângulo das criaturas, temos méritos, podemos ser bons e receber créditos por isso, pois nesse vetor, as boas obras precedem a graça, por isso temos méritos, mas não é o mesmo pelo ângulo de Deus, a não ser quando a Escritura O apresenta de forma antropopática, pois nesse vetor, a graça precede as boas obras, por isso não temos méritos.

O senhor Amstrong continua sua dissertação sobre Hebreus 11:

“Tudo muito bem (o testemunho público é bom e importante, e recomendado a nós como indispensável), mas Hebreus 11 não exclui Deus, como até mesmo algumas das palavras de Francisco acima atestam. No segundo versículo do capítulo, já vemos uma afirmação de que a fé era o meio pelo qual “os homens da antiguidade receberam a aprovação divina”.

Em 11:4 Abel “recebeu aprovação como justo, dando Deus testemunho aceitando seus dons”. Ninguém mais viu o que ele fez. Era tudo sobre a aprovação divina.

Em 11:5 Enoque “agradou a Deus”. Na verdade, 1:6 é tudo sobre Deus: “E sem fé é impossível agradá-lo. Pois quem quer se aproximar de Deus precisa acreditar que ele existe e que recompensa aqueles que o buscam”. Quatro dos primeiros seis versículos são claramente principalmente sobre Deus, não sobre outros homens.

11:16 resume os servos fiéis e suas façanhas descritos no capítulo: “Pelo que Deus não se envergonha de ser chamado o Deus deles, porque lhes preparou uma cidade”.

11:17 descreve Abraão como “aquele que recebeu as promessas”.11:19 relata sua obediência no incidente de Isaque no Monte Moriá (onde o santo dos santos no templo foi localizado mais tarde): “Ele considerou que Deus era poderoso para ressuscitar os homens até dentre os mortos”.

11:26 afirma que o “insulto” sofrido por Moisés foi “sofrido pelo Cristo” e que ele “olhava para a recompensa”. 11:27 observa que “ele suportou como vendo aquele que é invisível”.

11:35 honra a obediência a Deus por meio do sofrimento e das torturas “para que ressuscitem para uma vida melhor”.

Tudo isso e, ainda assim, Francisco afirma inexplicavelmente que esses maravilhosos testemunhos de fé “não são uma ação justificadora diante de Deus”. Deixe o leitor julgar se ele está certo sobre isso ou eu estou. Ele afirma que tudo é estritamente sobre “testemunho público de fé”; Eu digo que é sobre as duas coisas: testemunho público e aprovação e bênção divinas. Ambos/e… Os protestantes habitualmente pensam e analisam incorretamente em termos de uma mentalidade ou pressuposição ou/ou. O autor de Hebreus não é nem um pouco diferente de Paulo ou Tiago quando discute a fé. Todos ensinam a mesma coisa. E é claro que esperaríamos totalmente isso de uma revelação inspirada.”

Certamente que quando operamos a fé através das boas obras, por ser um mandamento, Deus se agrada de quem cumpre, mas disso não se segue que Deus justifique essa pessoa através dessas obras.

Alerto para o seguinte ponto: estamos falando de justificação diante de Deus. Estamos falando da obra de Deus para com o homem e sob a perspectiva divina.

Em todos os textos, além de apresentar uma perspectiva das criaturas, não relata Deus justificando um homem por causa de sua obra.

Em Hb 11.4, citado pelo senhor Armstrong, o texto diz que pela fé o sacrifício de Abel foi maior que o de Caim, e por isso alcançou testemunho de que era justo, a fé foi a grande força motriz da justificação. Em todo o capítulo 11 o testemunho é unânime de que por melhores que fossem as obras dos santos, foi pela fé que elas ganharam valor, sua dignidade e todas as suas excelências; daí segue-se, que os pais agradaram a Deus somente pela fé, pois a obra de Caim e Abel eram as mesmas, mas a diferença era a fé.  Além disso, o texto diz que Abel está morto, mas fala, ou seja, por causa de sua fé, embora ele esteja morto “ele ainda é falado”, seu testemunho ficou para as gerações como exemplo público de fé. 

Os outros versículos citados falam das virtudes de cada santo, mas não tratam especificamente do assunto em que é a justificação.

Ao continuar, o senhor Armstrong comenta o meu arrazoado em Gl 2.21, em que digo:

Então Gálatas 2:21 foi discutido: “Não anulo a graça de Deus; porque, se a justiça procede da lei, segue-se que Cristo morreu em vão”. Com este texto eu queria provar duas coisas:

1 – Que a justiça vem de Cristo;

2 – Que a justiça não provém das obras da lei.

O senhor Armstrong responde:

Os católicos concordam plenamente, então isso não é assunto para debate.

Essa afirmação do senhor Armstrong não é verdadeira, pois há uma discordância no significado de “lei” empregada no versículo, isso muda muita coisa. Para o senhor Armstrong, a lei mencionada por São Paulo são as leis sacramentalistas mosaicas, não se trata de toda e qualquer boa obra, como foi repetido várias vezes pelo mesmo. Então, o que eu quero dizer é que nenhuma boa obra, absolutamente nenhuma, pode justificar. O que o senhor Armstrong quer dizer é que nenhuma obra da lei cerimonial mosaica pode justificar, mas que as boas obras como o amor, esperança e justiça podem justificar. Para isso, ele usou o texto de Gálatas 5:6:  “Porque em Cristo Jesus nem a circuncisão, nem a incircuncisão tem valor, mas sim a fé que opera pelo amor.”daí ele conclui que o amor também justifica, já que opera com a fé.

Para refutar a primeira parte, invocarei mais uma vez o maior de todos os teólogos, Santo Agostinho de Hipona, assim ele diz sobre a separação entre lei mosaica e lei do amor:

“Mas dizem os pelagianos: “Louvamos a Deus, autor de nossa justificação, reconhecendo que ele nos deu a lei, sob cuja visão sabemos como viver”. Não prestam atenção no que leem: Porque diante dele nenhum homem será justificado pelas obras da Lei (Rm 2,20). Pode-se dar esta justificação diante dos homens, não, porém, diante de Deus, que esquadrinha os corações e a vontade mais oculta, na qual ele vê o que gostaria, se fosse lícito, aquele que teme a Lei, embora pratique outra coisa. E, evitando que houvesse uma interpretação distorcida afirmando-se que o Apóstolo se referia nessa sentença àquela lei que nos sacramentos antigos compreendia em figura muitos preceitos, entre os quais a circuncisão da carne que as crianças deviam receber no oitavo dia após o nascimento (Lv 12,3), acrescenta na continuação a que lei se referia e disse: Pois pela Lei vem o conhecimento do pecado (Rm 20,22). Portanto, trata-se daquela Lei da qual disse depois: Pois não conhecia a concupiscência senão através da Lei. Não conheceria a concupiscência, se a Lei não dissesse: Não cobiçarás (Rm 7,7). Que outra coisa significa: Pela Lei vem só o conhecimento do pecado?” (AGOSTINHO. Espírito e a Letra. Capítulo 8.14)

Agostinho atribui aos pelagianos a interpretação que deduz dos textos de Paulo uma separação entre lei mosaica sacramental/preceitual e a boa obra, seja qual for, pois o adultério, a cobiça  e todo pecado vem pelo conhecimento da lei, e não fazer boas obras é pecado, portanto também faz parte da lei. O pensamento de Santo Agostinho refuta o senhor Armstrong em várias frentes, apoiando meu pensamento sobre a justificação diante dos homens e não diante de Deus pelas boas obras, também apoia minha interpretação quanto as boas obras pertencerem ao que São Paulo chama de “obras da lei”que não justificam, o que pode ser aplicado aos textos textos de Romanos, Tiago e Gálatas. Ora, todo o argumento do senhor Armstrong se fundamenta nessa distinção entre lei mosaica e boa obra, onde o mesmo coloca as boas obras separadas da lei mosaica em todo texto em que São Paulo diz que as obras da lei não justificam. Ao provar que essa distinção é exegeticamente impossível, TODO argumento do senhor Armstrong cai como um castelo de cartas. A não ser que o senhor Armstrong prove que tem uma interpretação melhor que a de Santo Agostinho, para esses textos, eu não precisaria escrever mais uma linha sequer nesse debate. 

A segunda parte, no tocante a fé que opera pelo amor, já foi respondida, pois algo estar junto não significa ser a mesma coisa, nem ter os mesmos efeitos justificantes, nem a causa pode ser confundida com o meio.

Mais a frente eu argumento que ou como se ele tivesse que dizer que a justiça de Cristo é imperfeita por precisar de um complemento de nossa parte quando é imputada a nós.

Armstrong responde:

Nós também não acreditamos nisso. Mais homens de palha. . .

Não concordo que seja espantalho, pois não estou afirmando que a doutrina católica romana ou que o próprio senhor Armstrong defendeu uma sentença expressa, ipsis literis, que a obra de Cristo é imperfeita. Estou falando do conteúdo, das consequências lógicas de um ensino que diz claramente que as boas obras justificam. Meu argumento, ainda sem resposta, é que sabendo que a justificação, segundo a Igreja de Roma, é uma infusão de justiça e dos méritos de Cristo, e, se há uma distinção entre boa obra e obra da lei, e se a obra da lei não pode justificar, ou seja, não pode merecer os méritos de Cristo, mas outras boas obras são justificantes, portanto podem merecer o mérito de Cristo, então a obra de Cristo se tornaria imperfeita. Explico: a justificação não é somente um aperfeiçoamento, mas também um processo de retirada de culpa. Se mesmo após termos Cristo em nosso coração, a culpa permanece em nós, tendo que ser expiada através de nossas boas obras, isso torna a obra de Cristo imperfeita, pois não foi capaz de expiar toda a culpa e me tornar justo diante de Deus no momento em que o recebo. Ou temos Cristo, ou não temos Cristo. Esse é o argumento, e continua sem resposta.

“Em última análise e sempre vem somente de Cristo e então também o tornamos nosso ( ambos/e ):

Marcos 16:20 E eles saíram e pregaram por toda parte, enquanto o Senhor trabalhava com eles. . .

Romanos 15:17-19   Em Cristo Jesus, então, tenho motivos para me orgulhar do meu trabalho para Deus. [18] Pois não ouso falar de coisa alguma, exceto do que Cristo tem feito por meu intermédio, para ganhar a obediência dos gentios, por palavras e atos,

1 Coríntios 1:21 . . . agradou a Deus pela loucura do que pregamos salvar aqueles que crêem.

1 Coríntios 3:5  O que é então Apollos? O que é Paulo? Servos por meio dos quais vocês creram, conforme o Senhor designou a cada um.

1 Coríntios 3:9  . . . somos colaboradores de Deus. . . (KJV: “colaboradores de Deus”)

1 Coríntios 15:10  Mas pela graça de Deus sou o que sou, e a sua graça para comigo não foi vã. Pelo contrário, trabalhei mais do que todos eles, embora não fosse eu, mas a graça de Deus que está comigo.

2 Corinthians 6:1  Cooperando com ele, pois, rogamos-vos que não aceiteis em vão a graça de Deus.

2 Coríntios 13:3  . . . Cristo está falando em mim. . .

Filipenses 2:13  porque Deus opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade.

1 Timóteo 4:16  Tem cuidado de ti mesmo e da tua doutrina; apega-te a isso, porque, fazendo isso, salvarás a ti mesmo e aos teus ouvintes.

Tiago 5:20 . . . quem reconduz do erro do seu caminho um pecador, salvará da morte a sua alma. . .”

Discordo e rejeito a acusação de que nós estamos fazendo um ou/ou desnecessário. Dicotomias existem nas Escrituras, mas não é esse o caso. Embora não interprete da mesma forma que o senhor Armstrong, isso não quer dizer que estou excluindo qualquer parte de qualquer versículo de minhas explicações.

Quando o senhor Armstrong diz que “Em última análise e sempre vem somente de Cristo e então também o tornamos nossoambos/e )”, não vejo motivo para discordar dessa sentença, pois de fato, através da fé nos apropriamos das obras de Cristo, mas isso requer mais explicações, é óbvio que há diferenças entre o que estou afirmando e o que tem em mente o senhor Armstrong. 

Primeiro que há uma cooperação entre Deus e o homem, isso é um fato, porém as criaturas são como agentes subordinados, os homens subordinados a Deus, não como agentes iguais a Deus. Já expliquei e repito, há um mérito humano quando olhamos somente para os homens, mas NENHUM dos apóstolos ousa, em momento algum, se gloriar diante de Deus. Se alguém se orgulha, é diante de outros homens, mas sempre ressaltando que suas obras não seriam possíveis sem Deus. Se os apóstolos não podem, nem se gloriam de tais obras, tampouco podem dizer que essas obras são causas da justificação. Por exemplo, São Paulo diz:

1 Coríntios 15:10:  “Mas pela graça de Deus sou o que sou, e a sua graça para comigo não foi vã. Pelo contrário, trabalhei mais do que todos eles, embora não fosse eu, mas a graça de Deus que está comigo.”

Fica claro que Paulo não atribui nada a si, no tocante a essa obra, embora possa fazê-lo diante dos homens, mas em relação a Deus, ele afirma nada ter feito. Ao mesmo tempo, em que trabalha, esse trabalho é como se não fosse ele.

Outro versículo citado foi Filipenses 2.13 que diz que é “Deus quem opera em vós tanto o querer como o efetuar”, esse versículo nos mostra, ao contrário do que o senhor Armstrong tenta insinuar, não um sinergismo em que há cooperação entre duas partes iguais, mas um sinergismo subordinado, em que a cooperação humana gera um efeito na realidade, mas somente porque Deus operou o querer e o realizar, ou seja, tudo vem de Deus para o homem, nada vai do homem para Deus, a causa é Deus, as obras humanas são um efeito da operação divina, como podem elas ser causas da justificação, que é um ato divino, de “cima para baixo”, de Deus para o homem?

Mantendo no mesmo texto de Filipenses 2.13, “Porque Deus é o que opera tanto o querer como o realizar”, pode-se argumentar uma operação parcial da parte de Deus, devido ao versículo anterior que diz: “Operai a vossa salvação com tremor” (vers 12), que, penso eu, é um pensamento que pode ser atribuído apropriadamente ao senhor Armstrong. No entanto, São Paulo não fala aqui de uma colaboração de causas parciais, sinérgica, onde Deus faz uma parte e a criatura outra, como complementares, o que seria apropriado para que a obra do homem fosse meritória e pudesse ser causa da justificação. O motivo é que enquanto em Fl 2.13 a palavra usada para operar é “energeo”, a palavra usada para “cooperar” é a palavra grega synergeo (Strong 4903), e na mesma carta, no mesmo capítulo, em Filipenses 2.25, Paulo usa a palavra synergeo para cooperar: “Contudo, penso que será necessário enviar-lhes de volta Epafrodito, meu irmão, cooperador (synergeo) e companheiro de lutas, mensageiro que vocês enviaram para atender às minhas necessidades” (Filipenses 2:25). Se, em Filipenses 2.13, São Paulo quisesse passar uma ideia de cooperar, como causas parciais, ele saberia muito bem que palavra usar, não seria energeo, mas synergeo. Afirmamos então que tanto a causa primária como a causa secundária são totais durante o evento acontecido, e que colaboram, mas não como causas parciais e simultâneas, mas como causas totais, sendo a primária anterior à secundária. A causa segunda é sempre subordinada, logo, não pode causar uma atitude divina, por mais que colabore subordinadamente. Como afirma São Paulo: “E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera (energeo) tudo em todos” (1 Co 12:6).

A proposta do senhor Armstrong esbarra não só em erros exegéticos, mas metafísicos.

Os outros versículos seguem a mesma linha do que já foi explicado. Após isso, o senhor Armstrong aborda meu arrazoado de que  “sustento que é somente de Cristo, e como somente a fé recebe a Cristo, então é impossível sermos justificados pelas obras.”

Ele diz:

“Eu abordei isso várias vezes, especialmente com este artigo. Somos Inicialmente justificados pela fé e pela graça de Deus; então somos responsáveis ​​por cooperar com Deus e fazer boas obras, sem as quais a fé é morta e estéril. Assim, obras em conjunto com nossa fé e a graça de Deus (não obras sozinhas !), desempenham um papel na salvação, como provam minhas 50 passagens na Parte 1 deste artigo sobre as razões pelas quais Deus nos permite entrar no céu.”

Se o senhor Armstrong diz que a resposta ao meu argumento é a explicação de seu modelo de justificação, então darei mais motivos para que o leitor seja convencido de que o modelo de justificação católico romano é falso, biblicamente.

Para o senhor Armstrong, segundo que entendi de suas explicações, antes da justificação há uma operação do Espírito Santo que é uma preparação para a justificação, em parte operada pelo poder divino, e em parte pelo poder do livre arbítrio humano, pela qual um homem se dispõe para sua própria justificação futura. Na preparação, ele considera o fundamento da justificação e as coisas que procedem dela.

Esta preparação sendo feita, então vem a própria justificação, que é uma ação de Deus pela qual Ele torna o homem justo. Aqui ele a divide em duas partes: a primeira, que ele chama de inicial, é quando um homem mau se torna um homem bom. E para efetuar isso, duas coisas são necessárias: primeiro, o perdão do pecado, que é uma parte da primeira justificação; segundo, a infusão da retidão interior, pela qual o coração é purificado e santificado, e este hábito da retidão permanecem, especialmente, na esperança e no amor.

Após a primeira justificação, segue a segunda, que é, quando um homem bom ou justo se torna melhor e mais justo. E isso, segundo Armstrong, pode proceder das obras da graça, porque aquele que é justo pela primeira justificação, pode produzir boas obras, pelo mérito das quais ele é capaz de se tornar mais justo e santo. Um ponto importante, é que o senhor Armstrong concede que a primeira justificação, ou inicial, é fruto apenas da misericórdia de Deus pelo mérito de Cristo, sem a obra humana.

E é aqui que entra a pergunta que fiz: “O que é exatamente o que faz com que um homem permaneça justo diante de Deus e seja aceito na vida eterna? ” Respondi que nada além da justiça de Cristo, que consiste em parte em Seus sofrimentos e em parte em Sua obediência ativa no cumprimento do rigor da lei, por isso chamamos de Solus christus (somente Cristo).

O senhor Armstrong concorda comigo que os pecados são perdoados somente pelos méritos de Cristo.

O senhor Armstrong também concorda que a justiça pela qual um homem é Justificado vem somente de Cristo.

Porém, a diferença entre nós consiste na resposta que dá à pergunta feita acima, que repito: “O que exatamente faz com que um homem permaneça justo diante de Deus e seja aceito na vida eterna? ” Enquanto respondo que é somente Cristo, o senhor Armstrong responde que a coisa que nos torna justos diante de Deus e nos leva a ser aceitos na vida eterna é a remissão de pecados e o hábito da justiça interior, ou caridade com os seus frutos. Concedo que há um hábito da justiça, mas chamo de santificação, também concedo que é um excelente dom de Deus, com sua recompensa de sua parte, porém afirmo que essa justificação é somente diante do homem, porque serve para declarar que estamos reconciliados com Deus. No entanto, não concedo que o hábito da justiça e das boas obras que nos transforme de pecadores para homens bons.

A principal razão que apresentei, no qual, insisto, não recebi resposta apropriada, embora o senhor Armstrong diga o contrário, é esta, fundamentada no seguinte versículo: “Aquele que não conheceu pecado, foi feito pecado por nós, para que fôssemos feitos justiça de Deus, que nele há” (2 Coríntios 5:21). Disto, é facilmente deduzido que assim como Cristo foi feito pecado por nós, assim também nós fomos feitos justiça de Deus Nele. Mas Cristo foi feito pecado, ou, um pecador pela imputação de nossos pecados, sendo Ele, em Si mesmo santíssimo; portanto, um pecador é justificado diante de Deus porque a justiça de Cristo é imputada e aplicada a ele. Em outras palavras, se alguém disser que o homem é justificado pela justiça infusa, então pela mesma razão eu digo que Cristo foi feito pecado por nós pela infusão do pecado, o seria blasfêmia. Esse argumento é reforçado por Isaías 53.12, que diz: “e foi contado com os pecadores; mas Ele levou sobre si o pecado de muitos, e intercedeu pelos transgressores.” (Isaías 53:12), ainda assim, em Si mesmo, Ele era sem mácula.

Estabelecido esse raciocínio, entra em questão a segunda parte do meu argumento, agora uma acusação à doutrina defendida pelo senhor Armstrong, segue-se: uma vez que Cristo leva todos os nossos pecados na cruz, o que resta de culpa sobre nós para ser expiada através de qualquer boa obra, que não seja a obra que o próprio Cristo já realizou na cruz? Pois embora o senhor Armstrong concorde que tanto a justiça, quanto o perdão dos pecados venham unicamente de Cristo, isso se aplica somente à justificação inicial, mas não se aplica a permanência desse estado de justiça, ou seja, a segunda justificação. Se a justificação tem a ver com ter paz com Deus, como diz São Paulo:“justificados pois, mediante a fé, temos paz com Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo;”  Rm 5.1, quando teremos paz com Deus se a perfeição cristã é algo inalcançável? E, ainda que compremos a visão católica romana da possibilidade da perfeição cristã, não resolve o problema, pois sabemos ser extremamente difícil a perfeição cristã, de modo que somente umas pouquíssimas pessoas seriam agraciadas com a verdadeira justificação que concede a paz. A consequência lógica é que a obra de Cristo é imperfeita, pois não perdoa todos os pecados humanos, que dependem de boas obras, penitências e uma série de adicionais para obter os benefícios da obra que Cristo conquistou na cruz.

Como essa é a última resposta, fiz questão de explicar o mais claramente possível, pois, independentemente da resposta do senhor Armstrong, não poderei mais oferecer uma réplica, segundo as regras do nosso debate.

Após isso, o senhor Armstrong cita vários versículos para provar que a justificação é um processo:

“Filipenses 3:11-14   para que, se possível, alcance a ressurreição dentre os mortos. Não que eu já tenha obtido isso ou já seja perfeito; mas prossigo para torná-lo meu, porque Cristo Jesus me fez seu. Irmãos, não considero que o tenha feito meu. . . prossigo para o alvo pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus.”

Nesse caso, o senhor Armstrong mutila o texto para parecer que concorda com seus argumentos, omitindo o versículo 9, em que São Paulo diz: “E seja achado nele, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus pela fé;” Filipenses 3:9. São Paulo certamente exclui toda e qualquer obra ao dizer que a justiça provém da fé, não da lei. Aqui não cabe qualquer distinção entre lei mosaica e boa obra, pois como Agostinho diz, isso é uma distorção das palavras do apóstolo, pois se fosse verdadeiro, o pecado não existiria mais, pois é pela lei que conhecemos o pecado, portanto, todo pecado envolve a transgressão da lei, assim sendo, se não amar é pecado, então todas as boas obras estão inclusas na lei a que São Paulo se refere.

Mas São Paulo parece prever o argumento do senhor Armstrong quando diz: “Não que já a tenha alcançado, OU QUE SEJA PERFEITO; mas prossigo para alcançar aquilo para o que fui também preso por Cristo Jesus.” Filipenses 3:12, adicionando que ele mesmo, um apóstolo de Cristo no fim da vida, não tinha alcançado perfeição, ainda assim São Paulo se considera justificado, pois é simplesmente possível ser perfeito nos méritos de Cristo e não ser ontologicamente perfeito. A perfeição terrena pode permanecer com diversos desejos e imperfeições, como podemos provar: Diz-se de Asa que seu “coração foi perfeito para com Deus todos os seus dias” (1 Reis 15:14), e ainda assim “ele não derrubou os altares” (2 Crônicas 15:17), e sendo doente em seus pés, “ele pôs sua confiança nos médicos e não no Senhor” (2 Crônicas 16:12). O XV Concílio de Cartago, já citado, seria o suficiente para acabar com esse debate, mas não custa acrescentar provas.

O senhor Armstrong continua:

“Colossenses 1:21-23  E a vós, que antes estais separados e hostis de espírito, praticando más obras, ele agora os reconciliou no seu corpo carnal, por meio da sua morte, para vos apresentar diante dele santo, irrepreensíveis e irrepreensíveis, contanto que continuas na fé, estável e firme, não te desviando da esperança do evangelho que ouviste, . . .”

Aqui o senhor Armstrong erra novamente ao confundir a ordem transcendental com a ordem predicamental. Ora, uma coisa é o modo como se fala das criaturas, outro o modo como Deus enxerga essas mesmas criaturas. Uma admoestação sobre a perda de salvação baseia-se na ignorância ou de quem ouve, ou de quem fala e ouve, pois é óbvio que é um extremo absurdo aplicar a Deus uma partícula de indeterminação, como se Deus fosse ignorante. Como aplicar univocamente a Deus e ao homem a frase: “SE perseverares até o fim, serás salvo”, se em Deus não existe partícula de indeterminação, portanto não existe um “SE”?

Ora, aqui não cabe ao senhor Armstrong simplesmente afirmar que não nega a onisciência divina, mas deve, pelo bem do debate e da coerência do seu argumento, sob pena de não sustentá-lo, explicar como que esse texto pode ser explicado sem usarmos de antropopatia, portanto, de uma linguagem metafórica para Deus, embora real para o homem, não pode ser usado como texto base para a justificação, pois a justificação não é uma obra humana, mas divina.

Além disso, posso acrescentar que, do ponto de vista humano, há perda de salvação, mas do ponto de vista de Deus, isso é impossível, pois o mesmo ensina em Judas 24: “Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos irrepreensíveis, com alegria, perante a sua glória,”. Deus é poderoso para nos guardar de todo tropeço, e nos apresentar diante de Deus, algo que não pode ser dito com verdade se a salvação pode ser perdida pelo ângulo da eternidade.

“1 Timóteo 4:1 Ora, o Espírito diz expressamente que nos últimos tempos apostatarão alguns da fé, dando ouvidos a espíritos enganadores e a doutrinas de demônios”.

Esse texto sequer fala da fé que salva, mas da fé como doutrina.

“1 Timóteo 5:15 Porque alguns já se desviaram para Satanás.”

Mesma explicação já dada.

“2 Timóteo 2:12 se perseveramos, também reinaremos com ele; se o negarmos, ele também nos negará;”

Será que podemos aplicar essa partícula “SE” ao próprio Deus? Observe que São Paulo se coloca como ignorante dos fatos do futuro. Isso somente prova que o senhor Armstrong tem Deus como ignorante, como consequência, embora negue esse fato, precisa ainda explicar como Deus não se torna ignorante se aplicamos esse texto em uma visão transcendental.

“Hebreus 3:14 Porque participamos de Cristo, contanto que mantenhamos firme a nossa primeira confiança até o fim.”

O mesmo que o anterior. Condicionais não existem para Deus, pois Deus não ignora os atos futuros de forma a existir uma condição fora Dele, para seja atualizado, isso destrói a simplicidade divina. Esse texto deve ser visto pelo ângulo de uma vontade de signo, como ensina Pedro Lombardo, o mestre das sentenças, não sob o ângulo de uma vontade de beneplácito, como erroneamente ensina o senhor Armstrong.

“Hebreus 6:15   . . . Abraão, tendo suportado pacientemente, obteve a promessa.”

O mesmo que o anterior. Se aplicarmos isso à justificação diante de Deus, teremos Deus como causado pela atitude de Abraão, o que só seria possível se Deus fosse determinado, portanto, aperfeiçoado pela criatura, o que de um extremo absurdo.

“Hebreus 10:39 Mas nós não somos dos que retrocedem e são destruídos, mas dos que têm fé e guardam as suas almas.”

Paulo está afirmando que ele e outros não perdem a salvação, pois não são pessoas que retrocedem. O texto afirma o contrário do que intenta o senhor Armstrong.

“Apocalipse 3:11 Em breve venho; guarda o que tens, para que ninguém se apodere da tua coroa.”

Uma admoestação é uma vontade de signo, não de beneplácito. A vontade de signo é própria para o ser humano, não para Deus. É uma admoestação baseada na ignorância humana, não estão sendo levados em conta os mistérios ocultos de Deus para nós, seus planos e desejos que só ele mesmo conhece e que fará acontecer independentemente de nossas obras, pois Deus não depende dos homens para executar seus planos.

A consequência lógica dos argumentos do senhor Armstrong é tornar Deus um grande ser humano, uma espécie de super-homem, enquanto Deus é Ato Puro, o perfeitíssimo, portanto de nada carece, tampouco das atitudes das criaturas.

Após isso, o senhor Armstrong comenta o meu arrazoado sobre Gálatas 5.6: Tampouco o texto de Gálatas 5:6 prova uma justificação pelas obras e pela fé. A fé em Cristo já em seu início é justificadora. O crescimento ou formação da fé por meio do amor tem a ver com santificação, não com justificação.

E o mesmo responde:

“Já forneci muitas passagens bíblicas mostrando a conexão orgânica entre justificação e santificação“.  

Ao passo que já provei com várias analogias que se uma coisa está com outra, não significa que as duas produzam o mesmo efeito. Já citei o exemplo da luz e do calor, também do olho e da cabeça.

Ele continua:

“O curioso aqui (para o protestante) é a mudança aparentemente instantânea da santificação, que acompanharia a justificação. Se “todas as coisas são novas” (como na versão King James ), como isso se enquadra com mera justificação declaratória, forense e extrínseca? Todo o sentido da passagem parece ser uma transformação real na pessoa agora em Cristo, enquanto na justificação protestante apenas a posição “legal” do indivíduo com Deus é mudada. Na verdade, justificação e santificação são aspectos intimamente relacionados de nossa salvação final.”

Da mesma forma que ao olharmos para a luz do sol, não podemos enxergá-la sem o calor, porém, posso realmente afirmar que são as mesmas coisas ou que a luz e o calor geram os mesmos efeitos? Ora, a luz ilumina e o calor aquece, não é apropriado que se diga que a luz aquece e o calor ilumina, somente porque os dois estão sempre juntos. O silogismo do senhor Armstrong não funciona, na verdade é falacioso seu silogismo, pois não se conclui necessariamente das premissas.

Após isso, digo que o texto de Gálatas 5.6, “não trata da justificação diante de Deus. O senhor Armstrong tinha citado esse texto: “Porque em Cristo Jesus nem a circuncisão, nem a incircuncisão valem, mas a fé que atua pelo amor.

O senhor Armstrong diz:

“Começa referindo-se a “em Cristo Jesus”. Se isso não está relacionado a Deus, não sei o que é.”

Quanto o texto diz “em Cristo Jesus”, ele está falando de alguém santo, que está em Cristo, e que opera o amor através da fé, isso não trata de justificação, mas de santificação. Aqui, devemos considerar que temos conceitos diferentes de justificação, e que estamos usando essas óticas para interpretar os textos. A meu favor, digo que o texto não cita a justificação, não cita a boa obra como fonte ou causa de uma justificação, ela aponta o aperfeiçoamento da fé de um homem pelo amor, mas pelo amor no objeto certo, que é Cristo. Além disso, já mostrei nos exemplos de Aza, do Apóstolo Paulo, de São Tiago (esse citado no XV Concílio de Cártago), como exemplos de pessoas que eram perfeitas diante de Cristo, ou seja, justificadas, porém carregavam imperfeições em suas pessoas, portanto, não eram perfeitamente santas, o que mostra que há uma distinção clara entre justificação e santificação. Dito isso, afirmo ter um fundamento sólido para afirmar que o texto, ao tratar de um aperfeiçoamento de alguém já cristão, pode estar tratando da santificação, não da justificação.

Logo após o senhor Armstrong usa o texto que prova exatamente o contrário do que ele defendeu até agora, e pode ser uma poderosa prova contra sua própria doutrina, veja:

Sim, porque a justificação/santificação/salvação é um processo contínuo, como provam muitas passagens da Bíblia. Como disse São Paulo: “Não que eu já tenha obtido isso ou já seja perfeito; mas prossigo para torná-lo meu.”

Atentai bem como o próprio São Paulo, no final da vida, diz que não obteve a perfeição, mas prosseguia em consegui-la, no entanto, o mesmo homem diz em Romanos 5.1 que é justificado e tem paz com Deus. Se São Paulo pode dizer:

Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo;” (Romanos 5:1), mesmo sem ter alcançado a perfeição, segue-se que a justificação convive com imperfeições e que o processo de aperfeiçoamento pessoal não justifica, mas a santifica. Se quiser tomar a palavra justificar no sentido de santificar, não me oponho, desde que especifique o sentido e não lhe retire o sentido forense. É certo que um homem mau, ao se tornar bom, se torna mais justo, porém negamos que esse seja o sentido empregado pelos apóstolos no tocante ao evento que ocorre no ato da fé.

Aqui podemos usar a distinção reformada, herdada dos teólogos medievais terministas, entre Categoremas e Sincategoremas. Categoremas são palavras como substantivos e verbos. Elas significam as coisas e ações que representam por si mesmas. Sincategoremata são partes do discurso, como preposições, conjunções e adjetivos. Eles não têm significado isoladamente e adquirem significado somente dentro de proposições em que modificam a categoremata ou especificam as relações entre os outros termos da proposição.

Maccovius, grande erudito da reforma, ilustra isso discutindo o termo ‘solus’, que desempenha um papel tão importante na doutrina protestante da justificação. Quando tomado como um categorema, ‘solus’ significa ‘separado’, tomado como um sincategorema significa ‘somente’ ou ‘meramente’ (solum, dumtaxat). Somente a fé justifica em um sentido sincategoremático, mas em um sentido categoremático a fé não justifica, ou seja, a fé separada das obras. Maccovius compara a diferença entre o uso categoremático e o uso sincategoremático das palavras com os olhos que enxergam sozinhos (solus), mas não separados (solum) do corpo. Exemplos dessa natureza já foram usados abundantemente neste debate.

Após isso, citei vários versículos que mostram a fé sendo aumentada, mas em sua natureza, não em seu objeto, mostrando assim que se a justificação está no objeto que justifica, então não pode ter por causa o aumento de nossa própria fé, e como o aumento da fé é algo da santificação, então a santificação não pode ser o mesmo que justificação, pois se é Cristo que justifica, tampouco ele pode ser aumentado. Enquanto o senhor Armstrong não entender que não é a fé que justifica, mas o objeto da fé, que é Cristo, não chegaremos a um acordo. Se o objeto da fé não pode ser aumentado, tampouco a justificação pode, mas se a fé pode ser aumentada, então se diz que a santificação aumentou, não a justificação. Se a justificação está no tamanho da fé e não no objeto da fé, a própria fé se transforma em uma obra.

O senhor Armstrong respondeu:

Muito bom! Gostaria de observar, no entanto, que os discípulos antes da Ressurreição e Ascensão de Jesus ainda não haviam recebido a habitação do Espírito Santo, que todos os cristãos agora possuem em virtude da regeneração batismal (Atos 2:38; 9:17-18; 1 Cor. 12:13; Tito 3:5).

Não sei, exatamente, o que ele pretende dizer com isso.

O senhor Armstrong continua:

Mais especificamente, quando perguntaram a Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo como alguém é salvo e como alguém chega ao céu, Ele nunca mencionou “somente a fé” como os protestantes sempre fazem. Que estranho !

Revidarei de duas formas, a primeira assumindo ser verdade sua premissa e sua consequência, também. A segunda assumindo não ser verdade sua premissa, o que mostrarei através das referências bíblicas.

Assumindo ser verdade que Cristo nunca disse que somente a fé salva, e, que essa ausência prova que a fé, somente, não salva. Posso argumentar que Jesus nunca chamou Maria de mãe, que estranho, não é? Seguir-se-ia que o Senhor Jesus não a tinha como mãe? Vejamos até onde o senhor Dave Armstrong será coerente com seu próprio argumento.

Agora, não concordo que seja verdade a afirmação do senhor Armstrong.  O senhor Jesus não cita obra alguma para aqueles que de fato foram salvos, mas somente a fé. O senhor Armstrong não entendeu que Cristo conhecia o coração do jovem rico, e sabia que estava possuído do espírito farisaico das boas obras. Jesus o desafia, mostrando-o sua incapacidade de ser salvo através das boas obras.

A pergunta certa é: quando as obras foram citadas como meritórias ou como causa da salvação durante o ministério de Cristo? Resposta: NENHUMA VEZ.

Mas a fé é citada, sempre omitindo a obra:

“Então, Jesus declarou-lhe: “Levanta-te e vai! A tua fé te salvou”. A chegada do Reino de Deus” Lucas 17.19

“Em verdade, em verdade vos asseguro: quem ouve a minha Palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida.” João 5.24

É importante ressaltar que os reformados não defendem que uma pessoa possa entrar no céu sendo uma devassa, mas que a pessoa salva se manterá nas boas obras, se santificará através delas, mas não será salva por elas.

Logo após isso, ao debatermos sobre o jovem rico, explanei da seguinte forma:

Há muito a observar aqui. Primeiro, o fato de Jesus estar diante de um homem que pensa ser bom o suficiente para ter a vida eterna, ou seja, que as boas obras merecem a vida eterna. Jesus rejeita esse pensamento logo no início: “Só há um bom” (Mt 19,17), mas nos textos paralelos de São Lucas e São Marcos, o Senhor Jesus é mais contundente: “Por que me chamas de bom? Não há ninguém bom senão um, que é Deus”. Marcos 10:18 E em Lucas: “Respondeu Jesus: — Por que me chamas bom? Ninguém é bom senão um, que é Deus”. Lucas 18:19

O senhor Armstrong responde:

Jesus estava sendo retórico e aludindo à Sua divindade. Mas é uma típica hipérbole hebraica: afirmações exageradas, que não devem ser interpretadas literalmente. Os protestantes afirmam que nenhuma pessoa pode ser chamada de “boa”. Mas isso não é bíblico. A frase “homem bom” aparece sete vezes no Antigo Testamento protestante, e quatro vezes neste sentido no Novo Testamento: duas delas dos lábios de Jesus, uma de Lucas e uma de Paulo. Portanto, existe tal coisa na Bíblia como um “homem bom” além de Jesus.

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Jesus também disse: “Ele faz o seu sol nascer sobre maus e bons, e a chuva desce sobre justos e injustos” (Mt 5,45), e “aqueles servos saíram pelas ruas e reuniram todos os que achados, tanto maus como bons” (Mt 22:10). Em cada instância em Mateus acima (e em Lucas 18:19) do inglês “bom”, a palavra grega é a mesma: agatho.

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Então, ou Jesus se contradisse ou estava falando não literalmente com o jovem rico. Jesus estava fazendo um contraste entre nossa justiça e a de Deus, mas Ele não nega que podemos ser “bons” em um sentido menor.

Não creio que Jesus esteja se contradizendo, nem que não esteja falando literalmente ao jovem rico, mas que Jesus ao dizer que era não era bom, não falava no mesmo sentido em que chamou a outros homens de bons, ou como ele mesmo é apresentado na Escritura como bom. Ora, é bem sabido que a bondade dos homens não é unívoca com a bondade de Deus, assim como a perfeição dos homens não é unívoca com a perfeição de Deus, além disso, uma pessoa pode ser boa em um sentido e ruim em outro sentido, um homem pode ser um excelente marido, mas um mau pai, só para citar um exemplo. O que afirmo é que há um sentido em que ninguém é bom, e há um sentido em que muitas pessoas podem ser boas. Assim como o rei pagão, Ciro, é chamado de “servo de Deus”, mas não no mesmo sentido em que os apóstolos e os cristãos são servos de Deus. Assim como o próprio Cristo não é salvador no mesmo sentido em que o Pai é salvador, embora os dois sejam chamados de “salvador”. No próprio texto disputado, Cristo usa a palavra “rico” em um sentido diferente de outros lugares, pois ele afirma “é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus” (Mt 19:23-24) e sabemos que há ricos entrarão no reino dos céus, mas se for rico no sentido apresentado por Cristo. Portanto, é razoável que Cristo não tenha se contradito, nem tenha usado de hipérbole, mas que tenha empregado as palavras em sentidos diferentes, e esse é o ponto. O jovem se achava bom diante de Deus porque fazia muita boa obra, e, nesse sentido, ninguém é bom. O jovem chega a Cristo cheio de justiça própria, e Cristo, conhecendo seu coração, conversa no intuito de mostrar que essa justiça não o levará para o céu, colocando-o em uma situação de incapacidade de cumprir a lei. Cristo mostra que o coração do jovem é mau, mesmo que ostentasse fazer tantas boas obras.

O senhor Armstrong, após isso, sugere que falei que Cristo era hostil à lei mosaica, mas nunca me passou pela cabeça tal coisa. Defendi que Cristo não se achava bom por cumprir toda a lei mosaica. Mesmo Cristo cumprindo toda a lei, ele ainda afirma não ser bom, isso mostra que o cumprimento da lei ou das boas obras não nos torna bons, portanto, nossa justificação não vem pelo cumprimento da lei ou das boas obras de qualquer tipo, já que, no conceito católico romano, ser justificado é se tornar uma boa pessoa.

Após isso, argumento:

Então os apóstolos perguntam ao Senhor: “Quem, então, pode ser salvo?”

Essa perplexidade é de quem entendia que é impossível alcançar a salvação pelas obras, mas Jesus olhou para eles e respondeu: “Para o homem é impossível, mas para Deus tudo é possível”. Mt 19.25,26. O texto pretende mostrar a incapacidade humana de obter a salvação pelas obras, exatamente o oposto do que o Sr. Armstrong tenta provar.

O senhor Armstrong responde:

Jesus disse isso após dizer: “Em verdade vos digo que dificilmente um rico entrará no reino dos céus. Mais uma vez vos digo que é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus” (Mt 19:23-24). Francisco pulou essa parte, crucial para entender a pergunta perplexa dos discípulos. Sua resposta a isso tinha a ver apenas com a graça, não com alguma suposta hostilidade às obras como parte da equação geral de salvação e obtenção do céu.

Uma coisa é ser hostil às boas obras, isso nunca afirmei. Outra coisa é colocar as boas obras como causa da justificação, isso nego. O senhor Armstrong saca o versículo anterior como forma de rejeitar minha conclusão, diz que pulei essa parte como se eu tivesse fazendo uma seleção interessada dos textos, porém o contrário acontece, pois de fato é impossível um camelo passar pelo fundo de uma agulha, assim como é impossível um homem ser salvo por suas boas obras. O texto mostra, sim, a incapacidade humana de mostrar a incapacidade humana de entrar no céu pelas suas obras, assim como é impossível um camelo passar no fundo de uma agulha. É esse o motivo da perplexidade dos discípulos. Eles se viram diante do impossível, mas Cristo os consola dizendo: “para Deus é possível o que para vocês é impossível”.

O senhor Armstrong continua:

Se Jesus fosse um bom protestante e supostamente tão hostil às obras meritórias (de acordo com esse ponto de vista), então Ele não teria mencionado apenas duas obras e não a fé em Sua resposta original. Isso não é ciência de foguetes. O fato é que Jesus deu uma resposta “católica”, não protestante. Ele teria reprovado em qualquer curso de soteriologia em um seminário protestante. O fato básico e inegável é que Jesus disse que o governante seria ou poderia ser salvo por essas duas obras (sem negar a graça ou a fé; tal negação não segue inexoravelmente). Mas Francisco olha para esse fato e afirma que Nosso Senhor supostamente estava dizendo que nenhuma obra é boa o suficiente para alcançar o céu (!!!).

Isso não passa de um grande espantalho, pois nenhum protestante é hostil às boas obras, embora sim, não cremos que haja mérito diante de Deus, mas somente diante dos homens. Porém, um argumento que afeta as duas partes e refuta nossa própria posição, não é um bom argumento. Ora, se Cristo não citou a fé, então segue-se que o jovem rico poderia ser salvo sem fé? Se assim for, então o senhor Armstrong está contra a própria doutrina católica romana. A fé é essencial para a salvação, nisso, católicos e protestantes estão de acordo, então fato de Cristo ter omitido a fé, mesmo sabendo que é essencial para a salvação tê-la, é uma evidência fortíssima de que Cristo apenas queria mostrar a incapacidade desse homem de ser salvo por suas obras. Agora devolvo a pergunta: se Cristo queria realmente mostrar a esse jovem como ser salvo, por que Nosso Senhor não falou da fé? A fé é ou não essencial para a salvação? Se a interpretação do senhor Armstrong está correta, então Cristo estaria defendendo que um homem pode ser salvo somente pelas obras, mas sabemos que nenhum cristão defende isso, portanto a interpretação do senhor Armstrong não é só eisegética, mas impossível! Data máxima vênia.

A conclusão retirada desse texto pelo senhor Armstrong nos levaria a crer que uma pessoa pode ser salva somente pelas obras.

Mas se vejo o texto em um contexto em que Cristo quer mostrar a incapacidade humana de ser salvo pelas obras, fica justificado o porquê de Cristo não ter falado da necessidade da fé quando foi indagado sobre como ter a vida eterna. O contexto explica a falta de um elemento essencial para a salvação.

O senhor Armstrong responde a isso dizendo que “Não há necessidade de ensinar tudo em uma determinada passagem. Não é uma negação de uma ou mais coisas se algo mais é afirmado...”, e concordo com isso, só não concordo que posso tirar as consequências de um texto baseado no que não foi dito nesse texto. O que afirmei foi que se para herdar a vida eterna são necessárias a fé e as obras, e, se Jesus pretende, de fato, ensinar ao jovem rico como fazer para herdar a vida eterna, então ele deveria ter citado a fé. Mas se ele não cita a fé, que é essencial para essa resposta, então mostra que sua intenção era outra, e mostro através do texto que era mostrar a incapacidade do jovem rico de herdar a vida eterna somente cumprindo a lei. A interpretação do senhor Armstrong não responde adequadamente essa questão.

O senhor Armstrong indaga:

O próprio Francisco afirmou acima que, na visão protestante, “ a salvação envolve boas obras”. Então, por que ele se vira e nega isso quando Jesus afirma exatamente a mesma coisa? Bem, na minha opinião, é porque ele deve pensar que o incidente do jovem governante rico está de alguma forma relacionado apenas à fé , onde as obras não podem desempenhar nenhum papel ou papel. Se isso estiver errado, aguardo ansiosamente como Francisco explica essa aparente discrepância em suas respostas.

Respondo que as boas obras para nós protestantes não nos concede méritos diante de Deus e são frutos da regeneração e santificação e não suas causas. Afirmo outra vez que o Ser precede o Operar, portanto, o fazer das boas obras não podem produzir uma mudança ontológica no ser humano. Primeiro a árvore é boa para produzir bons frutos, não o contrário. Eu não disse que o incidente do jovem rico está relacionado somente à fé nesses termos empregados pelo senhor Armstrong, mas que o discurso de Cristo tem como intenção mostrar ao jovem sua incapacidade de ser salvo através de sua própria justiça, que o jovem pensava vir das boas obras.

O senhor Armstrong continua:

Não, porque “obras” e “obras da lei” têm dois significados diferentes. A primeira é ampla, significando todas as “boas obras” sejam elas quais forem. Paulo liga isso diretamente à salvação. A segunda refere-se a certas obras dentro da lei mosaica que certos judeus pensavam ser provas particulares de sua própria salvação e status único sob Deus. Mas já passamos por tudo isso.

Em Romanos, Paulo afirma em 2:7, 10, 13, que as boas obras podem justificar, mas em sua única menção de “obras da lei” (Rm 3:20) ele afirma o contrário: “Porque nenhum ser humano será justificado aos seus olhos pelas obras da lei, . . .). Novamente, isso é autocontradição no espaço de dois capítulos em uma epístola, ou Paulo quer dizer coisas diferentes, como afirmamos. Faça a sua escolha (a lógica é o que é).

Mais uma vez voltamos à questão da distinção entre obras da lei e obras de caridade. Segundo o senhor Armstrong usa essa distinção pelagiana, como se as obras da lei não justificassem, mas as obras que não são da lei, mas da caridade, justificassem.

Invoco o maior de todos os teólogos para refutar essa questão:

“Mas dizem os pelagianos: “Louvamos a Deus, autor de nossa justificação, reconhecendo que ele nos deu a lei, sob cuja visão sabemos como viver”. Não prestam atenção no que leem: Porque diante dele nenhum homem será justificado pelas obras da Lei (Rm 2,20). Pode-se dar esta justificação diante dos homens, não, porém, diante de Deus, que esquadrinha os corações e a vontade mais oculta, na qual ele vê o que gostaria, se fosse lícito, aquele que teme a Lei, embora pratique outra coisa. E, evitando que houvesse uma interpretação distorcida afirmando-se que o Apóstolo se referia nessa sentença àquela lei que nos sacramentos antigos compreendia em figura muitos preceitos, entre os quais a circuncisão da carne que as crianças deviam receber no oitavo dia após o nascimento (Lv 12,3), acrescenta na continuação a que lei se referia e disse: Pois pela Lei vem o conhecimento do pecado (Rm 20,22). Portanto, trata-se daquela Lei da qual disse depois: Pois não conhecia a concupiscência senão através da Lei. Não conheceria a concupiscência, se a Lei não dissesse: Não cobiçarás (Rm 7,7). Que outra coisa significa: Pela Lei vem só o conhecimento do pecado?” (AGOSTINHO. Espírito e a Letra. Capítulo 8.14)

A explicação de Santo Agostinho é simples:

1 – sem lei não há pecado. (“Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado”. Romanos 3:20)

2 – é pecado não fazer boas obras de caridade. (“Quem não ama permanece na morte” 1 Jo 3.14)

3 – logo, as obras de caridade estão inclusas nas obras da lei citadas por São Paulo.

O argumento é irrefutável e desmonta todo o arcabouço teórico do senhor Armstrong nesse debate. Se não há distinção entre obras da lei e obras de caridade, no sentido em que o senhor Armstrong defende, então todos os seus argumentos caem por terra, pois como ele justificaria sua crença sem essa distinção? Se por obras da lei entendemos não só a lei sacramental do antigo testamento, mas também todas as boas obras, então o texto que ensina que “portanto, que o ser humano é justificado pela fé, independentemente da obediência à Lei!” Rm 3.28; novamente: “Por isso nenhuma carne será justificada diante dele pelas obras da lei, porque pela lei vem o conhecimento do pecado”. Romanos 3:20; novamente: “É, portanto, evidente que diante de Deus ninguém é capaz de ser justificado pela Lei, pois “o justo viverá pela fé” Gl 3.11, novamente, “visto que a justiça de Deus se revela no Evangelho, uma justiça que do princípio ao fim é pela fé, como está escrito: “O justo viverá pela fé”. Rm 1.17. É do princípio ao fim pela fé, tem nada de obras, ainda que digam que não há a palavra somente, sigo o conselho de São Paulo:  não ir além do que está escrito” 1 Co 4.6.

O senhor Armstrong continua:

O verdadeiro problema para Francisco e os calvinistas explicarem é como é que “os que praticam a lei serão justificados ” (Rm 2:13)? Se nenhum trabalho tem algo a ver com qualquer tipo de justificação, como Paulo pode escrever isso? É devastador para a posição soteriológica protestante. De acordo com Francisco e a teologia calvinista, Paulo deveria ter escrito “salvo” em Romanos 2:13 em vez de “justificado”. 

Aqui, o senhor Armstrong isolou o texto de seu contexto. Os versículos anteriores dizem o seguinte:

“Ou, porventura, desprezas a imensa riqueza da bondade, tolerância e paciência, não percebendo que é a própria misericórdia de Deus que te conduz ao arrependimento? 5 Entretanto, por causa da tua teimosia e do teu coração insensível e que não se arrepende, acumulas ira sobre ti no dia da ira de Deus, quando se revelará plenamente o seu justo julgamento. 6 Deus retribuirá a cada um segundo o seu procedimento. 7Ele concederá vida eterna aos que perseverando em fazer o bem, buscam glória, honra e imortalidade. 8Por outro lado, reservará ira e indignação para todos os que se conservam egoístas, que rejeitam a verdade e preferem seguir a injustiça. 9Ele trará tribulação e angústia sobre todo ser humano que persiste em praticar o mal, em primeiro lugar para o judeu, e, em seguida, para o grego; 10porém, glória, honra e paz para todo aquele que perseverar na prática do bem; primeiro para o judeu, depois para o grego. 11Porquanto em Deus não existe parcialidade alguma.

12Pois todos os que sem a Lei pecaram, sem a Lei també m perecerão; e todos os que pecarem sob a Lei, pela Lei serão julgados. 13Pois, diante de Deus, não são os que simplesmente ouvem a Lei considerados justos; mas sim, os que obedecem à Lei, estes serão declarados justos.” Romanos 2

O texto trata do dia do juízo final. O texto não trata sobre a justificação pela fé que acontece no tempo, mas do juízo do último dia em que Deus dará sua sentença e sua recompensa. A partir do versículo 5 o apóstolo Paulo fala sobre as virtudes e pecados atuais e como as pessoas que praticam o bem e o mal serão julgadas no último dia.

O senhor Armstrong continua:

Não é principalmente sobre a lei, mas sobre boas obras, de um modo geral. Isso é mostrado de duas maneiras: a referência a “todo homem” (2:6); não apenas judeus, e os parâmetros do escopo “amplo” ou universal da discussão pela menção de Paulo a judeus e gregos (2:9-10), aos que estavam sob e aos que não estavam sob a lei (2:12) e aos gentios ( 2:14-16). A “fé” nunca é mencionada em Romanos 2, mas várias vezes no capítulo 3, de modo que sabemos que ele não a está excluindo no capítulo 2. Mas ele está se concentrando nas boas obras, que desempenharão um papel fundamental no julgamento final (2:5-7, 10, 13-14). A falta do mesmo trará condenação (2:8-9, 12).

Primeiro, já mostrei que não há uma diferença substancial entre obras da lei e boas obras, pois todos pecaram, como diz São Paulo, isso independe de quem sabe a lei ou quem não está ciente dela. Os que não estão cientes da lei pecam sem ela, pois ainda lhes pesa a obrigação de obedecê-la. O senhor Armstrong supõe que os gentios não estão debaixo da lei de Deus, isso é absurdo! Sim, eles estão, por isso também são pecadores, pois sem lei não há pecado. Se estão debaixo da lei, então trata não só da lei cerimonial, mas também da lei moral.

Logo após cito:

⁸ Porque pela graça sois salvos, por meio da fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus. ⁹ Não vem das obras, para que ninguém se glorie; Efésios 2:8,9

Em resposta, o senhor Armstrong diz:

Aqui Paulo afirma a necessidade da fé na salvação (concordamos) e a inadequação da salvação pelas obras (novamente concordamos). Ele então passa a apresentar a visão tanto/e católica. Deus preordena as obras e nós andamos nelas. As obras são necessárias (e em muitas outras passagens paulinas, centrais na equação da salvação). Assim, fé e obras, assim como temos mantido o tempo todo

Notem como o senhor Armstrong simplesmente não abordou o argumento. É certo que Paulo fala da necessidade da fé na salvação, mas o que ele diz logo a seguir é devastador para a teologia de Roma, ele afirma: “Não vem das obras, para que ninguém se glorie” São Paulo é claro, a salvação não vem das boas obras, mas somente da fé, e o senhor Armstrong simplesmente ignorou meu argumento com relação a isso. O texto diz que é pela fé e não por obras, ademais, o texto sequer destaca que são obras da lei, para que o senhor Armstrong consiga de alguma forma distinguir as obras da lei com as obras de caridade. Parece-me que nesse texto não há saída para a teologia católica romana.

Apenas ressalto, com ênfase, com o fim de não ser mal interpretado: não estou dizendo que não haja qualquer relação das boas obras com a salvação, mas que as boas obras não são causas formais da salvação, como sempre tenho dito, afinal, já diz o adágio – relação não é o mesmo que causação.

Após isso digo:

Somos justificados pelas boas obras, não por causa delas, além disso, esta carta é dirigida aos crentes, pessoas já justificadas pela fé, que já creem. São Paulo também diz: “Mas se é pela graça, já não é pelas obras; caso contrário, a graça não é mais graça. Mas, se é pelas obras, já não é graça; caso contrário, o trabalho não é mais trabalho”. Romanos 11:6

O senhor Armstrong responde:

Francisco diz essas coisas sem parar. Quero ver como ele explica de várias maneiras todos os versos que produzi que me parecem ser diretamente contrários à soteriologia protestante (e especialmente calvinista). Romanos 11:6 afirma a graça somente e nega a salvação pelas obras. Não temos nenhum desacordo com isso, então não é um ponto de debate para o protestantismo.

Isso não me parece uma resposta. Ele parece sugerir que não tenho explicado os textos que ele apresenta, mas isso é falso.

Após isso disputamos sobre 1 Timóteo 6:18-19: “ Pratiquem o bem, sejam ricos em boas obras, liberais e generosos, estabelecendo para si mesmos um bom fundamento para o futuro, para que possam alcançar a vida que é verdadeiramente vida.”

O senhor Armstrong tem como argumento que o texto ensina que essas boas obras são as causas de Deus nos conceder a vida eterna. Ora, isso é contra toda a teologia e filosofia cristã. Deus é impassível, absolutamente simples, portanto não pode ser causado por qualquer atitude humana. Por isso que disse que essas boas obras são consideradas causas somente sob nossa perspectiva, não na de Deus. Como diz o padre Garrigou Lagrange, os méritos só precedem a glória na ordem da execução, ou seja, na perspectiva humana, não na ordem da intenção, ou seja, pela via da eternidade. (Garrigou-Lagrange. La Predestinación de los Santos a la Gracia. Doctrina de Santo Tomás Comparada con los Otros Sistemas Teológicos. DEDEBEC. Buenos Aires. p 56).

Ora, mesmo os teólogos católicos romanos estão dispostos, e seria impossível não estarem, exceto se quisessem cometer um suicídio metafísico, de que as obras do tempo não podem ser causa das obras divinas, e que são assim tomadas apenas predicamentalmente, não pela via da eternidade. Portanto, versículos admoestativos não somam em nada na doutrina católica romana da justificação, pois estamos em um nível metafísico, não estamos tratando da vida cotidiana. Tampouco esse texto apresenta qualquer objeção ao sistema calvinista, pois não temos o problema filosófico de aplicar a Deus aquilo que é próprio das criaturas, como paixões e mudanças de todo tipo.

O senhor Armstrong continua, ele diz:

Sim, com a possibilidade de perda da salvação/justificação (o que significaria que talvez a pessoa também não seja dos eleitos).

A perda de salvação existe, mas não diante de Deus que não pode ser surpreendido por nada, mas somente na perspectiva humana. A admoestação no texto é feita de homem para homem, o próprio Deus quando admoesta se coloca como se fosse um homem com seus respectivos sentimentos (antropomorfismo e antropopatismo), esses textos não são tratados do ponto de vista metafísico, isso é evidentíssimo para quem lê.

Quando trato dessa questão, o senhor Armstrong responde:

O fato de Deus saber o que acontecerá com cada pessoa não refuta a visão bíblica de que alguns podem e irão cair. Em outras palavras, Sua onisciência não prova a segurança eterna ou a perseverança dos santos. As passagens da Bíblia determinam isso, e há muitas convincentes que ensinam a possibilidade de apostasia e afastamento da fé, da salvação e da graça de Deus.

Vamos por partes:

“O fato de Deus saber o que acontecerá com cada pessoa, não refuta a visão bíblica de que alguns podem cair.”

Concordo, falou certo que não refuta a visão BÍBLICA de que alguns podem cair, mas refuta a visão católica romana, pois refuta a ideia de que essa queda é conhecida por Deus da mesma forma que conhecida pelo homem, portanto, não podemos olhar o evento sob o ângulo divino e humano do mesmo modo. Explicarei mais a frente.

Ele continua:

“Em outras palavras, Sua onisciência não prova a segurança eterna ou a perseverança dos santos.”

Aqui está o ponto de debate, pois ou Deus apenas assiste os eventos, como se fôssemos deístas, ou ele mesmo participa de todos os eventos através de sua providência (doutrina da concursus divino). Se a infabibilidade do conhecimento divino não torna certo um evento, então ele não é onisciente. A onisciência de Deus tem como implicação a certeza absoluta e necessária dos eventos, não podendo haver contingência em relação à sua onisciência. Assim, a ideia de causa e efeito das boas obras e más obras, com a perseverança ou perda de salvação, simplesmente não pode ser aplicada a Deus, mas é somente sob nossa perspectiva. A contingência existe somente para nós, tampouco o conhecimento divino pode ter por fundamento ou implicação a contingência, pois Deus estaria fundamentado na incerteza, o que impugna a perfeição do conhecimento divino. Então é fato: se Deus disse que uma pessoa é salva, essa pessoa permanecerá salva.

Após isso disputamos sobre os textos de Hebreus 5:9: “e, tendo sido aperfeiçoado, tornou-se a fonte da salvação eterna para todos os que lhe obedecem,”

Hebreus 12:14  . . . “Esforço . . . pela santidade sem a qual ninguém verá o Senhor”.

O senhor Armstrong os usa como prova para justificação. Respondi que os próprios textos deixam claro que se trata de santificação, não de justificação.

Em réplica recebi:

“Eu não vejo como. Essas duas passagens fazem requisitos de obediência e santidade para a salvação escatológica. Isso não pode estar na soteriologia protestante, que os coloca na “caixa” da santificação, que por sua vez não está diretamente ligada à salvação. Mas eles estão em perfeita harmonia com a soteriologia católica.”

Se tomarmos como verdade que justificação e santificação são as mesmas coisas, ele pode até ter razão, mas não é um bom argumento pressupor uma base que ainda precisa ser provada para concluir um raciocínio. Como nego que justificação seja o mesmo que santificação, não acolho o argumento como verdadeiro.

O segundo ponto é que a afirmação de que a santificação não está ligada diretamente com a salvação na soteriologia protestante, é falsa. Falsa porque ensinamos que na ordem transcendental, Deus nos justifica somente pela fé, nos santifica somente pela sua graça e, como resultado, produzimos boas obras no tempo. Na ordem predicamental, ou das criaturas, as boas obras produzem santidade e nos justificam diante dos homens. Por isso mesmo Deus nos manda orar, quando já sabe exatamente do que precisamos, e quando sabe exatamente o que iremos pedir.

Para sermos mais didáticos, veja os seguintes versículos:

“Porquanto a palavra ainda não chegou à minha língua e tu, ó Eterno, já a conheces completamente.” Salmos 139.4

“Portanto, não vos assemelheis a eles; porque Deus, o vosso Pai, sabe tudo de que tendes necessidade, antes mesmo que lho peçais.” Mateus 6.8

Juntemos com esses:

“Orai sem cessar.” 1 Tessalonicenses 5:17

“Então Jesus propôs uma parábola aos seus discípulos, com a intenção de adverti-los quanto ao dever de orar continuamente e jamais desanimar” Lucas 18.1

Nesses textos temos duas verdades: Deus já sabe de todas as nossas necessidades e também sabe de tudo que vou falar em oração, mesmo antes da oração.

A outra verdade é que, mesmo que Deus saiba de tudo que preciso e já saiba o que vou falar na oração e até mesmo que eu falaria em uma oração que não fiz, ainda assim é necessário que eu ore.

Muitas pessoas têm dificuldades de conciliar essas duas coisas, e o senhor Armstrong não é diferente, mas gostaria de esclarecer meu ponto de vista, de acordo com a teologia reformada. Os que lerem, por gentileza, tenham atenção.

Do ponto de vista de Deus, a oração e as nossas necessidades já estão diante dele, de modo que quando o homem ora, nada de novo é acrescentado a Deus, portanto, mudança alguma ocorre na divindade. Porém, Deus nos faz experienciar como se ele mudasse, pois essa é a experiência que temos quando oramos, temos a experiência de que Deus não estava propício a nós, mas ao orarmos, jejuarmos, Deus muda de ideia e atende ao nosso pedido, que não seria atendido e forma alguma se não orássemos. Esse exemplo nos ajuda a entender como que se dá a relação entre a ordem da eternidade e a ordem das criaturas, como as advertências e ameaças feitas por Deus aos homens servem para experienciarmos as recompensas divinas ou punição divina conforme o preceito, mas em Deus essa relação de causa e efeito não existe, senão que em nós, somente.

Por esse mesmo motivo, a justificação que se dá diante de Deus, não é a mesma que se dá diante dos homens, pois em Deus não pode existir uma relação de causa e efeito, o homem como causa e Deus sofrendo um efeito, mas sempre o contrário, Deus como causa e o homem sofrendo um efeito. Na perspectiva dos homens, as boas obras nos justificam e o mérito precede a glória. Na perspectiva divina não pode ser assim, mas a justificação deve preceder as boas obras e a glória preceder o mérito, pois Deus deve anteceder o homem em natureza.

Tentarei não voltar a esse assunto novamente.

Após isso disputamos sobre alguns textos em que concordamos essencialmente, embora com diferenças acidentais, mas um deles me chamou atenção que foi:

João 3:36 novamente: Em verdade, em verdade vos digo: quem ouve a minha palavra e crê naquele que me enviou tem a vida eterna, não entra em juízo, mas passou da morte para a vida. João 5:24 novamente: Quem crê nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porque não acreditou no Nome do Filho unigênito de Deus . Jo 3.18

O senhor Armstrong disse:

Se passagens como essas são a essência e o resumo da salvação, por que Jesus não disse isso ao jovem rico? Mas já apresentei muitas passagens alertando contra o afastamento de Deus.

Já dei essa resposta, e deveria ser acolhida pelo senhor Armstrong, pois a resposta que dei é muito mais apropriada.

Respondi que a intenção de Cristo era mostrar que o jovem rico estava cheio de justiça própria, e sua incapacidade de ser salvo pelas boas obras.

Já o senhor Armstrong interpreta dizendo que a intenção de Cristo era mostrar ao jovem rico o valor das boas obras, como vemos, a visão do senhor Armstrong, além de não condizer com o texto imediato, também não condiz com outros ensinos de Jesus.

Outros textos foram citados, e concordamos que há uma salvação agora e uma no futuro, que a salvação é um processo, mas tem um ponto que gostaria de ressaltar.

Falei o seguinte:

Compare João 3:18 que diz, ele já está condenado; isto é, é como será, presente e futuro. Por isso dirá São Lucas: É na vossa perseverança que confirmais a salvação das vossas almas . Lucas 21.19. A salvação está confirmada, é um processo que se estende até o último dia: E a perseverança deve ter ação plena, para que sejais aperfeiçoados e completos, sem que falte nenhuma virtude . Tiago 1:4

O senhor Armstrong responde:

Isso mesmo. Mas a confirmação final não virá até que a pessoa morra e não tenha caído. Ninguém sabe com certeza absoluta até que chegue a hora.

Concordo que a maioria das pessoas não sabe infalivelmente. Discordo que ninguém na terra saiba de sua salvação.

O que gostaria de ressaltar é: independentemente se a pessoa sabe ou não, Deus infalivelmente sabe. E é Deus quem salva, nós não nos salvamos, portanto, para Deus não há nem perda, nem “desjustificação”, nem dúvida, nem coisa alguma dessa natureza. Deus não fica no céu torcendo para fazermos um bom uso da graça para ele, finalmente, nos salvar, e, caso o homem decida fazer mau uso da graça, ele venha a punir com a perda de salvação. Deus não depende do homem para conhecer, tampouco pode ter suas atitudes baseadas nas ações humanas. Deus estabelece e é o fundamento da própria realidade, o que ele diz que é, é, o que ele diz que será, será! Deus não é homem para que se arrependa ou minta.

Após isso, o senhor Armstrong cita São Pedro para provar a perda de salvação, portanto provar que há perda de justificação, equivalendo santificação com justificação, vamos ao texto:

O mesmo Pedro não ensina uma segurança rígida de salvação: uma salvação que nunca pode ser perdida:

2 Pedro 2:15, 20-21  Deixando o caminho certo, eles se desviaram; seguiram o caminho de Balaão, . . . Pois se, depois de terem escapado das impurezas do mundo pelo conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, eles são novamente enredados nelas e dominados, o último estado tornou-se pior para eles do que o primeiro. Pois teria sido melhor para eles nunca terem conhecido o caminho da justiça do que, depois de conhecê-lo, desviarem-se do santo mandamento que lhes foi dado.

Como é notório São Pedro fala de uma perspectiva terrena. Ele descreve o que ele viu nesses homens, que conheceram o evangelho, depois se desviaram Dele. Nessa perspectiva é correto dizer que a salvação se perdeu, pois, segundo os homens que desconhecem o coração dos outros homens e seus respectivos destinos finais, um homem que está firme, está salvo, o que não está firme, está perdido, e o que estava firme e não está mais, era salvo e não está mais. Isso é verdadeiro.

Porém, ao analisar as coisas sob a perspectiva daquele que sonda as mentes e os corações, São Pedro não deixa de dizer:

“Deste modo sobreveio-lhes o que por um verdadeiro provérbio se diz: O cão voltou ao seu próprio vômito, e a porca lavada ao espojadouro de lama.” 2 Pedro 2:22

Após descrever todas as suas atitudes, agora nos coloca a vista o que os eventos revelam, que eles não eram ovelhas, mas diz que o CÃO VOLTOU para seu vômito, e os chama de PORCA LAVADA. O texto é claro, esses homens se desviaram, mas nenhum deles deixou de cão ou porco, que, segundo a tradição judaica, eram animais imundos, ou seja, nunca deixaram de ser imundos, um porco lavado só disfarça seu mau cheiro, mas não se torna puro. O texto é uma descrição dos eventos terrenos e uma admoestação para que não ocorra o mesmo com outros, mas não prova perda de salvação sob a perspectiva divina, pois nos é revelado que esses falsos profetas eram porcos lavados, ou seja, nunca foram puros, portanto, nunca foram justificados ou santificados diante de Deus, embora parecesse diante dos homens. Deus sempre soube que eles eram porcos e cães, já os homens não sabiam, por isso São Pedro, que era homem, descreve os eventos como um desvio e uma perda.

Após isso, citei:

São Paulo: Portanto, meus amados, como sempre obedecestes, não só na minha presença, mas muito mais agora na minha ausência, assim também operai a vossa própria salvação com temor e tremor; Pois é Deus quem opera em você tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a sua boa vontade . Filipenses 2:12,13 Elaborando ou elaborando a salvação; você só desenvolve o que já tem.

O senhor Armstrong responde:

Por que isso causa medo e tremor, então, se for esse o caso?

O texto não fala de pânico, mas de reverência pela obra feita. Ora, se São Paulo estiver afirmando que devemos ter medo de perder a salvação quando diz que é Deus quem opera tanto o querer como o realizar, então ele estaria dizendo que Deus não é de confiança. Sabemos que somos falhos, mas sabemos que Deus não falha, se é ele quem opera o querer e o efetuar, tampouco posso eu duvidar daquilo que Deus faz. O próprio São Paulo já tinha ensinado um pouco antes:

“Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao dia de Jesus Cristo;” Filipenses 1:6

Se o senhor Armstrong estiver correto, São Paulo estará mentindo ao ter por certo que aquele que começa a boa obra em nós, o que o Armstrong chamaria de justificação inicial, a completará até o último dia, e quem seria ousado de não acreditar no poder de Deus? Quem pode duvidar se o próprio Deus diz que a obra que ele começou ele vai terminar? Ora, Deus é poderoso para nos livrar de todas as tentações e tropeços, “Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeçar, e apresentar-vos irrepreensíveis, com alegria, perante a sua glória,” (Judas 1:24). Falar em perda de salvação sob a perspectiva divina, é o mesmo que afirmar que Deus não é poderoso para livrar o homem dos tropeços, para nos guardar, e que é falho em sua obra. Por isso, os teólogos reformados enxergam a perda de salvação somente sob a perspectiva humana, mas declaramos e cremos na soberania de Deus e na sua onipotência, algo que todas as outras tradições declaram somente com a boca, mas negam com o coração.

Após isso, cito:

Devolva-me a alegria da sua salvação e sustente-me com um espírito pronto para obedecer . Salmo 51:12 Como o rei Davi poderia pedir para ter a alegria de uma salvação que ele ainda não tinha?

O senhor Armstrong responde:

Pode ser facilmente interpretado como “devolva-me a salvação que incluía alegria”. Além disso, produzi muitas passagens da Bíblia que acho que contradizem essas afirmações de “segurança”.

Não. Não poderia ser interpretado assim, porque não é isso que o texto diz. Simples assim. A linguagem não é como a matemática, pois na matemática a ordem dos fatores não altera o produto, mas na língua a ordem dos fatores pode alterar o produto.

Após isso o senhor Armstrong conclui:

Mais uma vez, acrescento que a justificação e a salvação estão ligadas no pensamento calvinista: pelo menos esse é o meu entendimento. Isso lhe dá um sentido “único”, assim como está presente na soteriologia protestante arminiana. A santificação é um inevitável “desdobramento” do que já foi declarado na justificação. Se for esse o caso, por que Paulo está preocupado com a possibilidade de perder esse estado, se ele é supostamente “seguro”? Não faz sentido alertar os outros para serem firmes e vigilantes sobre o que é inevitável como resultado de uma justificativa única.

Já expliquei diversas vezes sobre essa relação entre santificação e justificação. Somente a fé justifica em um sentido sincategoremático, mas em um sentido categoremático a fé não justifica, ou seja, a fé separada das obras. Por exemplo, a luz do sol e o calor sempre estão juntos, mas somente a luz ilumina e somente o calor aquece, mas os dois sempre estão juntos.

Uma resposta em “Justificação pela fé: perspectiva protestante (contra Armstrong): Rodada 3. Parte 2.”

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