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Justificação pela fé: perspectiva protestante (contra Armstrong): Rodada 3. Parte 3.

Em sua última resposta, o apologista católico romano Dave Armstrong dividiu seu arrazoado em três partes. Esse artigo é uma resposta à terceira parte de sua resposta, que pode ser conferida nesse link:

Após ter mostrado que a distinção entre obras da lei e obras de caridade não faz o mínimo sentido, os argumentos do senhor Armstrong caem todos por terra. É um edifício construído sobre areia movediça.

Na terceira parte, o senhor Armstrong responde meu argumento de que nenhuma obra produz mérito salvífico diante de Cristo. Afirmei três pontos:

1 – A salvação é um processo.

2 – A santificação é um processo.

3 – A justificação é um ato único.

4 – Que o senhor Armstrong deveria mostrar que qualquer obra nos absolve de nossos pecados, caso quisesse ser bem-sucedido.

O senhor Armstrong responde o seguinte:

No que diz respeito à justificação além da instância inicial, provei que com minhas 50 passagens relacionadas à obtenção da salvação e entrada no céu (na Parte 1): tudo sobre obras. O céu e a salvação escatológica constituem a “absolvição” final: por assim dizer, e as obras ao lado da fé desempenham um papel fundamental nisso. Além disso, um adulto que é batizado recebe perdão dos pecados, regeneração e justificação (muitas passagens bíblicas sobre isso), ou pode-se dizer, “absolvição” depois de ter decidido empreender a obra/ação do batismo:

Ele, primeiramente, invoca a distinção entre justificação inicial e a segunda justificação, afirmando que o texto que usei falava sobre justificação inicial. Após isso, ele usa vários textos bíblicos que tratam sobre santificação para provar que há uma segunda justificação, ou, melhor dizendo, que há um processo de manutenção da justiça através da santificação feita pela prática das boas obras.

O próprio ponto de diferença é este: sustentamos, como reformados, que a satisfação feita por Cristo em Sua morte e obediência à lei é imputada a nós e se torna nossa justiça. Para Armstrong o que nos torna justos diante de Deus e nos leva a ser aceitos na vida eterna é a remissão de pecados e o hábito da justiça interior, ou caridade com os seus frutos, a saber: as boas obras. Concedo que o hábito da justiça, que nós, reformados, chamamos de santificação, é um excelente dom de Deus e se trata de nossa justificação, porém não diante de Deus, mas diante dos homens, como já tratei anteriormente.

A pressuposição do senhor Armstrong é a seguinte: se somos justificados somente pela fé, então somos salvos somente pela fé. Mas não somos salvos somente pela fé, portanto não somos justificados somente pela fé.

A proposição é falsa, pois mais coisas são necessárias para o fim principal do que para os meios subordinados. Pois somos salvos somente pela fé no sentido sincategoremático, ou seja, se falarmos da fé como instrumento de apreensão de Cristo para nossa salvação. Além disso, é importante relembrar o que já foi dito, a justificação é somente pela fé, não pela fé sozinha.

A doutrina que ensinamos é que um pecador é justificado diante de Deus pela fé, sim, somente pela fé. O significado é que nada dentro do homem e nada que o homem possa fazer – seja por natureza ou pela graça – concorre para o ato de justificação diante de Deus, como qualquer causa dele – seja eficiente, material, formal ou final – mas somente a fé. Todos os outros dons e graças – como esperança, amor, temor de Deus – são necessários para a salvação, como seus sinais e consequentes da fé. Nada, em qualquer homem, concorre como causa para este trabalho, exceto a fé somente. E a fé em si não é um princípio, mas apenas uma causa instrumental pela qual recebemos, apreendemos e aplicamos a Cristo e Sua justiça para nossa justificação.

Negamos que qualquer obra justifique diante de Deus, embora nos justifique diante dos homens. Cristo já diz: “Não temas; crê somente, e será salva.” (Lc 8.50). A Escritura é exaustiva a dizer que somos justificados “independentemente de obras da lei” (Rm 3.28) e, como já mostramos que não há distinções entre obras da lei e obras de caridade, prova-se então a inutilidade de qualquer boa obra como causa da justificação.

Além disso, já foi falado nesse debate, que a fé sozinha não justifica, mas o objeto da fé que justifica. Os demônios têm fé, mas não são salvos, isso prova que não é tamanho da fé que te justifica, ou a própria fé, mas o objeto da fé, que é Cristo. Dessa forma, tampouco é o querer ser batizado que justifica, senão que é um sinal da fé.

O senhor Armstrong adiciona a regeneração batismal à sua causa. Ele afirma que, no adulto, a ação de querer um batismo é uma obra que o absolve.

Certamente, nesse contexto empregado, a proposição é falsa. Se o querer ser batizado já absolve, então o batismo se tornaria desnecessário para nos limpar do pecado.

Segundo: se o batismo limpa, também é fato que o batismo não é uma obra humana, mas somente divina. O batismo absolve o pecado sem a concorrência da fé humana, portanto à parte das boas obras. Isso ensina Santo Agostinho a respeito do batismo:

“42. Cita também um texto do Apóstolo que deixa a porta aberta a quem bate, porque Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade (1 Tm 2.4), e queres que entendamos, de acordo com teu entendimento, que se todos os homens não se salvam nem chegam ao conhecimento da verdade, é porque não querem pedir o que Deus lhes quer dar; não querem buscar, quando Deus quer ser encontrado, e não querem clamar, quando Deus quer conceder. Mas esta vossa exegese é invalidada pelo silêncio das crianças, que nem pedem, nem procuram, nem chamam; e, quando são batizados, resistem, choram e, a seu modo, protestam; no entanto, elas recebem, encontram, é aberto para elas e entram no reino, onde encontram a salvação eterna e o conhecimento da verdade;  mas há muitos que não recebem esta graça de adoção daquele que quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade. Certamente não se pode dizer deles: Deus quis, e eles não quiseram; porque, se Deus quer, quais dessas crianças, que carecem de livre arbítrio da vontade, pode resistir à Sua vontade onipotente? Porque não entender esta frase: “Ele quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade”  no mesmo sentido em que entendemos a passagem de Paulo aos Romanos: “Pela justificação de um, a justificação da vida para todos os homens?” Contra Juliano, livro IV (http://www.augustinus.it/spagnolo/contro_giuliano/index2.htm)

Santo Agostinho relaciona diretamente a justificação com o ato do batismo, porém, deixa bem claro, que o batismo independe das boas obras. Ele continua:

“Quanto ao número incontável de crianças que morrem sem batismo, Deus não as quer admitir no seu reino, embora, segundo vós, nenhum pecado lhes feche a porta, e ninguém questione o fato de as crianças não poderem resistir à vontade de deus com a sua própria vontade. Assim, seria necessário dizer que Deus quer que todos os homens sejam cristãos, e muitos não querem, e que ele não quer todos eles, entre os quais não há ninguém que não queira; e isso é contrário à verdade, pois o Senhor conhece aqueles que são seus; e sua vontade conhecida é que todos os que entram no reino sejam salvos. Portanto, a perícope: “Ele quer que todos os homens sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade” (1 Tm 2.4) deve ser entendida no mesmo sentido que esta: “pela justificação de um para a justificação da vida de todos os homens.” (Contra Juliano)(http://www.augustinus.it/spagnolo/contro_giuliano/index2.htm)

Em outras palavras: o texto que diz que “Deus quer que todos sejam salvos”, deve ser entendido da mesma forma do texto que diz que “Deus quer a justificação de todos os homens”, porém, há crianças que não são salvas, segundo Santo Agostinho, e o motivo da condenação dessas crianças não seria porque negaram a graça de Cristo, nem devido a outros pecados, com exceção do original. As que foram salvas, não foram porque aceitaram a graça de Cristo, pelo contrário, elas “choram e protestam” quando são batizadas. Santo Agostinho prova que a regeneração batismal independe das boas obras, logo, independem a justificação e salvação, igualmente. Se a regeneração batismal é verdadeira e se através dela nos é dada a justificação e a salvação,logo, a justificação e salvação independem de qualquer obra como causa, ela apenas será um efeito que não é produzido pela criança, naquele momento, porque ainda não chegou à idade da razão, mas que já existe em primeiro ato.

Antes que o senhor Armstrong tente responder que Agostinho está referindo-se somente às crianças e não aos adultos, pois os adultos podem ser salvos ao querer o batismo, mas as crianças não podem ser salvas, salvando seu argumento pela inserção de alguma distinção, Santo Agostinho já responde, pois essa objeção foi a mesma do semi-pelagiano Juliano. O Bispo de Hipona diz que, se assim for, isso feriria o caráter divino, pois seria o mesmo que dizer que Deus tem mais misericórdia de alguém que já cometeu muitos pecados do que das crianças que não cometeram pecado algum, apenas tem o pecado original, ele diz:

“A menos que você vá dizer que naqueles todos que Deus quer que sejam salvos, os filhos não são contados; porque, se não tiverem nenhum pecado de herança, são salvos com a salvação de que fala o texto. Então você cai em um absurdo maior, porque assim você torna Deus benevolente com os homens mais ímpios e criminosos do que com aqueles que são mais inocentes e não têm mancha de pecado; Bem, se ele quer que todos os homens sejam salvos, ele quer que os ímpios entrem em seu reino, com uma condição: se eles forem salvos; e se forem salvas; e se não quiserem ser salvas, a culpa é delas.” (Contra Juliano, livro IV)

Ora, é fato que o batismo salva uma criança independente de qualquer boa obra que a mesma tenha feito, sendo assim, por que é tão difícil um católico romano entender a justificação somente pela fé sem menção a qualquer boa obra como causa da salvação, quando está prontamente aberto para aceitar que o batismo salva sem qualquer boa obra?

Nessa mesma disputa, coloquei o seguinte argumento:

Mas continuo: Digo a vocês que este desceu justificado para a sua casa, e não aquele. Porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado. Lucas 18:14 Vemos o publicano descendo já justificado, e o fariseu achando que poderia se justificar pelas próprias obras, sem conseguir.

O senhor Armstrong disse que esse texto trata de justificação inicial. Discordo dessa abordagem, pois a justificação inicial é o início da justificação, logo, não é toda a justificação. A distinção entre justificação inicial e posterior é apenas didática, de modo que se São Lucas diz que o publicano desceu JUSTIFICADO, então ele não foi somente inicialmente justificado, mas completamente justificado.

O senhor Armstrong trouxe uma série de versículos bíblicos que creio ser redundante comentá-los um por um. Os comentários que fiz abrange a todos eles, além disso, o senhor Armstrong resume suas conclusões a partir dos versículos, ele diz:

Em resumo, o batismo:

A) é um meio de salvação de Deus (1, 2, 9-11)

B) nos regenera e nos justifica e nos ressuscita para uma nova vida, assim como Jesus ressuscitou (2, 5-7, 10)

C) é o instrumento de Deus para perdoar nossos pecados (1, 6)

D) lava os pecados; nos purifica deles; assim é um meio de santificação (3)

E) é o meio de Deus para recebermos a habitação do Espírito Santo: que nenhuma pessoa não regenerada poderia possuir (1, 4, 8, 10-11)

F) realiza a inclusão na categoria das “almas” salvas (cf. Gl 3,27); membro do Corpo de Cristo (1, 8)

G) faz com que sejamos sepultados com Cristo e ressuscitados [ver B acima] (5-6)

O grande problema do argumento do senhor Armstrong é que o batismo não é uma obra humana, como já demonstrei, ele independe da obra humana, pois até mesmo as crianças são batizadas sem manifestar qualquer razão ou fé para isso.

O senhor Armstrong continua:

A Bíblia relaciona a santificação com justificação e/ou salvação:

Atos 26:18  para lhes abrir os olhos, a fim de que se convertam das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que recebam o perdão dos pecados e um lugar entre os que são santificados pela fé em mim. [Phillips: “feitos santos por sua fé em mim”]

Há uma relação entre justificação e santificação, obviamente, nunca neguei isso, a questão não é essa, mas se a santificação através das boas obras nos justifica, isso o texto sequer aborda.

Romanos 6:22: Mas agora que vocês foram libertos do pecado e se tornaram escravos de Deus, o retorno que vocês obtêm é a santificação e seu fim, a vida eterna.

Não sei o que esse texto prova.

1 Coríntios 6:11 : E tais fostes alguns de vós. Mas fostes lavados, fostes santificados, fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus.

Me parece claro que a justificação não é o mesmo que santificação nesse texto, exceto se o apóstolo esteja usando de algum recurso retórico. Esse texto, segundo a crença católica romana, trata de justificação inicial ou da posterior? Mostrar que há uma relação entre justificação e santificação não prova que a santificação é uma justificação.

2 Tessalonicenses 2:13  . . . Deus escolheu você desde o princípio para ser salvo, por meio da santificação pelo Espírito e fé na verdade.

No próximo versículo o apóstolo continua: “¹⁴ Para o que pelo nosso evangelho vos chamou, para alcançardes a glória de nosso Senhor Jesus Cristo.” 2 Tessalonicenses 2:14

O texto mostra que Deus elege, chama para sermos salvos através da santificação, ou seja, a santificação é um meio subordinado da salvação. Fomos chamados para sermos santos, fomos chamados para as boas obras: “Porque somos feitura sua, criados em Cristo Jesus para as boas obras, as quais Deus preparou para que andássemos nelas” Ef 2.10, não como causas da salvação, mas como consequência dela, pois antes somos “criados em Cristo Jesus”, ou seja, nascidos de novo, regenerados, salvos, para produzir bons frutos.

Hebreus 10:10  E nessa vontade fomos santificados pela oferta do corpo de Jesus Cristo, uma vez por todas.

Hebreus 10:14  Porque com uma única oferta aperfeiçoou para sempre os que são santificados.

Hebreus 13:12  Assim também Jesus padeceu fora da porta, para santificar o povo pelo seu próprio sangue.

Não sei o que esses textos provam.

Atentai bem ao próximo ponto de disputa. Notem como o senhor Armstrong simplesmente não respondeu ao meu argumento.

Escrevi assim em meu artigo:

A justificação, porém, é o contrário: se é justificado atualmente, não é um processo. São Paulo diz: “Por este se vos anuncia a remissão dos pecados, e todo aquele que nele crê está justificado de todas essas coisas das quais não pudestes ser justificados na lei de Moisés” At 13.38, 39. Notem que a justificação provém da pura benevolência de Cristo e para recebermos a Cristo precisamos somente da fé. Para o senhor Armstrong provar que está certo, deverá provar pela Escritura que recebemos a Cristo, recebemos a absolvição dos nossos pecados em Cristo através de qualquer obra meritória. Mas continuo: Digo a vocês que este desceu justificado para a sua casa, e não aquele. Porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado. Lucas 18:14 Vemos o publicano descendo já justificado, e o fariseu achando que poderia se justificar pelas próprias obras, sem conseguir. Note como o fariseu cita o decálogo: O fariseu ficou em pé e orava de si para si mesmo, desta forma: “Ó Deus, graças te dou porque não sou como os demais homens, roubadores, injustos e adúlteros, nem ainda como este publicano. Lucas 18:11 À semelhança do jovem rico, ele cumpria a lei, mas não era justificado. Observem também que ele se refere ao decálogo como lei, não somente às leis cerimoniais ou civis. Também: pela obediência de Cristo somos constituídos justos (Rm 5.19). Nossa justificação provém não só da pura benevolência, mas também da obediência de Cristo. Ambas são perfeitas, Cristo cumpriu toda a lei, sua satisfação é perfeita e não temos Cristo pela metade, pelo contrário, o Espírito de Cristo habita em nós, como diz o apóstolo: Porém, se Cristo está em vós, o corpo está morto por causa do pecado, mas o espírito vive por causa da justiça. Rm 8.10. CRISTO ESTÁ EM NÓS! Aleluia!! Não por metade, mas completo, com sua justiça completa. Portanto, estamos justificados. Deus não enxerga mais nossos pecados, mas enxerga a justiça de Cristo sobre nós, o Cristo que habita em nós. São Paulo novamente: Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado. Porque aquele que está morto está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos; Romanos 6:6-8 Quem morre com Cristo, justificado, está de seus pecados.

O senhor Armstrong simplesmente responde:

Parece que estamos dando voltas e mais voltas neste ponto. Mais uma vez, os católicos concordam quanto à justificação inicial. Depois disso, devemos cooperar com Deus e realizar boas obras meritórias. As 50 passagens sobre o julgamento provam isso. As exortações de Paulo para perseverar, permanecer firmes e vigilantes mostram que não é uma certeza ou certeza que somos salvos. Devemos “prosseguir” como ele fez.

Ele fala que os seguintes textos tratam somente de uma justificação inicial, vejamos:

Digo a vocês que este desceu justificado para a sua casa, e não aquele. Porque todo o que se exalta será humilhado; mas o que se humilha será exaltado. Lucas 18:14;

Sabendo isto, que o nosso homem velho foi com ele crucificado, para que o corpo do pecado seja desfeito, para que não sirvamos mais ao pecado. Porque aquele que está morto está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos; Romanos 6:6-8

Porém, se Cristo está em vós, o corpo está morto por causa do pecado, mas o espírito vive por causa da justiça. Rm 8.10

pela obediência de Cristo somos constituídos justos (Rm 5.19)

Não faz o mínimo sentido que textos que tratam de uma obra consumada, se refiram somente do início de uma obra. Os textos falam que esses homens desceram justificados, não foram parcialmente justificados, ou começaram a se justificar diante de Deus, não! O texto é claro que aquele que morreu está justificado, ou seja, aquele que está em Cristo, morre com Cristo, está justificado. Não nego que há uma santificação, mas essa santificação não justifica.

Em segundo lugar, o senhor Armstrong simplesmente silencia sobre o principal argumento que foi posto, o fato de Cristo está em nós, como diz Romanos 8.10. Se Cristo está em nós, todos os seus méritos, toda sua justiça também está. O senhor Armstrong simplesmente diz que não nega isso, mas diz que isso faz partes somente do início da justificação. Isso não procede, pois se isso significaria que Cristo só estaria em nós no início da nossa justificação, mas isso não é verdade, Cristo está em nós de agora até a eternidade.

Voltemos ao texto de Romanos 6.6-8:

Porque aquele que está morto está justificado do pecado. Ora, se já morremos com Cristo, cremos que também com ele viveremos; 

O texto diz que quem morre com Cristo está justificado, notem bem, não é inicialmente justificado, mas está justificado. Morrer com Cristo equivale ao ato da conversão, e quem é convertido é também justificado:

Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu, mas Cristo vive em mim; e a vida que agora vivo na carne, vivo-a pela fé do Filho de Deus, o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim.” Gálatas 2.20

“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.” 2 Coríntios 5.19

Após esse ponto de disputa, passamos a concordar em muitas coisas, um momento raro, mas pode ser conferido na resposta do senhor Armstrong.

Em resumo: concordamos que os textos de Gênesis não apresentam qualquer boa obra como justificante para Abraão, isso é muito relevante.

No meio dessas concordâncias, algo me chamou atenção. O senhor Armstrong disse que após uma reflexão mais profunda, decidiu retirar parte do seu argumento que tinha sido retirado de outro blog. Ele disse assim:

[ nota importante: após uma reflexão mais aprofundada e em parte devido ao desafio do diálogo, retirei a citação do antigo blog anônimo “Adomnan” em minha resposta anterior. Então não vou defender isso. Deixei nessa resposta, em fonte vermelha, para referência e para que os leitores não fiquem muito confusos se Francisco fizer referência a ela.]

Espantosa é a honestidade do senhor Armstrong! Bravo! Acolho a retirada do argumento, não farei referências a ele, de agora em diante.

Agora esbarramos no próximo argumento:

Finéias também foi justificado pelas obras, assim como Abraão (acabei de saber deste interessante argumento analógico hoje, do Cardeal Newman):

Salmos 106:30-31 Então Finéias se levantou e interveio, e a praga cessou. [31] E isso lhe foi imputado como justiça de geração em geração, para sempre.

Isso se refere à execução de dois pecadores (claro, uma obra, e não apenas fé):

Números 25:7-8: Quando Finéias, filho de Eleazar, filho do sacerdote Arão, viu isso, levantou-se e deixou a congregação, tomou uma lança na mão [8] e foi atrás do homem de Israel no quarto interior, e traspassou a ambos, o homem de Israel e a mulher, pelo corpo. Assim a praga foi afastada do povo de Israel.

Como resultado, Deus fez uma aliança com ele e seus descendentes (assim como fez com Abraão), de sacerdócio perpétuo:

Números 25:10-13: Disse mais o Senhor a Moisés: [11] Finéias, filho de Eleazar, filho do sacerdote Arão, fez recuar a minha ira contra os filhos de Israel, porque tinha ciúmes de meu ciúme entre eles, de modo que não consumi os filhos de Israel no meu ciúme. [12] Portanto, dize: Eis que lhe dou a minha aliança de paz; [13] e será para ele e para a sua descendência depois dele, o pacto de um sacerdócio perpétuo, porque ele foi zeloso por seu Deus, e fez expiação pelos filhos de Israel’”.

Assim, vemos que tanto a fé quanto as obras podem trazer justificação, especialmente por uma comparação analógica do uso bíblico deste termo “acerto de contas” (e ambos aplicados a uma pessoa no caso de Abraão; e ambos os tipos de justificação são aplicados a ele em um capítulo de um livro: Tiago 2):

Gênesis 15:6 E ele creu no Senhor; e isso lhe foi imputado como justiça.

1 Macabeus 2:52 Não foi Abraão considerado fiel quando testado, e isso lhe foi imputado como justiça?

Romanos 4:3, 5, 9, 11: Pois o que diz a Escritura? “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça.” . . . [5] E para aquele que não trabalha, mas confia naquele que justifica o ímpio, sua fé será considerada como justiça. . . . [9] Dizemos que a fé foi imputada a Abraão como justiça. . . . [11] O propósito era fazer dele o pai de todos os que creem sem serem circuncidados e que, portanto, têm a justiça imputada a eles,

Romanos 4:22-24: É por isso que sua fé “lhe foi imputada como justiça”. [23] Mas as palavras “isso lhe foi imputado” foram escritas não apenas por causa dele, [24] mas também por nossa causa. Isso será imputado a nós, que cremos naquele que ressuscitou dentre os mortos Jesus, nosso Senhor,

Gálatas 3:6 Assim, Abraão “creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça”.

Tiago 2:23 e cumpriu-se a escritura que diz: “Abraão creu em Deus, e isso lhe foi imputado como justiça”; . . .

Funciona

Salmos 106:30-31 Então Finéias se levantou e interveio, e a praga cessou. [31] E isso lhe foi imputado como justiça de geração em geração, para sempre.

Tiago 2:21-22, 24-25 Não foi Abraão, nosso pai, justificado pelas obras, quando ofereceu seu filho Isaque sobre o altar? . . . [22] Você vê que a fé estava ativa com suas obras, e a fé foi completada pelas obras, . . . [24] Vês que o homem é justificado pelas obras e não somente pela fé. . . . [25] E da mesma forma Raabe, a prostituta, também não foi justificada pelas obras quando ela recebeu os mensageiros e os enviou por outro caminho?

fé e obras

Hebreus 11:4 Pela fé Abel ofereceu a Deus um sacrifício mais aceitável do que Caim, pelo qual recebeu a aprovação como justo, dando Deus testemunho aceitando as suas dádivas; ele morreu, mas por meio de sua fé ele ainda está falando.

Hebreus 11:7 Pela fé, Noé, sendo avisado por Deus acerca de acontecimentos ainda não vistos, atentou e construiu uma arca para a salvação de sua família; com isso ele condenou o mundo e se tornou herdeiro da justiça que vem pela fé. [provavelmente, outros exemplos neste capítulo também]

O senhor Armstrong apresentou um excelente argumento, mesmo assim, mostrarei porque não logra êxito.

O senhor Armstrong faz a conexão entre Salmos 160.30-31, o texto de Gênesis 15.6 e os vários de Romanos, Gálatas e Tiago que tratam de justificação por imputação. Na mente do senhor Armstrong, se Finéias, em Salmos 160, teve a justiça imputada sobre si por causa de suas boas obras, segue-se que todos os textos que tratam sobre imputação devem ser interpretados igualmente.

Mas isso não é verdadeiro. A conexão que é feita com Abraão é falaciosa, pois em Gn 15.6 diz: “E creu ele no Senhor, e imputou-lhe isto por justiça”. São Paulo ao tratar desse texto descarta qualquer obra que Abraão tenha feito para ser justificado. São Paulo interpreta esse texto da seguinte forma:

²” Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não diante de Deus. ³Pois, que diz a Escritura? CREU ABRAÃO A DEUS, E ISSO LHE FOI IMPUTADO COMO JUSTIÇA. ⁴ Ora, àquele que faz qualquer obra não lhe é imputado o galardão segundo a graça, mas segundo a dívida. ⁵Mas, àquele que não pratica, mas crê naquele que justifica o ímpio, A SUA FÉ LHE É IMPUTADA COMO JUSTIÇA. ⁶ Assim também Davi declara bem-aventurado o homem a quem DEUS IMPUTA A JUSTIÇA SEM AS OBRAS, dizendo: ⁷ Bem-aventurados aqueles cujas maldades são perdoadas, E cujos pecados são cobertos.” Romanos 4:2-7

São Paulo deixa claro que Abraão não foi justificado por obra alguma, mas somente pela fé, pois “Deus imputa a justiça sem as obras”. São Paulo também toma o crer de Abraão como sinônimo de fé, não de obras. Portanto, descartemos tal conexão.

Porém, uma conexão com os textos de São Tiago pode ser feita, mas não é necessária a conclusão do senhor Armstrong, vejamos:

Já tratei nesse debate que nós, reformados, não negamos que há uma justificação pelas obras, porém, afirmamos com São Paulo que essa justificação se dá diante dos homens, não diante de Deus, pois o mesmo diz de Abraão, que pode ser tomado por todos nós: “se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, NÃO DIANTE DE DEUS” Rm 4.3.

Segundo, e agora mais importante, é que no tocante a Raabe e Fineias suas obras não são boas obras, Raabe mentiu e Fineias cometeu assassinato.

Segundo Josué 2, Raabe mentiu para salvar os espias:

“³ Diante disso, o rei de Jericó enviou esta mensagem a Raabe: “Mande embora os homens que entraram em sua casa, pois vieram espionar a terra toda”. ⁴ Mas a mulher que tinha escondido os dois homens respondeu: “É verdade que os homens vieram a mim, mas eu não sabia de onde tinham vindo. ⁵ Ao anoitecer, na hora de fechar a porta da cidade, eles partiram. Não sei por onde foram. Corram atrás deles. Talvez os alcancem”. ⁶ ELA, PORÉM, OS TINHA LEVADO PARA O TERRAÇO E OS TINHA ESCONDIDO SOB OS TALOS DE LINHO QUE HAVIA ARRUMADO LÁ. ⁷ Os perseguidores partiram atrás deles pelo caminho que vai para o lugar de passagem do Jordão. E logo que saíram, a porta foi trancada.” Josué 2:3-7

Fineias cometeu assassinato:

“Quando Finéias, filho de Eleazar, filho do sacerdote Arão, viu isso, levantou-se e deixou a congregação, tomou uma lança na mão [8] e foi atrás do homem de Israel no quarto interior, E TRASPASSOU A AMBOS, O HOMEM DE ISRAEL E A MULHER, PELO CORPO. Assim a praga foi afastada do povo de Israel.” Números 25:7-8

Pergunto ao senhor Armstrong: desde quando mentir e assassinar são contados entre as boas obras? Qual é a virtude teologal em que estão enquadradas?

Não foi a obra que justificou esses homens, mas somente a sua fé, pois a única coisa virtuosa nesses eventos foi a fé, pois obras como mentir e assassinar não podem ser consideradas virtuosas em si mesmas para ter um poder justificador diante de Deus.

Ora, se Raabe foi justificada por mentir, então vamos todos mentir muito para que todos nos tornemos homens mais santos e melhores. Não faz o mínimo sentido.

O senhor Armstrong usou diversas vezes a distinção entre obras da lei e obras de caridade, onde as obras da lei não justificavam, mas as obras de caridade sim. Considerando que Finéias e Raabe viviam no Antigo Testamento, portanto, na dispensação da lei, Fineias especificamente, como sacerdote, estava debaixo da lei de Moisés, pergunto: ao fazer essas obras, eles estavam cumprindo a lei ou não estavam cumprindo a lei? Se estavam cumprindo a lei, então suas obras foram obras da lei, logo não podem justificar, mas se eram obras de caridade, então devemos considerar mentira e assassinato como obras de caridade. Não faz sentido algum o argumento do Cardeal Newman citado por Armstrong.  

Não paremos, pois devemos analisar diretamente o texto de Salmos 160.30-31:

“Então Finéias se levantou e interveio, e a praga cessou. E isso lhe foi imputado como justiça de geração em geração, para sempre.”

A obra de Finéias, assim como a de Raabe, foi imputada a eles por justiça, mas não em consequência de qualquer mérito intrínseco dessas obras, pois mentir e assassinar não podem ter um mérito intrínseco, mas devido à fé que acompanhou o ato. A fé desses homens fez Deus considerar a mentira e o assassinato como obras justas, não pelas obras, que são injustas em si mesmas, mas unicamente por causa da fé. Mentira e assassinato em nada teriam parte com Deus se não fosse a fé de Finéias e Raabe. Se a mentira e o assassinato em nada tem parte com Deus, tampouco pode nos justificar diante de Deus, logo, sobra somente a fé. Por isso, a Escritura coloca Raabe como uma heroína da fé, e diz que “PELA a prostituta Raabe, por ter acolhido os espiões, não foi morta com os que haviam sido desobedientes.” (Hebreus 11:31). Fica claro que somente a fé foi contada diante de Deus. A fé tornou essa obra injusta em justa, não, a justiça inerente da obra, portanto, a justiça estava somente na fé. Em outras palavras, o texto usado como prova para a doutrina católica romana, é, na verdade, uma prova da doutrina protestante, pois uma obra que não é justa em si mesma, como assassinar e mentir, é declarada justa por Deus. É uma justificação forense, não uma justificação transformativa. Resumindo, somente a fé, e não o mérito humano, adquire para as pessoas e para as obras o caráter de justiça, pois não há mérito em mentir e assassinar. Somente pela fé nossas obras são declaradas justas.

Compare essas obras com as obras de São Paulo quando perseguia os cristãos. São Paulo fez uma perseguição zelosa aos cristãos em que ele se achava moralmente digno por estar eliminando um mal na terra. Posteriormente, São Paulo reconheceu ser um refugo (Fp 3.8), mas ele achava que era virtuoso ao matar cristãos. Ora, São Paulo e Fineias estavam sendo zelosos com a fé ao matar pessoas e eliminar o mal do mundo, por que somente Fineias foi justificado em detrimento de São Paulo? A resposta é óbvia, porque um tinha fé no objeto certo e o outro não! Obras iguais, com os mesmos sentimentos, as mesmas intenções, mas uma com a fé no objeto certo e outra com a fé no objeto errado. É a fé que declara a justiça de uma obra, não existe obra intrinsecamente boa que causa justificação. Da mesma forma vemos o zelo de Elias, ao matar os profetas de Baal (1Re 18; 19.10, 14), e Matatias, ao resistir às reformas pagãs de Antíoco Epifânio (1 Mac 2).

Após isso, escrevi:

Foi um teste para saber se a sua fé estava viva e, como já argumentamos, Deus não precisava saber nada que já não soubesse. Mas Abraão, seu filho e sua posteridade, quando lessem sobre isso, saberiam que Abraão era um homem santo. É importante notar que Abraão perdeu a fé em Gênesis 16, e sua esposa até ri de Deus em Gênesis 18, o que nos leva à necessidade de uma prova de fé diante dos homens em Gênesis 22.

O senhor Armstrong Respondeu:

Não apenas isso; se de fato ele perdeu a fé, então isso explicaria a necessidade de uma justificação adicional em Gênesis 22. A justificação é contínua e pode ser resultado da fé (Gênesis 15:6) ou fé + obras (Gênesis 22:1-18; Números 25). :7-13 + Sl 106:30-31; Hb 11:4, 7: veja acima). O Cardeal São John Henry Newman, escrevendo como anglicano em 1838, explica a justificação contínua:

Pois devemos considerar que, uma vez que sempre caímos no pecado e incorremos na ira de Deus [ Nota 4 ], estamos sempre sendo justificados repetidas vezes pela Sua graça. A justificação é-nos transmitida continuamente durante toda a nossa vida. Embora seja substancialmente o mesmo do início ao fim, a importância relativa de suas partes constituintes varia com a duração de sua continuidade. Suas partes são desenvolvidas de forma diferente com o passar do tempo; e os homens podem parecer divergir quanto ao que entendem por isso, quando o estão apenas examinando em uma data diferente e, portanto, sob uma luz diferente. Poucas palavras mostrarão isso.

O grande benefício da justificação, como todos permitirão, é uma coisa: a transferência da alma  do  reino das trevas  para  o reino de Cristo. Podemos, se quisermos, dividir este evento em partes e dizer que é  ao mesmo tempo  perdão  e  renovação, mas tal divisão é meramente mental e não afeta a mudança em si, que é apenas um ato. Se um homem é salvo de um afogamento, você pode, se quiser, dizer que ele foi  resgatado  da água  e  trazido para o ar atmosférico; esta é uma discriminação em palavras e não em coisas. Ele não pode ser tirado da água que não consegue respirar,  exceto {102} entrando no ar que ele pode respirar. Da mesma forma, não existe, de fato, um estado intermediário entre um estado de  ira  e um estado de  santidade . Ao justificar, Deus tira o passado,  trazendo  o novo. Ele nos tira do fogo, erguendo-nos em Suas mãos eternas e envolvendo-nos em Sua própria glória.

Tal é a justificação manifestada em nós continuamente durante toda a nossa vida; mas não está claro que no início consistirá em quase nada além de perdão? porque tudo o que fizemos até agora é pecaminoso em sua natureza e deve ser perdoado; mas ser renovado é obra do tempo, ao passo que, à medida que o tempo passa e nos tornamos mais santos, isso consistirá mais em renovação, senão menos em perdão, e pelo menos não há pecado original, como quando foi concedido pela primeira vez, para ser perdoado. Tira-nos então, no Batismo, do pecado original e conduz-nos durante toda a vida em direção à pureza dos Anjos. Naturalmente, então, quando a palavra é usada para denotar o início de um estado justificado, ela significa apenas, ou principalmente, aceitação; quando a continuação, principalmente a santificação. Escritores, então, de sentimentos compatíveis, ou os mesmos escritores em ocasiões diferentes, falarei dela primeiro como consistindo na remissão dos pecados, com Calvino ou Melanchthon, a seguir, com os católicos romanos, como consistindo na renovação. (Palestras sobre a Doutrina da Justificação , Palestra 4: “Sentidos Secundários do Termo Justificação ”, seção 8)

Certamente, não adianta Cardeal Newman ser protestante e defender o catolicismo romano.

Mas o erro fulcral desse argumento é achar que a perda da fé no tempo implica, de fato, em uma perda de salvação e justificação em um nível transcendental, embora implique em diminuir temporariamente o nível de santidade.

Provamos a seguinte maneira:

O filho pródigo (Lucas 15:11-32), mesmo tendo perdido a fé, nunca deixou de ser filho. A ovelha perdida (Lucas 15.1-7) nunca deixou de ser ovelha, ela é chamada de ovelha, mesmo quando está perdida. Tampouco a dracma perdida perdeu seu valor quando se perdeu, mas grande foi a alegria quando a dona a achou (Lucas 15.8-10). Diante dos homens uma pessoa pode se perder, mas diante de Deus é impossível se perder aquele que ele elegeu para ser salvo, pois “aos que predestinou a estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também glorificou.” Romanos 8.30. A justificação diante dos homens se perde, mas diante de Deus, não se perde, é mais apropriado dizer que fraquejou na fé.

Como dirá Tomás de Aquino comentando carta aos Romanos, cap 9:

“Portanto, Deus não ama o homem em virtude de algum bem que ele encontra nele, mas pelo fato de amá-lo, ele o prefere e escolhe a uns e não a outros. A dilação que é falada daqui corresponde à Eleição Incondicional e a eterna predestinação de Deus. Tampouco se deve dizer que tal reprovação é temporária, porque na vontade divina não há nada temporário, mas é ab aeternal“.

Em relação a Deus a reprovação não pode ser temporária, pois ele é imutável, tampouco sua justificação depende do estado dos homens. Se Abraão perdeu a fé em algum momento, disso não se conclui a perda da justificação, no máximo uma diminuição do seu nível de santidade, mas nunca a perda de salvação, não diante de Deus.

Perguntei, após isso:

Agora eu pergunto, a fé é uma ação? A fé é uma obra?

Recebi:

Não. É um dom sobrenatural de Deus e de Sua graça, com o qual cooperamos.

Concordo.

Repliquei:

Bem, se a fé é um ato de justiça, então a própria fé se torna uma obra, contra toda a teologia bíblica que diz que se é pela fé já não é pelas obras.

Aqui nos deparamos com o problema. Uma vez que a fé não é uma obra, tampouco ela é um ato de justiça, logo, a justificação não pode ser aumentada como consequência do aumento da fé, embora a santidade possa ser aumentada.

Mas o senhor Armstrong respondeu:

[a fé] Não é uma obra porque a Escritura obviamente distingue entre fé e obras. Mas é claro que as obras estão em estreita e necessária conjunção com a fé (“fé sem obras é morta, etc.). O Venerável Bede (c. 673-735), comentando sobre Tiago 2:21 , coloca ambos juntos de uma forma útil:

Tiago faz uso hábil do exemplo de Abraão para provocar aqueles judeus que se imaginavam dignos seguidores de seu grande ancestral. Para mostrar-lhes que não atingiram o alvo em tempos de provação e para testar a sua fé através de exemplos específicos, Tiago toma Abraão como modelo. Pois que prova maior poderia haver do que exigir que um homem sacrifique seu amado filho e herdeiro? Quanto mais Abraão teria preferido dar toda a comida e roupa que possuía aos pobres do que ser forçado a fazer este sacrifício supremo por ordem de Deus? Tiago está apenas repetindo o que diz em Hebreus: “Pela fé Abraão, quando foi provado, ofereceu Isaque, e aquele que havia recebido as promessas estava pronto a oferecer seu único filho, de quem foi dito: ‘Por meio de Isaque seus descendentes sejam nomeados. ‘” (Hb 11;17-18) Olhando para um único e mesmo sacrifício, Tiago elogiou a magnificência da obra de Abraão, enquanto Paulo elogiou a constância da sua fé. Mas, na realidade, os dois homens estão dizendo exatamente a mesma coisa, porque ambos sabiam que Abraão era perfeito em sua fé, bem como em suas obras, e cada um apenas enfatizou aquele aspecto do incidente que seu próprio público mais precisava.

Nunca neguei que há uma estreita relação entre fé e obras, o que sempre neguei é que os dois produzam dos mesmos efeitos. Se o ser segue o operar, então é certo que os efeitos da obra e da fé são diferentes. Ressalto que jamais neguei a importância das boas obras.

Concordo com o Venerável Beda que São Paulo e São Tiago falam as mesmíssimas coisas sob ângulos diferentes, aliás, ressaltei isso desde o começo. O próprio Beda explica que o grande problema é o antinomianismo, ou seja, acreditar que podemos viver uma vida depravada amparados na nossa crença no nome de Jesus, ele diz:

“Embora o apóstolo Paulo tenha pregado que somos justificados pela fé sem obras, aqueles que entendem com isso que não importa se eles vivem vidas más ou fazem coisas más e terríveis, desde que creiam em Cristo, porque a salvação é através da fé, cometi um grande erro. Tiago aqui expõe como as palavras de Paulo devem ser entendidas. É por isso que ele usa o exemplo de Abraão, a quem Paulo também usou como exemplo de fé, para mostrar que o patriarca também realizou boas obras à luz da sua fé. Portanto, é errado interpretar Paulo de tal maneira que sugira que não importava se Abraão colocou a sua fé praticar ou não. O que Paulo quis dizer foi que ninguém obtém o dom da justificação com base no mérito derivado de obras realizadas anteriormente, porque o dom da justificação vem somente da fé.” (Sobre a Epístola de São Tiago)

A intenção de Beda era alertar contra os perigos da má compreensão da doutrina da justificação somente pela fé, não contra a própria doutrina. Já falamos diversas vezes que fé e obras são como a luz do sol, onde a luz e o calor estão unidos, mas não são as mesmas coisas, nem produzem o mesmo efeito.

Andreas de Cesaréia (563-614) elabora perspicazmente a mesma passagem:

Agora, alguém poderia objetar a isso e dizer: “Paulo não usou Abraão como exemplo de alguém que foi justificado pela fé, sem obras? E aqui Tiago está usando o mesmo Abraão como exemplo de alguém que foi justificado, não somente pela fé, mas também pelas obras que confirmam essa fé”. Como podemos responder a isso? E como pode Abraão ser um exemplo de fé sem obras, bem como de fé com obras, ao mesmo tempo? Mas a solução está à mão nas Escrituras. Pois o mesmo Abraão é, em momentos diferentes, um exemplo de ambos os tipos de fé. A primeira é a fé pré-batismal, que não requer obras, mas apenas confissão e a palavra da salvação, pela qual aqueles que crêem em Cristo são justificados. A segunda é a fé pós-batismal, que se combina com as obras. Entendidos desta forma, os dois apóstolos não se contradizem,

Não sei se o contexto nos serve, pois Andreas de Cesaréia não deixa claro que se está tratando de uma justificação diante de Deus nos dois sentidos empregados. Isso porque o mesmo também diz: “Se alguém não demonstra pelas suas obras que acredita em Deus, a sua profissão de fé não vale nada.” Como bem sabemos, a profissão de fé é pública, portanto, para os homens, nos justificando diante dos homens.

Cirilo de Alexandria (c. 376-444), escreveu ainda antes sobre esta passagem:

Por um lado, o bem-aventurado Tiago diz que Abraão foi justificado pelas obras quando amarrou seu filho Isaque no altar, mas, por outro lado, Paulo diz que foi justificado pela fé, o que parece ser contraditório. No entanto, isso deve ser entendido como significando que Abraão acreditou antes de ter Isaque e que Isaque foi dado a ele como recompensa por sua fé. Da mesma forma, quando amarrou Isaque ao altar, ele não apenas fez o trabalho que lhe era exigido, mas o fez com a fé de que em Isaque sua semente seria tão numerosa quanto as estrelas do céu, acreditando que Deus poderia levantar ele dentre os mortos. (Rm 4:18-25)

Essa citação em nada ajuda o senhor Armstrong, ele ressalta que Abraão foi justificado não pela obra, mas pela fé, porque creu, ele mesmo diz: “Abraão foi justificado não pelas obras, mas pela fé. Pois embora tivesse feito muitas coisas boas, ele não foi chamado amigo de Deus até que creu, e cada uma de suas ações foi aperfeiçoada pela fé.” (Aulas catequéticas 5.5)

É claro que somente pela fé produzimos obras justas, mas as obras não são justas intrinsecamente, nem produzem justiça, mas somente pela fé se tornam justas. Essa é a doutrina reformada, e esse é o mesmo ensino de Cirilo de Alexandria.

A justificação na soteriologia católica está em andamento. Poderíamos fazer uma analogia com a habitação do Espírito Santo. Ele é recebido primeiro através do batismo: “seja batizado. . . e recebereis o dom do Espírito Santo”: Atos 2:38; ” ‘que você [St. Paulo] pode. . . seja cheio do Espírito Santo.’ . . . Então ele se levantou e foi batizado”: ​​Atos 9:17-18; “pelo lavar regenerador e renovador no Espírito Santo”: Tito 3:5. No entanto, apesar de já termos recebido o Espírito Santo em nós mesmos no batismo, São Paulo também se refere a um sentimento contínuo de recebê-lo em um grau mais completo . Ambos/e mais uma vez. . .:

Cambridge Bible for Schools and Colleges comenta de forma bastante notável esta passagem:

No geral, a ideia transmitida parece ser que o Poder possuidor, Divino ou maligno, que de um ponto de vista  habita  o homem, de outro  o envolve  , como se fosse uma atmosfera. – “Se o Espírito está  em você , você está  nele ” (Jer. Taylor,  Sermon for Whitsunday ).

Assim, “sede cheios do (o) Espírito”, pode ser legitimamente parafraseado: “Deixe entrar a atmosfera santa no seu íntimo, em toda a sua vontade e alma. Deixe o Espírito Divino, em Quem você, acreditando, é, permeie seu ser, como a água enche a esponja.”

A isso, nós reformados, chamamos de santificação. Não cremos que a justificação possa aumentar ou diminuir. O ato de Deus nos considerar justos é diferente do ato em que ele nos torna pessoas boas.

Assim como este enchimento do Espírito Santo tem um sentido em que é contínuo, ou pelo menos potencialmente assim, a justificação também tem o mesmo sentido de continuação ao longo da vida. O Cardeal São João Henry Newman (novamente escrevendo como protestante) une ambos, mostrando a relação da Sagrada Escritura:

Não é uma relação necessária. Pois somos justificados pela obra de Cristo, não pelo tamanho das nossas virtudes.

Em uma palavra, o que é ter Sua presença dentro de nós, senão ser Seu Templo consagrado? o que ser Seu Templo, senão ser separado de um estado de natureza, do pecado e de Satanás, da culpa e do perigo? o que ser assim separado, senão ser declarado e tratado como justo? e o que é isso senão ser justificado? ( Ibid. , Aula 6 )

Em seguida, pode-se observar que quaisquer bênçãos que atribuímos em detalhes à justificação, são atribuídas nas Escrituras a essa habitação sagrada. Por exemplo, justificação é remissão de pecados ? o Dom do Espírito o transmite, como é evidente na doutrina das Escrituras sobre o Batismo: “Um só batismo para remissão dos pecados”. A justificação é a adoção na família de Deus? da mesma maneira, o Espírito é expressamente chamado de Espírito de adoção, “o Espírito pelo qual clamamos, Abba, Pai”. A justificação é reconciliação com Deus? São Paulo diz: “Jesus Cristo está em vós, a menos que sejais reprovados”. A justificação é vida ? o mesmo apóstolo diz: “Cristo vive em mim”. A justificação é dada à ? é a sua oração “que Cristo possa habitar nos” corações cristãos “pela fé”. A justificação leva à santa obediência ? Nosso Senhor nos assegura que “quem permanece nele e ele nele, esse dá muito fruto”. É pela justificação que nos regozijamos na esperança da glória de Deus? Da mesma maneira, “Cristo em nós” é dito ser “a esperança da glória”. Cristo então é a nossa justiça ao habitar em nós pelo Espírito: Ele nos justifica entrando em nós, Ele continua a nos justificar permanecendo em nós. Esta é real e verdadeiramente nossa justificação, não fé, não santidade, não (muito menos) uma mera imputação; mas pela misericórdia de Deus, a própria Presença de Cristo. ( Ibid., Aula 6 )

. . . a conexão realmente é entre justificação e renovação. Ambos estão incluídos naquele grande dom de Deus, a habitação de Cristo na alma cristã. Essa habitação é ipso facto a nossa justificação e santificação, como seus resultados necessários. É a Presença Divina que nos justifica, não a fé, como dizem as escolas protestantes. . . A palavra da justificação é a Palavra viva substantiva de Deus, entrando na alma, iluminando-a e limpando-a, como o fogo ilumina e purifica as substâncias materiais. Quem justifica também santifica, porque é Ele. ( Ibid ., Aula 6 )

Estou tentando encontrar onde, exatamente, essa citação do Cardeal Newman milita contra o que tenho defendido nesse debate. Ora, que há uma relação íntima entre fé e obras, isso já foi dito. Newman também diferencia a justificação da santidade, embora, por vezes, confuso. Ele fala algo que tenho defendido desde o começo desse debate, mas até o momento sem resposta satisfatória, que “É a Presença Divina que nos justifica, não, a fé, como dizem as escolas protestantes… A palavra da justificação é a Palavra viva substantiva de Deus, entrando na alma, iluminando-a e limpando-a, como o fogo ilumina e purifica as substâncias materiais. Quem justifica também santifica, porque é Ele.”. Sempre afirmei que a fé não justifica, mas o objeto da fé que justifica, isso é confirmado por Newman quando diz que “é a presença divina que justifica, não, a fé”. Essa afirmação é de imensa importância para o meu arrazoado, uma vez que não é o tamanho da minha fé que justifica, tampouco ser mais santo me deixa mais justificado, pois ter uma grande fé ou uma pequena fé não justifica. A conclusão é inequívoca!

Dois capítulos antes (3:19), São Paulo foi ainda mais longe: “seja cheio de toda a plenitude de Deus”. Se isso também não está sendo justificado, o que é ? Como alguém pode ser “cheio” do Espírito Santo e “cheio” da “plenitude” de Deus e não ser justificado? E este é um processo contínuo. Recebemos mais justificação com o passar do tempo, da mesma forma que podemos e recebemos mais graça :

Atos 4:33 E com grande poder os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor Jesus, e grande graça estava sobre todos eles.

Efésios 4:7 Mas a graça foi dada a cada um de nós segundo a medida do dom de Cristo.

Tiago 4:6 Mas ele dá mais graça. . .

1 Pedro 1:2 . . . Que a graça e a paz vos sejam multiplicadas. (cf. 2 Pedro 1:2)

1 Pedro 4:10 À medida que cada um recebeu um dom, empreguem-no uns aos outros, como bons despenseiros da variada graça de Deus:

1 Pedro 5:5 . . . “Deus se opõe aos orgulhosos, mas dá graça aos humildes.”

2 Pedro 3:18 Antes, crescei na graça. . .

A isso nós chamamos de santificação. O pensamento do senhor Armstrong de que se a fé e a obra andam sempre juntas, tem como consequência que as duas justificam, já foi respondido em várias ocasiões nesse debate.

São Paulo. . . diz no quinto capítulo de sua Epístola aos Romanos: “Assim como pela desobediência de um homem muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de Um muitos serão feitos justos”. Ele diz que pela justiça de Cristo somos feitos justos; feito, não apenas contabilizado… No grego original, a palavra significa não apenas feito, mas levado a um estado de justiça. É a mesma palavra usada por São Pedro, quando diz: “Se estas coisas”, fé, caridade e outras graças, “estão em você e são abundantes, elas o fazem”, isto é, constituem você como sendo “nem estéril, nem infrutífero no conhecimento de nosso Senhor Jesus Cristo”… Quando, então, São Paulo diz que “nos tornamos justos” pela obediência de Cristo, ele está falando de nosso estado real por meio de Cristo, daquela natureza, estrutura ou caráter interno que Cristo nos dá, nem apenas nos dá, mas constitui o nosso . . Ele fala de nossa nova natureza como sendo realmente justiça. ( Ibid., Aula 5 )

Segundo a perspectiva do Cardeal Newman os pecadores são verdadeiramente feitos justos em Cristo, assim como foram feitos pecadores por meio da queda de Adão. O problema com essa tese é que não se segue, necessariamente, que a justiça, citada aqui, seja não seja forense. Prova-se da seguinte forma: o cardeal diz que a palavra “se tornaram” de Romanos 5.19, no original grego (κατεστάθησαν – katestathēsan), significa transformado em justo, em oposição a ser declarado justo. Essa consequência não é necessária, pois essa palavra é traduzida de várias formas, mas comporta especialmente o significado de “designar”, não de transformar. Vejamos:

⁴⁵ “Quem é, pois, o servo fiel e prudente, que o seu senhor definiu (κατέστησεν-katestesen) sobre a sua casa, para dar o sustento a seu tempo?” Mateus 24:45

“Mas Jesus lhe respondeu: Homem, quem me nomeou (κατέστησεν-katestesen) juiz ou partidor entre vós?” Lucas 12.14

⁵ “Por esta causa te deixei em Creta, para que pusesses em boa ordem as coisas que ainda restam, e de cidade em cidade estabelecesses (κατέστησεν-katestesen) presbíteros, como já te mandei.” Tito 1:5

³ “Porque todo o sumo sacerdote é constituído (κατέστησεν-katestesen) para oferecer dons e sacrifícios; por isso era necessário que este também tivesse alguma coisa que oferecer.” Hebreus 8:3

Em todos esses versículos a palavra original grega não significa uma transformação, mas uma designação, portanto, não é necessária a consequência do silogismo do cardeal Newman.

Além disso, dentro do mesmo contexto, é feito um contraste entre a justificação e a condenação, São Paulo diz:

¹⁶ “E não foi assim o dom como a ofensa, por um só que pecou. Porque o juízo veio de uma só ofensa, na verdade, para condenação, mas o dom gratuito veio de muitas ofensas para justificação.” Romanos 5:16

Ora, se Adão e Cristo são faces da mesma moeda, e a justificação é transformativa, então a condenação deve ser, igualmente, transformativa, o que seria um absurdo. Quando Deus declara alguém culpado e o condena, ele não transforma esse homem de bom para mau, ele apenas declara que esse homem é culpado. Da mesma forma, ao declarar alguém justo, não transforma essa pessoa de má em boa, apenas declara que essa pessoa é justa. O que transforma o homem em uma pessoa boa é a santificação, assim como quem transforma o homem em ímpio é a depravação original, Deus apenas declara a culpa, assim, como no caso contrário, ele declara o homem justo.

Outro ponto a ser observado é a causa de nos tornarmos justos diante de Deus. A doutrina que diz que a justiça de Cristo é contada ou creditada aos crentes é conhecida como imputação. O que dizemos é que o texto de Romanos 5.19 usado pelo cardeal não afirma em local algum, nem mesmo o capítulo inteiro, em ponto algum, afirma que a justificação se dá por qualquer obra que fazemos, mas unicamente pela obra de Cristo. Isso é, no mínimo, constrangedor ao argumento do cardeal, que tentou provar uma justificação pelas obras, onde não há citação alguma a obras dos homens, senão que a obra de Deus em Cristo Jesus. São Paulo diz que “Tendo sido, pois, justificados pela fé, temos paz com Deus, por nosso Senhor Jesus Cristo; (Romanos 5:1), novamente: “Logo muito mais agora, tendo sido justificados pelo seu sangue, seremos por ele salvos da ira. Porque se nós, sendo inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, muito mais, tendo sido já reconciliados, seremos salvos pela sua vida.” (Romanos 5:9,10). Nos versículos citados, a justificação e reconciliação são atribuídas totalmente, não somente inicialmente, a obra de Cristo na cruz. São Paulo não diz que “em parte é só pelo mérito de Cristo, em parte é pelo mérito de Cristo e o mérito humano”, NÃO!! Não há nada que aponte para isso. Se somos justificados pelo sangue e pela obra de Cristo, segue-se que só precisamos da fé para sermos justificados, pois somente pela fé nos unimos a Cristo e adquirimos seus méritos e os benefícios de sua morte. São Paulo diz que um só ato de justiça de Cristo traz justificação e vida a todos que pertencem a ele. É fantástico! As declarações do cardeal Newman mostram como os católicos romanos desconhecem totalmente o significado da obra Cristo na cruz, pois procuram justiça própria, quando toda nossa justiça está em Cristo. Quando colocamos a nossa fé em Jesus, recebemos Cristo inteiramente, de tal modo que sua morte, que suportou o pecado, e sua obediência são creditadas a nós pela união que temos com ele, pois está escrito: “assim também nós, embora muitos, somos um só corpo em Cristo, e cada membro está ligado a todos os outros.” Rm 12.5

Novamente: “Portanto, vós sois dele, em Cristo Jesus, o qual se tornou para nós sabedoria da parte de Deus, justiça, santificação e redenção, a fim de que, como está escrito: “Aquele que se glória, glorie-se no Senhor”. Pregação no poder do Espírito.” (1 Co 1.30,31).
Cristo é a justiça perfeita apreendida somente pela fé, devemos nos gloriar Nele, em suas obras e em seus méritos, quem está ligado a Cristo, obtém sua justiça.

Não apenas a palavra “justo” é aplicada aos cristãos nas Escrituras, mas a ideia é repetidamente, de várias maneiras, imposta a nós. Lemos, por exemplo, sobre “Deus operando em nós o que é agradável à Sua vista ”; de sermos “santos e irrepreensíveis diante dele em amor”; de Cristo, “que é a sua imagem”, “brilhando” e “vivendo” em nossos corações; de Seu “fazer-nos aceitos ” ou graciosos “no Amado”; e de Seu “sabendo qual é a mente do Espírito ” em nossos corações, porque “Ele intercede pelos santos no caminho de Deus.” [Heb. xiii. 21. 2 Cor. 4. 4. Ef. eu. 4, 6. Rm. viii. 27.] Tais passagens, eu digo, deixam claro que a aceitabilidade ou graciosidade é concedida a nós (tão) realmente quanto qualquer outra excelência pertencente a Cristo; e se aceitabilidade é o que se entende por justiça, segue-se que tanto a coisa quanto a palavra justiça são nossas no sentido em que são de Cristo. A justiça de Cristo, que nos é dada, torna-nos justos, porque é justiça; ela transmite a si mesma, e não outra coisa. (Ibid., Palestra 5 ).

Mais uma vez a consequência do raciocínio do cardeal não é necessária. Ele está pressupondo o que precisa provar, pois pressupõe que santidade é o mesmo que justificação, baseado em significado questionável da palavra grega κατέστησεν (katestesen), em que ele defende significar uma transformação, não uma declaração ou designação. Como já mostramos, essa consequência não é necessária. Precisa o autor provar que o termo katestesen signifique necessariamente uma transformação, após isso, precisa provar que justificação é o mesmo que santificação, e que o trânsito entre não ser uma pessoa boa e ser uma pessoa boa, seja o único significado possível do termo justificação. A interpretação desses textos depende de uma perspectiva, os textos não falam por si o que o cardeal Newman quer que fale.

A interpretação de que os textos se referem a santificação e não a uma justificação é perfeitamente aplicável.

Novamente: Lemos sobre o “justo Abel”; somos informados de que “Noé era um homem justo e perfeito em suas gerações”; João Batista era “um homem justo e santo”, que Cornélio era “um homem justo e temente a Deus”, que “os justos brilharão como o sol no reino de seu Pai”, que “os justos” irão “para a vida eterna”, que haverá “uma ressurreição dos justos”, que “a Lei não mente contra um homem justo”, que um “bispo deve ser sóbrio, justo, santo, temperante”. Lemos sobre os “espíritos dos justos aperfeiçoados”, sobre “os justos que dificilmente serão salvos” e sobre “aquele que é justo se tornar mais justo”; [Mat. xxiii. 35. Heb. xi. 4. Gên. vi. 9. Jó. i. 1. 2 Pedro ii. 7, 8. Núm. xii. 7. Tiago v. 16. Ezequiel xiv. 14. Dan. ix. 23. Lucas i. 6. Mat. i. 19. Lucas ii. 25. Marcos vi. 20. Atos x. 22. Mat. xiii. 43; xxv. 46. Lucas xiv. 14. 1 Timóteo i. 9. Tit. i. 8. Heb. xii. 23. 1 Ped. iv. 18. Apocalipse xxii. 11], mas quando aplicamos essas declarações ao grande cânone evangélico, “O justo viverá pela fé”, para explicar quem são os “justos” mencionados ali, somos proibidos, na suposição arbitrária de que esses textos falam de um tipo de justiça judaica, embora alguns deles se refiram a tempos anteriores à promulgação da Lei; ou que eles se referem à justiça imputada de Cristo, embora contenham neles outros epítetos que inegavelmente são pessoais para nós. (Ibid., Palestra 5)

Podemos dividir a perfeição tem duas partes: a primeira é a imputação da perfeita obediência de Cristo, sendo a base e a fonte de toda a nossa perfeição. “Por uma só oferta”, isto é, por Sua obediência em Sua morte e paixão, “ele consagrou”, ou aperfeiçoou, “para sempre os que crêem” (Hb 10:14). Está no âmbito da justificação.
A segunda parte da perfeição cristã é a sinceridade, ou retidão, baseada em duas coisas: a primeira é reconhecer nossa imperfeição e indignidade em relação a nós mesmos. Embora Paulo tenha dito que ele era perfeito, ele acrescenta ainda que “não se considerou como se tivesse alcançado a perfeição, mas esqueceu-se das boas coisas que para trás ficam…” (Fp 3:13, 15). Está no âmbito da santificação.

Deve ser lembrado que essa perfeição terrena pode permanecer com diversos desejos e imperfeições. Diz-se de Asa que seu “coração foi perfeito para com Deus todos os seus dias” (1 Reis 15:14), e ainda assim “ele não derrubou os altares” (2 Crônicas 15:17), e sendo doente em seus pés, “ele pôs sua confiança nos médicos e não no Senhor” (2 Crônicas 16:12). Se podemos ser justos e perfeitos com imperfeições e erros, segue-se que a perfeição e justificação são imputativas, não transformativas, pois ninguém seria chamado de perfeito e totalmente justo se tivesse qualquer imperfeição em si.

Vemos o próprio caso de Jó, citado pelo cardeal, que diz que Jó era “perfeito e reto”, como exemplo de justificação transformativa, mas esquece que o próprio Jó disse a respeito de si:

“Na verdade, sei que assim é; porque, como pode o homem ser justo para com Deus?” (Jó 9.2).

“A ele, ainda que eu fosse justo, não lhe responderia; antes, ao meu Juiz pediria misericórdia” (Jó 9.15).

“Que é o homem, para que seja puro? E o que nasce de mulher, para ser justo?” (Jó 15.14).

Ora, essa perfeição não significa uma transformação, mas se pode ser chamado de perfeito e justo em detrimento de ter erros e imperfeições, a única alternativa possível é que essa perfeição e justiça são imputadas, não são transformativas.

Podemos trabalhar em outros exemplos citados pelo cardeal, ele cita o exemplo de Moisés dizendo: ‘Moisés era “fiel em toda a casa de Deus”. Ele cita Hebreus 3.5: “Moisés foi fiel como servo em toda a casa de Deus,”

Mas esquece que Moisés ficou fora da cidade prometida porque transgrediu a ordem divina:

Porquanto transgredistes contra mim no meio dos filhos de Israel, às águas de Meribá de Cades, no deserto de Zim; pois não me santificastes no meio dos filhos de Israel.” Deuteronômio 32:51

Ou seja, há perfeição em detrimento da imperfeição. A perfeição é imputativa, a imperfeição é inerente.

Cardeal cita o profeta Elias como justo, mas esquece que “Elias era uma pessoa frágil como nós.” Tg 5.17, “sujeito às mesmas paixões”, ou seja, as mesmas imperfeições. Justo, mas imperfeito, como diria Lutero: simul justus et peccator. A teologia católica romana não consegue explicar esses termos sem cair em contradição.

O cardeal cita Zacarias como homem justo, mas esquece que o próprio foi punido por Deus devido a sua falta de fé: “Agora você ficará mudo. Não poderá falar até o dia em que isso acontecer, porque não acreditou em minhas palavras, que se cumprirão no tempo oportuno”. Lc 1.20

O cardeal cita João Batista como exemplo de um homem justo, mas esquece que João duvidou do que ele mesmo disse, que Cristo era o Messias (Lc 7.19), ou seja, lhe faltou fé.

A Escritura prova que uma pessoa que crê em Cristo é simultaneamente justa e pecadora (simul justus et peccator), pois os vários exemplos citados nos revelam pessoas tidas por justas e perfeitas diante de Deus, mas que caíram em pecados, ou seja, não eram perfeitas. A teologia de romana divide a Escritura e observa somente o que lhe convém. Observa a perfeição do personagem, sem observar a imperfeição do personagem.

O senhor Armstrong continua:

Já respondi a isto, na minha discussão sobre “obras da lei”, mas se essa frase for simplesmente um sinônimo de “obras”, então ninguém poderia ser justificado pelas obras (sempre assumidas: ao lado ou como parte da fé ) . . No entanto, as Escrituras afirmam que Abraão, Finéias, Raabe, Abel e Noé foram todos justificados pelas obras (veja os exemplos acima no meu “tabela”). Portanto, se a minha escolha aqui for a opinião de Francisco, que é claramente contrária à da revelação inspirada da Bíblia, optarei sempre por esta última.

Que o leitor julgue se meus argumentos sobre a invalidade da distinção entre obras da lei e obras de caridade permanecem, ou não.

Aqueles entre os exegetas (protestantes) que seguem a Nova Perspectiva sobre Paulo são infinitamente mais qualificados do que eu para explicar melhor a distinção, por isso submeto-me a eles (por uma questão de qualidade e experiência de argumento e brevidade). Mas Paulo claramente não é contra as obras em si, em qualquer caso, como pode ser visto em muitas de suas passagens.

Já falei o porquê de não concordar com a NPP, aliás, já mostrei com fontes seguras que essa perspectiva é um envernização da heresia pelagiana, já refutada por Santo Agostinho.

Também já discuti longamente Tiago, por isso passo a comentar mais sobre esse assunto. Esta série já é muito longa e tediosa para começarmos a nos repetir. Devemos ter alguma misericórdia de nossos leitores! Vou, no entanto, abordar alguns novos aspectos levantados.

Concordo que já temos argumentos suficientes para os leitores julgarem por si.

O leitor deverá ter bastante atenção aqui:

Argumentei em meu texto anterior:

O argumento de São Tiago é do efeito para a causa, ou seja, ele começa com Gênesis 22, e só depois retorna ao antecedente que é Gênesis 15. Ele diz que Gênesis 22 é o cumprimento de Gênesis 15, ou seja, que Gênesis 22 é o efeito de Gênesis 15, e não o contrário, como deseja o Sr. Armstrong. Para que o Sr. Armstrong estivesse correto, ele teria que provar que as obras feitas por Abraão não foram um efeito da fé de Abraão em Gênesis 15.

O senhor Armstrong responde:

Isto distorce a minha posição (e a católica), que é a de que a justificação é contínua, e pode ser pela fé ou pela fé + obras (onde as obras são mencionadas como a causa, embora assuma também a presença da fé). Portanto, a ordem é irrelevante. Como argumentou Jimmy Akin, na minha citação da sua obra, Abraão foi justificado em Gênesis 12, novamente em Gênesis 15 e em Gênesis 22, “pelas obras”. Gênesis 12 é realmente pela fé e funciona em conjunto. Deus lhe disse para deixar sua casa e confiar nele para o futuro, e ele o fez (uma obra): “Então Abrão foi, como o Senhor lhe havia dito” (12:4). Depois ele construiu dois altares ao Senhor (novamente boas obras): 12:7-8.

Estamos analisando o argumento de São Tiago, não o argumento de Jimmy Akin. É fato que o primeiro ato de fé de Abraão é em Gn 12, mas São Tiago argumenta fundamentado em Gn 15 e Gn 22, e se quisermos saber o que São Tiago quer ensinar, devemos nos ater a esses dois textos, pois, São Tiago sendo um grande conhecedor das Escrituras, poderia muito bem se utilizar de Gn 12, mas não quis fazê-lo, portanto, esse capítulo é irrelevante nesse contexto de debate sobre a carta de São Tiago, pois São Tiago não o cita, embora seja relevante para um debate que explore o próprio texto de Gênesis em si, o que não é caso.

Quando São Tiago cita a obra justificadora de Abraão, não cita Gênesis 12, mas sim Gn 22. Tiago poderia tratar de outras obras, mas ele decide tratar do momento em que Abraão ia matar o próprio filho: “Porventura o nosso pai Abraão não foi justificado pelas obras, quando ofereceu sobre o altar o seu filho Isaque?” Tiago 2:21

Pergunto ao senhor Armstrong, em qual virtude moral ou teologal está enquadrada assassinar o próprio filho? Nenhuma! Essa obra não é inerentemente boa para justificar diante de Deus, ela é declarada justa pela fé, em detrimento de ser injusta em si mesma. O mesmo se aplica a Raabe, que São Tiago também cita como uma mentirosa justificada por boas obras, mas quando procuramos as boas obras, vemos que era uma mentira, não tinha nada de boa obra, ou seja, não era uma obra boa em si, mas foi declarada justa pela fé de Raabe. Os dois exemplos, assim como o de Fineias (um assassino), é um combo fulminante sobre a teologia católica romana que jamais conseguiria explicar como que uma obra pecaminosa pode ser declarada justa sem recorrer a uma justificação declarativa. Por outro lado, nós protestantes estamos sossegados, com uma doutrina que explica muito bem essa mecânica.

Hebreus descreve isso como “Pela fé Abraão obedeceu quando foi chamado para sair para um lugar que deveria receber como herança; e ele saiu, sem saber para onde iria” (11:8), então foi fé e obras. Abraão teve fé para crer em Deus (fé) e obedeceu-Lhe (uma obra). Gênesis 15 descreve a justificação pela fé, e Gênesis 22, a justificação pelas obras. Ambos/e .

O silogismo não se segue, onde está escrito no texto de Hebreus algo sobre justificação e onde está escrito que foram as obras que justificaram Abraão? Não podemos extrair do texto o que não tem nele, é uma eisegese.

Podemos dizer que suas boas obras fluíram e foram intrínsecas à sua fé. Nada disso representa qualquer problema para a visão católica. Mas é um enorme problema para a visão protestante, uma vez que só pode aceitar a justificação pela fé e não pelas obras, e porque estes três incidentes na vida de Abraão revelam três exemplos de justificação, tanto pela fé como pelas obras.

Não há problema algum para nossa teologia, pois ensinamos que a fé torna a obra justa, e sem fé, não há obra justa, pois e “tudo o que não provém da fé é pecado.” Rm 14.23, isso significa que não há boa obra feita por qualquer humano que seja boa em si mesma, para que ela gere um efeito justificador independente, mas é a fé que a torna justa, sendo a fé que a torna justa, segue-se que somente a fé é o depósito da justiça, ela é o depósito que justifica não só o homem como também suas obras.

Se for negado que Gênesis 12 seja uma justificação, então será necessário explicar como Hebreus 11:8 o descreve como Abraão exercendo fé. Isto deve ser justificação no sentido reformado porque o homem totalmente depravado (o “T” em “TULIPA”) não pode ter ou exercer a verdadeira fé. Então Abraão foi justificado então, e novamente três capítulos depois (aquele que Paulo observa, e os protestantes, em um sentido exclusivo) e novamente por obras sete capítulos depois disso. Extremamente antiprotestante!

Já foi afirmado por mim mesmo, citando outros autores protestantes, que em Gn 12 ocorre uma justificação. Porém, atentai bem ao que o autor de Hebreus diz: “Pela fé Abraão obedeceu quando foi chamado para sair para um lugar que deveria receber como herança; e ele saiu, sem saber para onde iria” (11:8). Notem que o texto começa pela fé, porque a fé é a fonte da justiça da obra, não é uma dupla fonte de justiça para que a fé e a obra possam justificar. O texto em momento algum ensina que Abraão foi justificado pela sua obra, ele apenas diz que Abraão teve fé e, por isso, agiu, isso não contradiz a teologia reformada. O senhor Armstrong comete o erro de pressupor que se a fé e obra estão juntas, então as duas devem justificar, mas demonstrei que isso é falacioso com diversos exemplos análogos, que não preciso repetir aqui. A fé é a única fonte de aquisição de justiça, seja das obras, seja do homem, pois vemos que mesmo obras demeritórias como mentir e assassinar, são tomadas com justas devido à fé.

Depois escrevi:

Por esta razão, São Tiago diz: “cumpriu-se a Escritura”, assim como Raabe, que foi justificada quando guardou os espias. Ora, justificada diante de quem? Não foi diante dos espias? Já tinha fé a prostituta Raabe, não tinha? “Pela fé, Raabe, a meretriz, não pereceu com os incrédulos, acolhendo em paz os espias.” Hebreus 11:31. Raabe já tinha fé, tendo manifestado sua fé diante dos homens. A fé somente justifica diante de Deus; a fé e as obras justificam diante dos homens. Como nós saberíamos da fé de Raabe se ela não tivesse ajudado os espias? E como os espias saberiam que ela tinha fé se não fossem ajudados? O autor aos Hebreus faz questão de ressaltar que todos estes, tendo tido testemunho pela fé Hebreus 11:39, ou seja, as ações dessas pessoas obtiveram o TESTEMUNHO, não a justificação. 

Armstrong responde:

A noção de ser justificado diante dos espiões é simplesmente lida na passagem (eisegese). Claro que ela tinha fé. Está sempre presente ao lado de boas obras. Mas, resultado final; quando as Escrituras apresentam palavras para descrever sua justificação, não foi pela fé:

Não é eisegese, pois é óbvio que os espiões a tiveram como justa quando dizem: “Então aqueles homens responderam-lhe: A nossa vida responderá pela vossa até à morte, se não denunciardes este nosso negócio, e será, pois, que, dando-nos o Senhor esta terra, usaremos contigo de misericórdia e de fidelidade.” Josué 2:14

Raabe alcançou o favor desses homens, eles não a tinham mais como culpada, além disso, eles reconheceram a fé que ela tinha no Deus vivo. O texto de Hebreus diz que ela “obteve o testemunho”. Simbolicamente, o texto apresenta que ela foi justificada quando diz que seriam julgados todos que estivessem fora de sua casa. Os espias mandaram Raabe colocar um fio vermelho em sua porta:

“Eis que, quando nós entrarmos na terra, atarás este cordão de fio de escarlata à janela por onde nos fizeste descer; e recolherás em casa contigo a teu pai, e a tua mãe, e a teus irmãos e a toda a família de teu pai. Será, pois, que qualquer que sair fora da porta da tua casa o seu sangue será sobre a sua cabeça, e nós seremos inocentes; mas qualquer que estiver contigo, em casa, o seu sangue seja sobre a nossa cabeça, se alguém nele puser mão.” Josué 2:18-19

Esse fio representa o sangue de Cristo, algo análogo ao que ocorreu no Egito quando o anjo da morte passou e nada ocorreu com quem estava com o sangue nas portas. Lembre-se, ninguém foi julgado, todos estavam livres, justificados se estivessem debaixo do sangue de Cristo, algo que o católico romano não tem a mínima noção do que é, pois, acredita que suas obras podem livrá-lo do julgamento, e, caso não consiga nessa terra, terá que sofrer no purgatório penas infernais para poder alcançar o céu. Tudo isso é uma negação do poder do sangue de Jesus, que justifica todo aquele que tem fé.

Explicando melhor: Foi preceituado ao povo de Israel que cada família sacrificasse um cordeiro e passasse seu sangue nas portas de suas casas “Em seguida, tomarão um pouco do sangue e o passarão nos batentes laterais e no alto das portas das casas onde comerem o animal.” Êxodo 12:7, depois Deus disse: “Nessa noite, passarei pela terra do Egito e matarei todos os filhos mais velhos e todos os primeiros machos dentre os animais na terra do Egito. Executarei juízo sobre todos os deuses do Egito, pois eu sou o Senhor. Mas o sangue nos batentes das portas servirá de sinal e marcará as casas onde vocês estão. Quando eu vir o sangue, passarei por sobre aquela casa. E, quando eu ferir a terra do Egito, a praga de morte não os tocará.” Êxodo 12:12,13

É notório que muitas pessoas que foram poupadas não era justas em suas obras, pois logo após saírem, no deserto, começaram a querer voltar para o Egito, tampouco, como é evidente, tinham uma grande fé, mas Deus livrou a todos do juízo devido à marca do sangue do cordeiro. É o sangue do cordeiro que justifica, não o tamanho da fé, não o tamanho das obras, não o seu esforço individual, suas penitências, sofrimentos autoinfligidos, nada disso, mas somente o sangue do cordeiro que nos livra de todo juízo. Deus não perguntou quem tinha uma grande fé, quem tinha muitas obras, quem uma pessoa melhor e a que era pior, ele simplesmente olhou para o sangue do cordeiro, e a única forma de temos o sangue do cordeiro sobre nós, é através da fé. O católico romano tem total desconhecimento do que é essa graça, esse descanso no sangue do cordeiro. Se o católico romano estivesse no Egito, ele passaria o sangue do cordeiro e procuraria fazer uma melhoria na própria casa, para que pudesse evidenciar que aquela casa era de um israelita, talvez colocar um candelabro do lado de fora, pois pensa que quanto mais se fizer, mais Deus se agradará e a justificará, mas isso é assim por não creem que somente uma gotinha do sangue de Cristo nos livra de toda culpa.

O caso de Raabe é análogo a esse evento. Quando o sangue de Cristo estava em sua porta, cessou todo juízo. É a única obra que precisamos, a obra de Cristo na cruz.

Portanto, a Bíblia diz que ela tinha “fé” (Hb 11:31), mas quando descreve a sua justificação, menciona especificamente obras. Fé + obras não é problema para nós ( ambos/e ), mas é para uma visão protestante falsamente dicotômica “fé somente ” / “justificação somente pela fé” ( ou/ou ).

O texto cita a obra como consequência da fé, não como fonte de justificação. Tampouco fazemos qualquer dicotomia, isso seria verdadeiro que defendêssemos o antinomianismo, o que o próprio senhor Armstrong concede ser falso. O senhor Armstrong deve ser coerente com o que afirma, pois nega que defendemos o antinomianismo, mas, simultaneamente, nos acusa de fazê-lo, como se negássemos a necessidade das boas obras.

Atentai o leitor, novamente, para a contradição do senhor Amrstrong:

Outro texto citado é Romanos 2.13, que diz: Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados. Romanos 2:13 Mas não foi o próprio Armstrong quem disse que as obras que justificam não são obras da lei? Não foi ele quem disse que São Tiago não está a falar de obras da lei? Então como estes dois termos, de Rm 2.13 e os textos de São Tiago 2.21, podem ser equivalentes se na mente do senhor Armstrong tratam de obras diferentes?

O senhor Armstrong, como nos evidente, afirmou diversas vezes que as obras da lei não justificam, mas as obras de caridade justificam. Ele usou diversas vezes essa distinção para manter seu posicionamento diante das declarações do apóstolo Paulo como “visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado.” Rm 3.20

Novamente:

“Concluímos, pois, que o homem é justificado pela fé, independentemente das obras da lei.” Rm 3.28

O senhor Armstrong continuamente usou a distinção entre obras da lei e obras de caridade para defender que esses textos não falavam de uma justificação pelas obras de caridade, mas somente obras da lei, mas contraditoriamente usou um texto que, supostamente, ensina uma justificação pelas obras, mas o texto fala de obras da lei. Vejam:

“Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados.” Romanos 2:13

Pergunto ao senhor Armstrong, onde está a distinção entre obras da lei e obras de caridade se, segundo o seu parecer, as obras da lei justificam? É contraditório negar, durante o debate inteiro, que as obras da lei justificam, e usar o versículo que, supostamente, diz que as obras lei justificam.

Se as obras da lei justificam, então prova-se, pela doutrina de Roma, que não há distinção entre obras da lei e obras de caridade, e os teólogos de Roma terão que explicar todos os textos em que o apóstolo Paulo exclui das obras da lei do processo de justificação.

O senhor Armstrong responde que:

“Obras da lei” é uma descrição técnica , conforme explicado. Eles eram identificadores particulares da identidade judaica.

Então isso confirma que Paulo não quer dizer que essas obras justificam, mas se assim for, por que foi usado para provar o contrário?

Depois disputamos sobre o sentido da palavra grega “dikaioo”, que é a palavra usada por São Tiago para se referir à justificação. Argumentei que a palavra usada significava atribuir justiça, declarar justo ou imputar justiça, com vários textos paralelos.

O senhor armstrong respondeu:

Francisco argumenta que dikaioo tem significados diferentes (como, aliás, a maioria das palavras bíblicas tem) e que em Tiago o seu uso é consistente com a interpretação protestante. Receio que terei de transmitir isto também, porque entrar no significado das palavras até esse ponto exigiria muito trabalho (e já estou exausto com esta gigantesca resposta em três partes) e entediaria nossos leitores em pelo menos 90% do trabalho.

Peço aos leitores que leiam o que escrevi e quantas afirmações e conclusões importantes o senhor Armstrong deixou de abordar. Escrevi assim:

Por exemplo, a palavra “dikaioo” citada pelo senhor Armstrong. A palavra é usada justamente no sentido em que os protestantes usam. Vejam: a palavra grega “dikaioo” pode significar “atribuir justiça”, como em Romanos 4.5, ou “mostrar-se justo” como em Lucas 7.35. Em Lc 7.35 o Senhor Jesus diz que a “Sabedoria é JUSTIFICADA (dikaioo) por seus filhos”, em uma passagem paralela o Senhor Jesus diz: Entretanto, a sabedoria é justificada (dikaioo) pelas suas obrasMateus 11:19. A palavra usada aqui é a mesma usada em Tiago quando diz: Vedes então que o homem é justificado (dikaioo) pelas obras, e não somente pela féTiago 2:24. Ou seja, assim como a sabedoria é demonstrada pelos seus frutos, a alegação de fé de Abraão foi justificada (demonstrada) pela sua obediência. Também usado em Lc 16.15: Vocês são os que se justificam (dikaioo) diante dos homens, mas Deus conhece o coração de vocês; pois aquilo que é elevado entre homens é abominação diante de Deus. Mesmo o texto de Rm 4.2, citado por Armstrong como prova, fala em nosso favor, pois o texto diz: Porque, se Abraão foi justificado pelas obras, tem de que se gloriar, mas não diante de DeusRomanos 4:2. O texto não diz que Abraão foi justificado diante de Deus. Se tivesse de se gloriar de algo, que fosse diante dos homens.

Outro texto citado é Romanos 2.13, que diz: Porque os que ouvem a lei não são justos diante de Deus, mas os que praticam a lei hão de ser justificados (Romanos 2:13). Mas não foi o próprio Armstrong quem disse que as obras que justificam não são obras da lei? Não foi ele quem disse que São Tiago não está a falar de obras da lei? Então como estes dois termos, de Rm 2.13 e os textos de São Tiago 2.21, podem ser equivalentes se na mente do senhor Armstrong tratam de obras diferentes? Porém, para nós protestantes o texto se encaixa, pois cremos que os dois textos tratam da justificação diante dos homens. Como veem, o arrazoado do senhor Armstrong nada prova contra nós, senão que prova nossa tese.

Os protestantes dizem que isto é “ justificação diante dos homens”; dizemos que é fé e obras trabalhando juntas de forma orgânica. O resultado prático é o mesmo . Francisco e eu, enquanto discutimos todos estes pontos abstratos, concordamos que os cristãos devem ter fé (que é capacitada por Deus) e sair e fazer boas obras, para serem testemunhas do amor de Cristo ao mundo carnal, moribundo e incrédulo. . Prefiro trabalhar numa cozinha comunitária ou ajudar uma mulher solteira e problemática num centro de gravidez em crise com Francisco do que envolver-me nestas discussões tediosas, por vezes francamente “bizantinas”, sobre palavras. Mas do jeito que está, sou um apologista e estamos a milhares de quilômetros de distância. Então faço isso, mas sob certo “protesto”.

Como podem ver, há apenas uma manifestação de piedade do senhor Armstrong, elogiável, mas não há uma resposta técnica ao meu arrazoado. Debater é trabalhoso, mas se ficará sem resposta, considero o argumento como estabelecido.

Disputamos sobre as supostas várias justificações de Abraão:

O senhor Armstrong ecoa o argumento de Jimmy Akin defendendo que em Gn 12 já justificação, mas Paulo refere-se a Gn 15 como sendo justificador. Na mente de Jimmy Akin, já que há duas justificações, então a justificação é um processo, não um ato único.

Respondi:

1 – O primeiro ponto é que nenhum protestante jamais afirmou que a primeira vez em que Abraão foi justificado se deu no evento de Gn 15. Tanto Lutero, quanto Calvino e exegetas modernos como Robertson e Carson confirmam que a justificação se deu em Gn 12, ou até mesmo antes, pois Santo Estevão diz que Abraão foi chamado da terra de Ur dos caldeus.

Armstrong disse que gostou da resposta.

Após isso falei:

Quem utiliza este texto como prova da justificação somente pela fé e não pelas obras é São Paulo na Carta aos Romanos. Os protestantes apenas ecoam sua voz. São Paulo tinha um objetivo ali: mostrar que a justificação se dá somente pela fé, ou seja, que Abraão creu e isso lhe foi imputado (não infusa a justiça, como pensam os católicos romanos) por justiça. São Paulo escolhe este texto pelo simples fato de ser o primeiro texto a falar de fé na Escritura. Ele não estava querendo ensinar quando essa justificação se deu, mas mostrar como essa justificação se dava: não se dava pelas obras da lei, fossem cerimoniais, civis, morais (ou seja, do decálogo), ou obras de quaisquer espécies (como já foi demonstrado nesse artigo).

Interessante. Portanto, Gênesis 15 está simplesmente se referindo a Gênesis 12 nesta visão. Mas há um sério problema com esta interpretação: Gênesis 12 e 15 descrevem claramente dois eventos completamente diferentes: sendo o último mais tardio que o primeiro (provavelmente um período de tempo considerável) Em Gênesis 12 Abraão estava em Harã(na atual Turquia). Depois ele viajou para Siquém, em Canaã (12:6), Betel (12:8) e para o deserto de Neguev (12:9), bem como para o Egito (12:10-20). Depois disso, ele voltou para o Neguebe (13:1) e para Betel (13:3), deixou seu sobrinho Ló ficar com a terra perto de Sodoma (13:8-11) e habitou em algum lugar de Canaã (13:12), eventualmente estabelecendo-se em Hebron (13:18). Depois ele se envolveu em batalhas perto do Mar Morto (14.1-17), encontrou Melquisedeque nas proximidades de Jerusalém (14.18-20) e negociou com o rei de Sodoma (14.21-24).

O senhor Armstrong interpretou errado o que eu disse. Não disse que os dois eventos são os mesmos, mas que o primeiro texto em que é mencionada a justificação pela fé é em Gn 15. Uma coisa é quando ocorreu, outra é quando aparece o termo na Escritura. O que falei foi que pelo fato do termo ter aparecido a primeira vez em Gn 15, esse foi o texto escolhido por São Paulo. A questão é que Jimmy Akin erra ao querer extrair os ensinamentos de Gênesis melhor do que o apóstolo Paulo. O que afirmo é que há uma intenção no apóstolo ao escolher um texto em detrimento de outro, que é ensinar que a justificação se dá somente pela fé. Ao incluir o texto de Gênesis 12, o apologista Jimmy Akin pode ampliar o debate sobre o Gênesis, mas não pode incluir na exegese do apóstolo Paulo um texto que não foi citado por ele, e ainda extrair conclusões paulinas a partir disso. A exegese bem feita demanda extrair a intenção do autor, na medida em que eu introduzo meu pensamento no pensamento do autor, já faço eisegese. Em meu ver, Akin fez uma exemplar eisegese.

Tampouco fala a favor do senhor Armstrong se escritura revela vários momentos de justificação na vida de Abraão, isso porque, em momento algum, as obras aparecem como fonte dessa justificação. Sempre que o termo justificação aparece, não aparece em conjunto com as obras. Se as obras não aparecem, tampouco foi um processo, mas um recurso didático para nos ensinar como se dá a justificação, somente pela fé.

Notem como é constrangedor para o senhor Armstrong tentar achar as obras como fonte de justificação no livro de Gênesis. Se não há obras, onde está a doutrina de Roma? Em todos os momentos há somente a fé, isso demonstra o caminho da justiça de Abraão, andando de fé em fé, pois do “justo viverá pela fé”, dia-após-dia, debaixo da declaração de justiça do Cristo crucificado. O senhor Armstrong para fugir dessa objeção, diz que a palavra “fé” não aparece em Gênesis, como se o apóstolo Paulo tivesse errado ao atribuir o ato de crer à fé de Abraão e a contrapor a qualquer tipo de boa obra.

O senhor Armstrong descreve toda a vida de Abraão, suas viagens, à procura de demonstrar que as obras estavam justificando Abraão, mas como é notório, todas às vezes que o tema da justificação surge, está somente a fé, nunca as obras. Onde está senhor Armstrong o texto, um único texto sequer, no livro de Gênesis que associe qualquer obra à justificação? Mesmo que cite a interpretação de São Tiago, onde diz que Abraão foi justificado ao levar seu filho para ser sacrificado, que, segundo a visão católica romana, essa justificação se dá diante de Deus, terá que encarar e responder o porquê Abraão já foi justificado, totalmente justificado, muito antes desse evento. O senhor Armstrong poderá dizer que se trata de uma justificação inicial, quando nada no texto afirma isso, pelo contrário, ele não fala de um início da justificação, mas de uma justificação completa. É verdade que afirmei que Abraão perdeu a fé, mas é importante salientar que uma coisa é o dom da fé, esse não se perde, e é esse dom que justifica, mas Abraão não exerceu esse dom, podendo ser contado como ter perdido a fé, mas não absolutamente, somente por um certo ângulo, o mais apropriado seria dizer que Abraão fraquejou na fé. Isso nada tem a ver com o concubinato, mas por não crer na promessa divina de lhe conceder um filho. Não só ele, como Sarah zombaram do anjo que lhe anunciou o nascimento de Isaac, o filho da velhice. Por isso havia uma necessidade de um teste, para expor e testemunhar ao mundo que a fé de Abraão estava viva, ou seja, uma justificação diante dos homens.

A contradição do argumento do senhor Armstrong fica patente em suas próprias palavras:

A justificação é um processo porque a Bíblia diz que Abraão foi justificado pelo menos três vezes (estas são as únicas vezes que foram mencionadas ).

Abraão foi justificado ou estava se justificando? Justificado é um termo que designa uma justificação completa, não somente inicial, mas completo.

Após isso, entramos no meu principal argumento e o principal fundamento da justificação pela fé, que é a obra de Cristo na cruz e seu efeito sobre o homem.

O senhor Armstrong deixou de responder grande parte do meu discurso, alegando já tê-lo feito. Como veremos adiante, isso não é verdade, pois aqui mesmo demonstrarei que ele sequer entendeu o que argumentei, não por falta de inteligência, mas por ser um argumento e uma verdade da Escritura totalmente estranho à experiência religiosa do católico romano.

Coloquei a seguinte questão:

São Paulo diz: “Cristo, que era sem pecado, foi feito pecado por nós” (2Co 5.21). Notem que Cristo levou os nossos pecados de uma vez por todas, não por um processo. Somado a isto, Cristo leva nosso pecado de forma declarativa, pois de outro modo teríamos que dizer que Cristo se tornou inerentemente um pecador, o que seria blasfêmia, não houve uma infusão de pecado em Cristo, mas ainda assim foi tido como pecador. Assim, a justiça de Cristo que é derramada sobre nós, semelhantemente, é declarativa

O senhor Armstrong respondeu que embora a obra de Cristo seja completa na cruz, ela se desenrola em nossa vida como um processo, o que inclui a justificação. Após isso vem a declaração do senhor Armstrong que, em meu ver, demonstra que ele não entendeu o raciocínio, ele diz:

Jesus não tem pecado algum, em nenhum sentido. Declarar isso é blasfêmia. As Escrituras não são literais ao se referirem a Ele sendo “feito pecado”. Isso significa que Ele morreu pelos nossos pecados.

Ele negou o texto bíblico dizendo que o apóstolo não falou literalmente que Cristo “foi feito pecado”, para depois afirmar que Cristo não tem pecado em nenhum sentido. Ora, mas se não é em nenhum sentido, então o apóstolo não poderia ter feito essa afirmação em nenhum sentido, mas fez. Blasfêmia é a consequência do ensino católico romano, pois se forem coerentes, terão que afirmar que Cristo se tornou pecador inerentemente, como provarei a seguir.

A questão é que Cristo não se torna pecador por infusão, mas por declaração. Assim, Cristo também se tornou maldito, não inerentemente, mas declarativamente: “Foi Cristo quem nos redimiu da maldição da Lei quando, a si próprio se tornou maldição em nosso lugar, pois como está escrito: “Maldito todo aquele que for pendurado num madeiro”. Gl 3.13.

Mas se Cristo foi feito pecado e maldição, como afirmam cristalinamente os textos, só pode ter sido por imputação de nossos pecados e da nossa maldição, nunca por infusão, pois Cristo é santíssimo e não pode ser transformado em pecador. Portanto, um pecador é justificado diante de Deus porque a justiça de Cristo é imputada sobre ele. Agora, se alguém disser que o homem é justificado pela justiça infusa, então, pela mesma razão, deverá afirmar que Cristo foi feito pecado e maldito pela infusão de pecado, e isso, sim, é uma blasfêmia. É uma conclusão necessária do ensino católico romano, que, obviamente, negarão sua consequência, mas não sem perda da coerência.

O mesmo diz o profeta Isaías, que Cristo não cometeu justiça alguma:

9”Deram-lhe uma sepultura com os ímpios, e ficou com o rico na sua morte, embora jamais tivesse cometido injustiça, nem houvesse qualquer engano ou inverdade em sua boca.” Is 53.9

Ainda assim foi contado entre os criminosos e sobre ele estava nosso pecado:

“Por este motivo Eu lhe darei uma porção generosa entre os grandes, e ele dividirá os despojos entre as multidões, porquanto ele derramou a sua própria vida até a morte, e foi contado entre os criminosos. Portanto, ele levou sobre si o pecado de muitos e pelos transgressores intercedeu.” Is 53.12

São Pedro dirá:

“Ele levou pessoalmente todos os nossos pecados em seu próprio corpo sobre o madeiro, a fim de que morrêssemos para os pecados e, então, pudéssemos viver para a justiça; por intermédio das suas feridas fostes curados.” 1 Pe 2.24

Notem, a doutrina reformada da justificação diz que os homens são contatos como justos, porque levam sobre si a justiça de Cristo, pois Cristo foi contado entre os criminosos, porque levou sobre si os nossos pecados. A fórmula é bem simples. Por essa razão Cristo foi punido pelo Pai, pois Cristo foi contato entre os pecadores, para nos livrar da nossa maldição: “Todos nós andávamos desgarrados como ovelhas; cada um se desviava pelo seu caminho; mas o Senhor fez cair sobre ele a iniquidade de nós todos.” Isaías 53:6 e “Todavia, ao Senhor agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do Senhor prosperará na sua mão.” Isaías 53:10

Isso está prenunciado no sacrifício do cordeiro no Antigo Testamento, pois o sacerdote colocava todo o pecado do povo sobre o bode, esse bode, agora tido como culpado por levar os pecados dos homens sobre si, não como se ele mesmo fosse um pecador, pois animais brutos não pecam, mas ele era declarado pecador e era punido por isso, limpando todo o pecado do povo:

“Concluída a expiação do Lugar Santíssimo, da Tenda do Encontro e do altar, fará aproximar-se o bode ainda vivo. 21Arão porá ambas as mãos sobre a cabeça do bode e confessará sobre ele todas as iniquidades e rebeliões dos israelitas, todos os seus pecados, e os porá sobre a cabeça do bode. Em seguida enviará o bode para o deserto, aos cuidados de um homem designado para isso. 22O bode carregará consigo todas as iniquidades do povo para um lugar solitário. E o homem soltará o bode no deserto.” Lv 16.20-22.

Concorda conosco Santo Hilário de Poitiers:

Cristo nos redimiu da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós, pois está escrito: maldito seja todo aquele que estiver pendurado no madeiro. Assim, Ele se ofereceu à morte do maldito para quebrar a maldição da Lei, oferecendo-se voluntariamente como vítima a Deus Paia fim de que por meio de uma vítima voluntária a maldição que acompanhou a vítima comum pudesse ser removida. Agora, a menção desse sacrifício é feita em outra passagem dos Salmos: Sacrifício e oferta não quiseste, mas um corpo preparaste para mim. Isto é, oferecendo a Deus Pai, que recusou os sacrifícios da Lei, a oferta aceitável do corpo que Ele recebeu. Sobre isto fala o santo apóstolo: Por isso El o fez de uma vez por todas quando ofereceu a si mesmo [Hebreus 7:27], garantindo a salvação completa para a raça humana pela oferta desta vítima santa e perfeita.” (https://www.newadvent.org/fathers/3303053.htm)

Também Crisóstomo:

Se alguém que era Ele próprio um Rei, contemplando um ladrão e malfeitor sob punição, desse o seu Filho Amado, seu unigênito e verdadeiro, para ser morto; e também transferisse a morte e a culpa dele para o seu filho (que não era ele próprio de tal caráter), para que ele pudesse salvar o condenado e livrá-lo da sua má reputação (…) (https://www.newadvent.org/fathers/220211.htm)

Novamente:

Mas agora Ele tanto realizou coisas poderosas como também permitiu que aquele que não fez nada de errado fosse punido por causa daqueles que fizeram o mal. Ele não disse isso, mas mencionou aquilo que é muito maior do que isto. O que seria então? Aquele que não conheceu pecado, ele diz, aquele que era a própria justiça, Ele o fez pecado. Ele é condenado como pecador, como alguém que está amaldiçoado para morrer. Pois, maldito é aquele que é pendurado numa árvore. Morrer assim era muito maior do que apenas morrer. E isto ele também por implicação diz em outro lugar “Tornando-se obediente até a morte, sim, a morte de cruz”, pois isto trazia consigo não só castigo, mas também a  desgraça. (https://www.newadvent.org/fathers/220211.htm)

Novamente:

Cristo nos resgatou da maldição da Lei, fazendo-se maldição por nós: pois está escrito: Maldito todo aquele que estiver pendurado no madeiro (Gálatas 3:13). Na realidade, o povo estava sujeito a outra maldição, que diz: Maldito todo aquele que não continuar nas coisas que estão escritas no livro da lei. Eu digo que a esta maldição as pessoas estavam sujeitas, pois nenhum homem havia continuado ou era um guardador de toda a Lei; mas Cristo trocou esta maldição pela outra – maldito todo aquele que estiver pendurado em uma árvore. Como então, tanto aquele que está pendurado em uma árvore quanto aquele que transgride a Lei são amaldiçoados, e como era necessário para aquele que está prestes a se libertar de sua própria maldição receber outra em seu lugar, então Cristo tomou sobre si a outra [maldição] e assim nos livrou da nossa própria maldição. Era como um homem inocente se comprometendo a morrer por outro que estava condenado à morte, e assim resgatá-lo do castigo. Assim, Cristo tomou sobre Si não a maldição da transgressão, mas a outra maldição, a fim de remove-la dos outros. Pois, Ele não havia cometido violência nem havia engano em Sua boca. E como ao morrer, ele resgatou da morte os que estavam morrendo, também tomando sobre Si a maldição, Ele os livrou dela. (https://www.newadvent.org/fathers/23103.htm)

Cirilo de Alexandria:

Levando a Cruz sobre os Seus ombros, sobre os quais Ele estava prestes a ser crucificado, Ele partiu. A sua desgraça já estava fixada, e Ele tinha sofrido, para nosso bem, embora inocente, a sentença de morte. Pois, na Sua própria pessoa, Ele suportou a sentença pronunciada com justiça contra os pecadores pela Lei (…) Portanto, Ele que não conheceu nenhum pecado foi amaldiçoado para nosso bem, para que Ele nos livrasse da velha maldição. Pois tudo-suficiente era o Deus que está acima de tudo, morrendo por todos; e pela morte do Seu próprio Corpo, comprando a redenção de toda a humanidade (…) Ele tomou sobre Si a Cruz que nos era devida, passando sobre Si a condenação da Leipara que a boca de toda a iniquidade pudesse de agora em diante ser detida, de acordo com o ditado do Salmista; o Sem Pecado tendo sofrido a condenação pelo pecado de todos.” (https://www.tertullian.org/fathers/cyril_on_john_12_book12.htm)

A morte era o nosso destino, na medida em que pelo pecado tínhamos caído sob a maldição divina. Mas quando o Salvador de si mesmo, por assim dizer, assumiu a acusação, transferiu para si o que nos era devido, e deu a Sua vida, para que pudéssemos ser enviados para longe da morte e da destruição.  (https://www.tertullian.org/fathers/cyril_on_luke_05_sermons_47_56.htm)

Eusébio de Cesaréia:

Mas desde que estando em semelhança de carne pecaminosa, Ele condenou o pecado na carne, as palavras citadas são usadas corretamente. E no sentido de que Ele tornou seus os nossos pecados por Seu amor e benevolência para conosco (…) O Cordeiro de Deus (…) foi castigado em nosso favor e sofreu uma punição que Ele não devia, mas que devíamos por causa da multidão de nossos pecados. Assim, Ele se tornou a causa do perdão dos nossos pecados, porque Ele recebeu a morte por nóse transferiu para Si o açoite, os insultos e a desonra que eram devidos a nós, e atraiu sobre Si a maldição partilhada, sendo feito maldição por nósE o que é isso senão o preço de nossas almas? E assim o oráculo diz em nossa pessoa: “Pelas suas pisaduras fomos curados” e “O Senhor o entregou por nossos pecados”. (https://www.tertullian.org/fathers/eusebius_de_12_book10.htm)

Novamente:

O Cordeiro de Deus é feito pecado e maldição – pecado pelos pecadores do mundo e maldição por causa daqueles que permanecem em todas as coisas escritas na lei de Moisés. E assim diz o Apóstolo: “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós”; e “Aquele que não conheceu pecado, por nós ele o fez pecado.” (https://www.tertullian.org/fathers/eusebius_de_03_book1.htm)

Novamente:

[Moisés] diz claramente que o sangue das vítimas mortas é uma propiciação no lugar da vida humana. E a lei sobre os sacrifícios sugere que isso deve ser respeitado, se for considerado cuidadosamente. Pois, é necessário que aquele que está sacrificando sempre coloque suas mãos sobre a cabeça da vítima, e leve o animal ao sacerdote seguro por sua cabeça, como quem oferece um sacrifício em seu nome. Assim, ele diz em cada caso: “Ele o trará perante o Senhor e porá as mãos sobre a cabeça da oferta.” Esse é o ritual em todos os casos, nenhum sacrifício é feito de outra forma. E então o raciocínio sustenta que as vítimas são trazidas no lugar das vidas daqueles que as trazem. (https://www.tertullian.org/fathers/eusebius_de_03_book1.htm)

Eusébio explica:

Ele então (…) marcamos nele todos os nossos pecadose fixamos nele também a maldição que foi decretada pela lei de Moisés, como Moisés predisse: “Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro.” Ele sofreu isso “sendo feito maldição por nós; e fazendo-se pecado por nós.” E então “Ele que não conheceu pecado foi pecado por nós “, e colocou sobre Ele todas as punições devidas a nós por nossos pecados, os grilhões, os insultos, as injúrias, o açoite, os golpes vergonhosos e o troféu coroado da Cruz. (https://www.tertullian.org/fathers/eusebius_de_03_book1.htm)

Atanásio de Alexandria:

Pois, ao receber nossas enfermidades, é dito que Ele próprio está enfermo, embora não seja enfermo, pois Ele é o Poder de Deus, e Ele se tornou pecado por nós e uma maldição, embora não tendo pecado a Si mesmo, mas porque Ele mesmo carregou nossos pecados e nossa maldição. (Quatro discursos contra arianos)

Novamente, no mesmo local:

Meu Pai preparou para mim um corpo e criou-me para os homens a fim de sua salvação. Pois, como quando João diz: “A Palavra se fez carne”, não concebemos o própria Palavra inteira como carne, mas ter se revestido de carne e se tornado homem, e ao ouvir que Cristo se tornou uma maldição por nós e que “Ele fez pecado por nós aquele que não conhecia pecado” nós simplesmente não concebemos que todo o Cristo se tornou maldição e pecado, mas que Ele levou sobre Si a maldição que estava contra nós.

Como podemos constatar, o senhor Armstrong terá que anatematizar muita gente por blasfêmia, mas eu não, porque a teologia reformada repousa solidamente nos grandes teólogos. Cristo se fez pecado e maldito sem ser inerentemente pecador e maldito, e essa situação só pode ser explicado pela imputação.

O católico romano deve conviver com esse trilema, entre negar o ensino bíblico de que Cristo levou nossos pecados sobre si, sendo declarado pecador e maldito (o que o senhor Armstrong já negou), aceitar que Cristo foi justo e pecador, pois era justo inerentemente e pecador e maldito declarativamente, ou cair na blasfêmia de afirmar que Cristo se tornou pecador por infusão de pecado (o que o senhor Armstrong nega).

Duas das três proposições são negadas pelo senhor Armstrong, portanto, sobra que ele deve negar, se quiser se manter coerente, que a justificação é por infusão e aceitar o ensino Bíblico de que a justificação é por imputação.  

Deus os abençoe.

Uma resposta em “Justificação pela fé: perspectiva protestante (contra Armstrong): Rodada 3. Parte 3.”

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