Categorias
Expiação Limitada Protestantismo

AGOSTINHO DEFENDEU UMA VONTADE SALVÍFICA LIMITADA? RESPONDEMOS QUE SIM, CONTRA OPOSITORES.

A questão proposta pelo arrazoado acima é que Pelágio defendeu que Deus não quer salvar todos os homens sem exceção, contra Agostinho, que defendeu que Deus quer salvar todos os homens sem exceção.

Em primeiro lugar, o próprio autor do texto não coloca citação alguma do próprio Pelágio afirmando tal coisa. Não há palavras de Pelágio em que o mesmo afirma que Deus não quer a salvação de todas as pessoas sem exceção.

A citação usada sequer sugere isso, vejamos:

“Os pelagianos dizem que Deus não é salvador, libertador e purificador dos homens de todas as épocas” (Santo Agostinho, Epist. Pelag: 1. 2. c. 2.)

Notem, que Agostinho não diz:

“Os pelágianos dizem que Deus não é o Salvador, Libertador e purificador de TODOS os homens de todas as épocas”

Mas apenas de “homens de todas as épocas”. A ideia não é tratar de uma vontade salvífica universal, mas de homens, dentro do conjunto dos que foram salvos, que não teriam sido purificados pelo sangue de Cristo. Não se trata da humanidade inteira, mas dentre o grupo dos salvos, alguns não terem sido salvos pelo sangue de Cristo.

O debate de Agostinho contra Pelágio, em certo momento, girou em torno da salvação das crianças. Agostinho usa o argumento de que as crianças não batizadas não são salvas, e não são salvas porque possuem o pecado original, portanto nascem condenadas e culpadas, logo, se se nega o pecado original, então se nega, também, a necessidade do batismo infantil. Se tais crianças não precisam do batismo, então elas seriam todas salvas sem a necessidade do sacrifício de Cristo.

Notem, o universo que Agostinho trata está dentro do conjunto dos salvos, ou seja, se não há pecado original, como os pelagianos ensinavam, então há pessoas salvas sem o sacrifício de Cristo, não está em questão se há pessoas que não são salvas porque Cristo não morreu por elas, que seria, basicamente, o argumento contra a expiação limitada, mas se há pessoas salvas sem precisar do sacrifício de Cristo.

Agostinho acusa Pelágio baseado em uma dedução de sua doutrina, não de um ensino direto de Pelágio.

Segundo Agostinho, se crianças nascem inocentes, então a graça batismal não libertaria, não redimiria, nem resgataria tais crianças, e esse seria o erro pelagiano. Agostinho diz:

“Você diz que eles são redimidos, mas não são libertos, são lavados, mas não são limpos – essas são suas opiniões monstruosas: esses SÃO OS PARADOXOS DOS HEREGES PELAGIANOS, mas peço-te que me diga como pode esta redenção ser compreendida, se ela não resgata do mal o Israel que redimiu de todos os seus pecados? Pois onde quer que façamos menção à redenção, também se entende um resgate: e o que faz tal coisa senão o precioso sangue do imaculado cordeiro Jesus Cristo?” (Contra Juliano livro 3 cap. 3)

Veja, a questão não era se os pelagianos negavam uma vontade salvífica universal, mas se crendo que a vontade de salvar é universal, como responderiam à necessidade do Batismo. Para que o batismo se a criança não precisa de regeneração? Esse foi o dilema proposto por Agostinho contra os pelagianos.

Agostinho também ensina que as crianças necessitam de redenção do pecado, assim como adulto precisa, ou terão o mesmo destino:

“Longe de mim deixar de lado a questão das crianças de modo a dizer que se trata de algo incerto, ou seja, ou se, regeneradas em Cristo e MORRENDO NA IDADE INFANTIL, PASSAM PARA A VIDA ETERNA, OU SE, NÃO REGENERADAS, SÃO VÍTIMAS DA SEGUNDA MORTE, pois está escrito e não se pode interpretar de outro modo: Por meio de um só homem o pecado entrou no mundo e, pelo pecado, a morte, e assim a morte passou a todos os homens (Rm 5,12). E da morte eterna, que é uma justa retribuição ao pecado, somente liberta, sejam crianças ou adultos, aquele que morreu pela remissão dos pecados originais e dos nossos pessoais, sem estar ele manchado com o pecado original ou pessoal.” (O Dom da Perseverança. Cap XII)

Quando perguntado o porquê de haver crianças salvas e outras não, Agostinho rapidamente atribui à vontade de Deus e diz que Deus não quer salvar a todas, contradizendo frontalmente o autor do texto:

“Não se deve também atribuir à negligência dos pais o fato de as crianças morrerem sem o batismo, sem nenhuma intervenção dos juízos divinos, como se as crianças, que morrem deste modo, tivessem escolhido deliberadamente pais descuidados dos quais viessem a nascer. Neste caso, o que dizer de uma criança que morre antes que possa ser socorrida pelo ministério de quem a pode batizar? Pois, muitas vezes os pais se apressam e os ministros estão preparados para a administração do batismo a uma criança, mas o sacramento não é conferido PORQUE DEUS NÃO QUER, já que não lhe conservou a vida por mais um pouco o suficiente para que lhe fosse conferido. O que dizer também perante o fato de Deus socorrer algumas vezes os filhos menores de pagãos, evitando-lhes a condenação, e não socorrer os filhos de cristãos?” (O Dom da Perseverança. Cap XII)

O argumento de Santo Agostinho é tão incisivo, que ele usa o exemplo de uma criança justamente para o pelagiano não ter como usar o argumento que ela não foi salva devido aos atos maus que ela cometeu. Ele ainda complementa dizendo a criança não tem culpa de ter nascido em uma família de pais descuidados, porém sua perdição não pode ser atribuída sequer à negligência dos seus pais, mas à providência divina e a vontade de Deus.

Esse argumento seria suficiente para refutar o autor do texto da imagem, mas continuemos.

Agostinho, quando comentou a respeito de 1 Tm 2.4, foi enfático ao dizer que Deus não quer salvar a todas as pessoas sem exceção:

“A respeito da afirmação: Quer que todos os homens sejam salvos (1Tm 2,4) e, não obstante, nem todos se salvem, admite várias interpretações, das quais comentamos algumas em outros escritos. Aqui mencionarei apenas uma. Está escrito: Quer que todos os homens sejam salvos, ABRANGENDO TODOS OS PREDESTINADOS, porque há no meio deles todo gênero de pessoas. Tem o mesmo sentido que a afirmação de Cristo aos fariseus: Pagais o dízimo de todas as hortaliças, entendendo-se todas as que colhiam, mas não pagavam o dízimo de todas as hortaliças existentes no mundo. No mesmo estilo de expressar, diz o Apóstolo: Assim como eu mesmo me esforço por agradar a todos em todas as coisas (1Cor 10,33). Será que ele agradava também a todos os seus perseguidores? Ele agradava todo gênero de pessoas reunidas pela Igreja de Cristo, tanto os já convertidos como os futuros.” (A Correção e a Graça – Cap XIV)

Nesse texto, de 1 Tm 2.4, o apóstolo Paulo diz: “Deus quer que todos os homens sejam salvos”, ora, se Agostinho realmente pensasse em uma vontade salvífica universal, esse texto seria um “prato cheio”. É totalmente contra-intuitivo pensar que Agostinho interpretaria esse texto de forma diferente, caso sua crença fosse de uma vontade salvífica universal.

Mas Santo Agostinho consegue nos surpreender ainda mais, revelando mais ainda o erro do opositor. O conhecido texto de 1 Jo 2.2 que diz: “E ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo.”, também é interpretado por Agostinho como uma referência a um número restrito de pessoas. Ele diz:

“”Temos Jesus Cristo, o justo, e ‘Ele é a propiciação pelos nossos pecados; Não somente os nossos pecados, mas também os pecados de todo o mundo’ (1 Jo 2.2). O que significa isso, irmãos? Certamente a encontramos nos campos das florestas, encontramos a Igreja em todas as nações.  Eis que Cristo é a propiciação pelos nossos pecados; não apenas nossos, mas também os pecados de todo o mundo. Eis que tens a Igreja em todo o mundo”. (Santo Agostinho Comentário a 1Jo 2.2)

Novamente, é totalmente contra-intuitivo pensar que Agostinho interpretaria esse texto de forma diferente, caso sua crença fosse a vontade salvífica universal.

O QUE OS ACADÊMICOS DIZEM?

Roque Frangiotti, ERUDITO AUTOR CATÓLICO ROMANO, anticalvinista, como é patentemente visto em seus escritos, tradutor e comentarista dos “verdinhos” da Paulus, um homem acima de qualquer suspeita, ensina que APÓS O ANO DE 421, Agostinho nunca mais falou em uma vontade salvífica universal, mas sempre em uma vontade salvífica limitada. Ele diz:

“Com isso, Agostinho ensina uma vontade de Deus salvífica limitada. Deve-se ter por firme que Deus é absolutamente justo, mesmo se uma explicação desta justiça não é de fato possível, diz Agostinho. DEPOIS DE 421, ENSINOU QUE DEUS DESTINOU À SALVAÇÃO APENAS AQUELES QUE EFETIVAMENTE ALCANÇAM A SALVAÇÃO (De fide, spes et caritate, cap. 103). Os outros são predestinados ao eterno aniquilamento (ad sempiternum interitum; C. Iulianum IV). AGOSTINHO NÃO MENCIONOU JAMAIS A DOUTRINA SEGUNDO A QUAL “DEUS QUER QUE TODOS OS HOMENS SE SALVEM” (1Tm 2,4)”. (FRANGIOTTI, Roque. Coleção Patrística. Graça II. Santo Agostinho. Introdução. São Paulo-SP. Paulus. Pág 143,144)

Há muitos autores católicos romanos que afirmam o contrário, porém nenhum deles cita um só texto agostiniano escrito após o ano de 421. Eles são rapidamente refutados apenas olhando as datas de suas citações.

Vejamos, por exemplo, o autor Francisco Moriones, que para provar a tese contrária, usa a obra de Agostinho – O Pecado Original e a Graça de Cristo, obra escrita em 418. O autor é tão deslocado, que sequer sabe a data em que Agostinho muda de opinião, pois usa uma obra anterior ao ano de 421, 3 anos, para ser mais preciso. Outro autor cita a obra “O Espírito e a Letra”, obra escrita em 412, simplesmente 9 anos antes de 421. Ora, esses autores estão flagrantemente errados, e a tese de Roque Frangiotti está muito bem estabelecida. As fontes primárias desses autores, nada provam.

Outro autor CATÓLICO ROMANO que concorda com Roque Frangiotti, é o erudito Mathijs Lamberigts, presidente do Curatorium Chair Augustinian Studies ( Universidade Teológica Católica de Utrecht ), afirma o seguinte:

“Seja como for, Agostinho continuou a afirmar que Deus não queria que todos os homens  fossem salvos, indo, assim, de encontro a 1 Tm 2.4 e sua postulação universalidade da vontade salvífica de Deus”. (LAMBERIGTS, Mathijs. Agostinho Através dos Tempos: uma enciclopédia. Editora Paulus. p 803)

Outro autor que defende uma vontade salvífica restrita em Agostinho, é o Padre Garrigou Lagrange, que dispensa apresentações. Ele diz em sua obra “Predestination: The Meaning of Predestination in Scripture” que:

“ Em resposta a esses hereges, Santo Agostinho, argumentando com base no fato de que nem todos os homens são salvos e no princípio da eficácia infalível da vontade divina, FALOU REPETIDAMENTE DE UMA VONTADE RESTRITA DE SALVAR. Com isso ele quis dizer a vontade infalivelmente eficaz que conduz os eleitos à vida eterna.” (LAGRANGE, Garrigou. Predestination: The Meaning of Predestination in Scripture.  Cap V)

Mas o padre vai além, ele afirma que os pelagianos, esses sim, defendiam uma vontade salvífica universal:

“Alguns pelagianos colocaram uma interpretação errada sobre o texto de São Paulo de que “Deus deseja que todos os homens sejam salvos” E AFIRMARAM QUE DEUS DESEJA IGUALMENTE A SALVAÇÃO DE TODOS.” (LAGRANGE, Garrigou. Predestination: The Meaning of Predestination in Scripture.  Cap V)

Notem que Agostinho interpreta 1 Tm 2.4, em sentido restrito, contra o sentido universal interpretado por Pelágio. O padre Lagrange afirma, em outro lugar, que Pelágio defendeu uma vontade salvífica universal:

“Esta resposta de São João Damasceno (da vontade antecedente e consequente), que és uma resposta no sentido comum e de sentido cristão, de natureza compreensível a todos os fiéis, fazia – de certo modo – abstração da onipotência divina e da eficácia da graça. Assim, deixava subsistir muitas dificuldades do ponto de vista especulativo, aquelas mesmas as quais respondia Santo Agostinho em sua luta contra os PELAGIANOS, QUE DIZIAM – NEGANDO O MISTÉRIO DA PREDESTINAÇÃO – QUE DEUS QUER IGUALMENTE A SALVAÇÃO DE TODOS OS HOMENS E ABUSARAM ASSIM DO TEXTO DE SÃO PAULO (1 TM 2.4)” (LAGRANGE, Garrigou. La Predestinacion de Los Santos y la Gracia. DEDEBEC.p 78.)

CONCLUSÃO

Costumo dizer que a teologia reformada tem teses tão poderosas, que sequer precisamos usar nossos autores para defendê-las. Todos os autores citados são católicos romanos, portanto, destituídos de qualquer tendência a nos favorecer, no entanto, a força do argumento é tão poderosa, que estão prontos a admitir que Santo Agostinho, após o ano de 421, defendeu uma vontade salvífica limitada, não universal, como afirmam os opositores.

Uma resposta em “AGOSTINHO DEFENDEU UMA VONTADE SALVÍFICA LIMITADA? RESPONDEMOS QUE SIM, CONTRA OPOSITORES.”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.