Categorias
Calvinismo Clássico Hermenêutica Protestantismo Sola Scriptura

SOBRE A QUESTÃO DAS CONFISSÕES, SUA FALIBILIDADE E SOLA SCRIPTURA

Eu tenho certeza que você já se deparou com a seguinte afirmação de quem não quer se submeter à Confissão: “a Confissão é falível, a própria Confissão afirma que a Escritura é o único documento infalível e que ela mesma não é infalível”

Acompanhe o seguinte silogismo:

1 – A Confissão inteira é falível.

2 – A confissão ensina que ela mesma é falível.

Logo, a declaração de que a confissão é falível, também é falível.

Explicando melhor: a pergunta que se faz é se quando a Confissão afirma que ela mesma é falível, se essa afirmação também é falível, porque se for, então, na verdade, ela está dizendo que ela mesma é infalível, já que é uma negação da negação, então se ela é infalível nesse ponto, não se pode dizer que ela é toda falível, pois em pelo menos um ponto, que é onde ela diz ser falível, ela deve ser infalível sob o perigo de ruir o resto. Epistemologicamente é impossível afirmar uma falibilidade total da Confissão.

A Confissão é infalível enquanto vigente e enquanto declara verdades infalíveis. Imagine só a CFW em seu texto que afirma a existência de Deus, ou a fé em Cristo Jesus para a salvação, e uma pessoa simplesmente dizer que essas declarações são falíveis por a Confissão ser falível, seria um total absurdo! Essas declarações são infalíveis porque refletem um ensino infalível da Escritura. A própria declaração de que a Escritura é o juiz máximo das controvérsias seria igualmente falível, se levássemos a sério a falibilidade integral da Confissão. Existem outros pontos em que as verdades ali declaradas estão mais abertas a disputas, quanto a esses pontos, caso haja uma real controvérsia a ponto de não conseguir resolver por outros meios, então um concílio é convocado e se for decidido por mudar a Confissão, então a antiga passa ser falível e a nova passa ser Infalível enquanto vigorar.

COMO DEVEMOS ENTENDER CONFISSÃO SEM PERDER O PRINCÍPIO DE SOLA SCRIPTURA?

Sola Scriptura quer dizer que a Escritura é o juiz máximo de todas as controvérsias, mas quando assim fala, não se tem em mente a controvérsia do irmão leigo da Igreja, com dúvidas sobre um determinado assunto quando leu a Bíblia em casa, mas às controvérsias ao nível de Igreja. Quando teve a controvérsia ariana, a Igreja convocou o Concílio de Nicéia que produziu um documento resolvendo a controvérsia. Quando houve a controvérsia nestoriana foi convocado o Primeiro Concílio de Éfeso e o Primeiro Concílio da Calcedônia e o mesmo aconteceu, isso só para citar alguns exemplos. Controvérsias devem ser resolvidas na Igreja, com homens de Deus que se dedicaram arduamente ao estudo da Escritura para que assim, dirigidos pelo Espirito Santo, possam resolver tais controvérsias à luz da Escritura. A Confissão já é uma declaração que visa resolver tais controvérsias à luz da Escritura, então militar contra ela é o mesmo que militar contra o Sola Scriptura.

A Confissão visa estabelecer uma fé com o intuito de já resolver controvérsias através da autoridade da Escritura, é como a lua que recebe sua luz do sol para brilhar, é a mesma luz tanto em um, como em outro, só muda o modo como se enxerga.

COMO NÃO CAIR NO ERRO DA IGREJA DE ROMA?

Peguemos como exemplo o credo de Atanásio, credo esse que segundo AA Hodge é “um majestoso e único monumento da fé IMUTÁVEL de toda a igreja quanto aos grandes mistérios da divindade, da Trindade de pessoas em um só Deus e da dualidade de naturezas de um único Cristo.”(1) Enquanto a Igreja de Roma afirma que devemos aceitar a infalibilidade do Concílio pela autoridade infalível da Igreja, ou seja, a priori, tão simplesmente porque a Igreja decidiu e a mesma é isenta de erros por uma operação sobrenatural, nós aceitamos a fé de Niceia “porque é ‘a palavra de Deus’, não no sentido forte da Bíblia, mas porque foi inspirado nela e está imbuído dela. Em uma palavra, porque ‘os bispos de Niceia respiram as escrituras'”[2].

O estudioso jesuíta Luis Bermejo, teólogo espanhol que ensinou teologia no Pontifício Ateneu de Puna, na Índia, em seu artigo intitulado “LA SUPUESTA INFALIBILIDAD DE LOS CONCILIOS” prova consistentemente que os antigos homens de Deus não tinham os concílios como infalíveis a priori:

“A recepção dada à fé de Niceia desempenhou um papel considerável no estabelecimento da autoridade do concílio. Mas parece que Atanásio COMPLETAMENTE IGNORA QUALQUER AUTORIDADE DO CONSELHO QUE SE ORIGINA A PRIORI. Na opinião de H. J. Sieben, o conceito de uma certa infalibilidade “automática” dos concílios, uma vez cumpridos determinados requisitos (de legitimidade ou, até mesmo, de ecumenicidade), é estranho para Atanásio: Niceia ensina a fé apostólica de fato, não de jure” (3)

Antes dessa declaração, Bermejo afirma que os fundamentos da infalibilidade do Concílio, segundo o próprio Atanásio em carta ao imperador, era a aceitação universal da Igreja, o caráter apostólico e também sua base sólida na Escritura.

O mesmo critério usado por João Calvino para defender a infalibilidade dos primeiros concílios:

“Assim sendo, aqueles concílios antigos, como o niceno, o constantinopolitano, o primeiro efésio, o calcedôneo, entre outros, realizados para refutar erros, de bom grado os abraçamos e os reverenciamos como sacrossantos, no que

respeita aos dogmas da fé; pois nada contêm senão a pura e natural interpretação da Escritura, que os santos pais haviam, com sabedoria espiritual, aplicado para esmagar os inimigos da religião que haviam então surgido.” (4)

A interpretação romana de que a Igreja é quem confere infalibilidade ao Concílio, isso aprioristicamente, simplesmente e pelo fato de ser guiada pelo Espírito Santo e não poder errar, não existia no primeiro concílio, sendo uma inovação posterior, como também mostra Bermejo:

“O próprio Concílio de Niceia, em seus decretos e decisões, dá alguma razão, embora vaga, para justificar sua aceitação: os decretos devem ser aceitos porque são tradicionais, porque simplesmente reproduzem uma norma que já existe ou porque são conforme as Escrituras. Portanto, o concílio dá a impressão de aplicar a uma situação histórica concreta a prática estabelecida anteriormente na Igreja. Nunca apela a uma ação do Espírito Santo que preserva o concílio do erro [6]. Os documentos que restaram deste período não nos oferecem uma teoria coerente sobre a autoridade conciliar [7]. Várias razões são usadas para sustentar sua autoridade: a providência divina, a orientação do Espírito, o sentido apostólico e escriturístico do concílio, a unanimidade, a representação, a recepção e a tradição. Contudo, apesar de todas estas razões, durante os cinquenta anos seguintes, sua autoridade seria discutida e até rejeitada por importantes grupos de bispos, muitas vezes reunidos em concílio [8]” (5)

Assim, cremos que, segundo a Palavra de Deus a Igreja resolve controvérsias e produz documentos para assim definir sua crença, e que tais concílios, embora falíveis, existem pontos de infalibilidade, não pela autoridade da Igreja a priori, mas porque a Igreja naquele momento está dando a melhor interpretação da Palavra de Deus a fim de resolver uma controvérsia e estabelecer uma crença.

ATENÇÃO!

Não está em questão se o irmão leigo A ou B aceita, ou não a confissão sob o argumento de que sua mente está somente cativa à Palavra de Deus, NÃO É ISSO QUE A CONFISSÃO DEFENDE quando ensina sua própria falibilidade e infalibilidade e autoridade máxima das Escrituras. O que uma tradição entende como sendo a interpretação correta da Palavra de Deus está registrada em seus documentos oficiais, como diz os Cânones de Dort:

“Deve-se julgar a fé das Igrejas Reformadas pelas Confissões públicas destas Igrejas, e pela presente declaração da ortodoxa doutrina, confirmada pelo consenso unânime de cada um dos membros de todo o Sínodo.” (6)

As declarações pessoais de mestres não servem para nada se não estiverem debaixo desses documentos, como diz o próprio Sínodo:

“não julguem a fé das Igrejas Reformadas a partir das calúnias juntadas daqui e dali, nem tão pouco a partir de declarações pessoais de alguns professores, modernos ou antigos” (7)

Agora, meu irmão, cá entre nós, se não se deve julgar a fé nem pelas declarações pessoais de mestres reconhecidos, imagina por um monte de gente que nem o segundo grau completo tem.

Referências:

1- http://www.monergismo.com/textos/credos/credoatanasio.htm

2 – https://seleccionesdeteologia.net/…/69/069_bermejo.pdf

3 – IBID 2

4 – Institutas 4.9.8

5 – IBID 2

6 – http://www.monergismo.com/textos/credos/dort.htm

7 – IBID 6

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.