Categorias
Arminianismo Calvinismo Concorrência Providência

Armínio e Calvino e a autoria do mal: uma refutação a Anderson de Paula

Anderson de Paula, administrador da página Arminianismo da Zueira, escreveu um texto em seu facebook com os fins de defender a doutrina da concorrência arminiana. Até aí tudo bem, a questão é que ele estava defendendo o concursus providencial divino arminiano de supostos ataques calvinistas que estavam dizendo que Armínio defendeu que Deus era o autor do pecado e do mal. Aqui iremos refutar seu artigo parte por parte, corrigindo erros e expondo a incoerência do autor do post. O post dele estará em vermelho e minha resposta estará em preto.


Alguns Calvinistas estão pegando textos de Armínio para falar que Deus é o autor do mal e do pecado. Eles confundem a Doutrina da concorrência Divina (que é completamente permissiva ) com determinismo Divino. Roger Olson já escreveu sobre e eu logo foi fazer um vídeo para falar desta doutrina.


Um dos motivos que me levou a escrever essa refutação, foi o fato de que eu trouxe esses textos à tona, porém, como podem ver no link colocado, a ideia era trazer uma reflexão, pois, o mesmo Anderson de Paula sempre alega que Calvino disse que Deus era autor do pecado e do mal, e provaremos hoje que esse ato é incoerente, uma vez que a doutrina da concorrência arminiana também prega uma participação direta e ativa de Deus na produção dos efeitos, ou seja, na produção dos atos humanos. 

O primeiro ponto que vamos clarificar, é essa afirmação de que a concorrência divina no arminianismo é totalmente permissiva, isso é verdade, mas isso também não quer dizer que Deus não colabore de forma ativa com o ato pecaminoso, permissividade não significa passividade no pensamento arminiano, veja o que Armínio diz:


1. Com respeito ao início do pecado, atribui os seguintes atos à providência de Deus: Em primeiro lugar,a permissão, NÃO OCIOSA, mas a que une quatro atos POSITIVOS:

(1.) A preservação da criatura, com respeito à essência, vida e capacidade.

(2.) O cuidado para que um poder maior ou igual não seja colocado na oposição.

(3.) A oferta de um objeto contra o qual o pecado será cometido.

(4.) A concessão destinada de sua cooperação, que, devido à dependência que uma segunda causa tem da primeira, é uma cooperação necessária.
Em segundo lugar, a administração de argumentos e ocasiões, que convidam à perpetração do pecado.
Em terceiro lugar, a determinação de lugar, tempo, maneira e circunstâncias similares.
Em quarto lugar, a cooperação imediata, propriamente dita, de Deus, com o ato do pecado. (ARMÍNIO, J. As Obras de Armínio. CPAD. Vol 2. 2015. p 549-550.)


Note que o que se chama permissão em Armínio, está no mesmo sentido que Calvino aplica em seus textos, ou seja, que a permissão não é indolente, Deus não cruza os braços e espera algo acontecer, muito pelo contrário, Deus coopera imediatamente. O termo imediato na filosofia escolástica, que foi a cultura em que Armínio foi criado, quer dizer diretamente, como uma água que molha uma mão, em contraste com a colaboração mediata, quer dizer, indireta como pregada Guilherme Durando e seus seguidores. Então vejamos, para Armínio Deus: 

1 – Preserva o ato pecaminoso.

2 – Cuida para que ele aconteça. 

3 – Administra o ato pecaminoso.

4 – Determina o lugar e circunstâncias em que acontece o ato pecaminoso.

5 – Coopera diretamente com o ato pecaminoso. 

Agora vejam, imagina só se fosse João Calvino falando isso! Pronto, a crítica estava feita, agora, amigos arminianos, usem do mesmo critério que usam com os calvinistas com o próprio Armínio, se puderem ser coerentes. 


A Doutrina Arminiana da Concorrência Divina.


Deus tanto permite quanto efetua um ato pecaminoso, como a rebelião de Adão, porque nenhuma criatura pode agir à parte do auxílio de Deus. Em muitos dos seus escritos, Arminius explica cuidadosamente a concorrência divina, que é sem dúvida o aspecto mais sutil da sua doutrina da soberania e providência. Por ela Deus é a causa primeira de tudo que acontece; mesmo um ato pecaminoso não pode ocorrer sem Deus como sua causa primeira, porque criaturas não têm a capacidade de agir sem seu Criador, o qual é a sua causa suprema de existência…


Aqui não temos nada a criticar, de fato. A grande questão é porque quando Calvino fala a mesma coisa, ele é julgado de forma diferente, vejam:


Só porque afirmo e mantenho que o mundo é dirigido e governado pela secreta providência de Deus, uma multidão de homens presunçosos se ergue contra mim alegando que apresento Deus como sendo o autor do pecado. (CALVINO, J. Dedicatória do comentário de Salmos. Vol 1. p 37) 

Qual a diferença entre o argumento de Calvino e o argumento de Armínio? NENHUMA.  A diferença está nos olhos de quem ver.


Arminius argumentava que quando Deus permite um ato, Deus jamais nega a concorrência para uma criatura racional e livre, pois isto seria contraditório. Em outras palavras, uma vez que Deus permite um ato, mesmo um ato pecaminoso, ele não pode consistentemente reter o poder de cometer tal ato. Porém, no caso dos atos pecaminosos ou malignos, ao passo que o mesmo evento é causado por Deus e o homem, a culpa do pecado não é transferida para Deus, porque Deus é o efetivador do ato mas somente o permissor do pecado em si.


Como já demonstramos, essa permissão não é indolente, ela envolve 4 atos POSITIVOS, Deus não é passivo nessa ação. Nas palavras de Armínio: A orientação do pecado é um ato da Providência Divina, pela qual Deus, de uma maneira extremamente sábia e poderosa, orienta o pecado para onde deseja. (ARMÍNIO, J. As Obras de Armínio. CPAD Vol 1, p. 566-567) Vejam não é uma simples permissão, Deus não só tem o controle exaustivo da situação, como também a orienta para onde quer, ou seja, se o estupro aconteça, foi porque Deus quis, não só porque Deus permitiu a “contragosto” como diz Olson, isso é uma deturpação do pensamento de Armínio. O próprio Olson afirma: 


A cooperação de Deus e seu consentimento e cooperação com as decisões e ações das criaturas. Nenhuma criatura poderia decidir ou agir sem o poder cooperativo de Deus. Para que alguém levante o seu braco ele (a) precisa da cooperação de Deus; Deus empresta (na maneira de falar), o poder suficiente para levantar um braco, e sem a cooperação de Deus mesmo tal ação, tão trivial, seria impossível (OLSON, R. Arminianismo. Mitos e Realidades. Reflexão. 2013. p 151 )


Agora, julguemos os arminianos com o mesmo barema que eles impõe aos calvinistas. Segundo Olson, se um homem desejar dá uma facada em outro homem, Deus coopera com essa facada, ele não só permite, ele preserva e coolabora com o ato pecaminoso. Imagine só um homem chegando para você e pedindo um dinheiro emprestado para comprar um veneno para matar outro, se você emprestar esse dinheiro não estará você sendo cúmplice do ato? Então, se tomarmos os arminianos pelo menos tipo de julgamento que eles fazem aos calvinistas, eles também não tornam Deus autor do mal? 


É por causa disso que a Escritura algumas vezes atribui maldades a Deus; porque Deus concorre com elas. Deus coopera com os pecadores que cometem tais ações. Mas isto não demonstra que Deus é a causa eficaz delas ou que as deseje, exceto de acordo com sua “vontade consequente”. Deus permite e coopera com eles a contragosto, a fim de preservar a liberdade do pecador, sem a qual pecadores não seriam responsáveis e pessoas arrependidas não adentrariam uma legítima relação pessoal e amorosa com Deus.


Primeira correção é, como já destacamos, que não há em Armínio, essa possibilidade de Deus fazer algo a “contragosto”, veja só o que Armínio diz:

Junto com a Providência Divina, coloco em sujeição tanto o livre-arbítrio e até mesmo as ações de uma criatura racional, de modo que nada pode ser feito sem a vontade de Deus, nem mesmo qualquer uma daquelas coisas que são feitas em oposição a ela; (ARMÍNIO, J. As Obras de Armínio. CPAD. Vol 1. p 283, 284.)


Segunda correção é que se Deus é causa primeira do ato, ele também é causa eficaz do ato, pois é uma causa motora. Roger Olson sequer domina o mínimo para comentar sobre o assunto. Deus não é causa ética, nem causa formal do ato, por isso ele não é culpado pelo ato. Mas Olson não para por aí, ele se supera, ele diz que Deus permite o mal para preservar a liberdade da criatura, a pergunta a ser feita é: liberdade de quem mesmo? Do homem esfaqueado, da mulher violentada? Ou ao homem criminoso? Ou seja, Olson, no intuito de defender o caráter divino, torna Deus duplamente pior, pois O torna defensor e garantidor dos direitos do criminoso enquanto O torna um omisso com a vítima. Peguemos o exemplo anterior, em que um homem deseje matar outro homem através de golpes de faca, o calvinista dirá que se isso acontecer, é pela permissão de Deus e que se Deus permite, ele tem um propósito, por isso permite porque quer, um arminiano, segundo Olson, diria que Deus permite, mas não porque tem um propósito, mas a contragosto, por respeito e amor à liberdade do criminoso, isso é absurdo e mancha duplamente o caráter de Deus, pois está escrito que Aquele, pois, que sabe fazer o bem e não o faz, comete pecado (Tiago 4:17), e se Deus observa um ato e pode impedir e nada faz, sem ter propósito algum com tal ato, Deus se torna um omisso e portanto, segundo sua própria Palavra, um pecador tanto quanto o executor do ato, pois o homem agressor peca por ação, e Deus pecaria por omissão. No calvinismo, Deus é como um Pai que eventualmente leva seu filho para tomar uma vacina, sabemos que uma vacina é composta pelos microrganismos que causam a doença, ou seja, é a própria doença, e a doença é um mal em si mesmo. Muitas dessas vacinas são aplicadas com seringas e agulhas, e doem, e a dor, como sabemos, é um mal em si. No entanto, ninguém acusa um pai de ser malévolo por aplicar uma doença em seu filho e causar dor com essa aplicação, pois todos sabemos que o propósito daquele mal é um bem maior, o de tornar a criança imune à doença, o que nos leva a concluir que, na ausência de propósito, toda permissão de um mal é pecaminosa, a permissão do mal só deixa de ser um mal na presença de um propósito, e é por isso que nós calvinistas defendemos que o mal está debaixo do controle meticuloso e também do propósito divino, pois Deus é perfeito, e dado a perfeição divina, ele tem o melhor dos planos, se arminianos defendem uma permissão do mal sem um plano, essa doutrina deve ser rejeitada por tornar Deus não o autor do pecado, mas muito pior, o próprio pecador.

CONCLUSÃO
Aqui emitiremos a opinião de Calvino a respeito da autoria do mal:
Para João Calvino Deus não criou o mal, nem criou o pecado. O pecado e o mal são frutos da corrupção da natureza, não da natureza criada, como diria João Calvino:


Mas o único fundamento que os maniqueus têm – não ser próprio atribuir-se a um Deus bom a criação de qualquer coisa má –, isto nem de leve fere a fé ortodoxa, a qual não admite que no universo inteiro haja alguma natureza má, porquanto nem a depravação e malignidade, seja do homem, seja do Diabo, ou os pecados que daí nascem, provêm da natureza, mas da corrupção da natureza; (CALVINO, J. Institutas 1.15.3)


Só porque afirmo e mantenho que o mundo é dirigido e governado pela secreta providência de Deus, uma multidão de homens presunçosos se ergue contra mim alegando que apresento Deus como sendo o autor do pecado. Essa é uma calúnia tão estúpida, que num piscar de olhos se desfaria em nada, se tais pessoas não sofressem de coceira nos ouvidos e não sentissem profundo prazer em nutrir-se com tais discursos. (CALVINO, J. Dedicatória do comentário de Salmos. Vol 1. p 37)


Só uma exceção se deve fazer, a saber: que a causa do pecado, as raízes do qual sempre reside no próprio pecador; não têm sua origem em Deus, pois resulta sempre verdadeiro que “A tua ruína, ó Israel, vem de ti, e só de mim o teu socorro. (CALVINO, J – Comentário da Carta Aos Romanos. Edições Parakletos. 2001. p. 71)

Calvino comentando a epístola de Tiago 1.13, diz:

“Ninguém, ao ser tentado, deve dizer: “É Deus que me está tentando”, pois Deus não pode ser tentado pelo mal e a ninguém tenta.” (Tg 1:13)


…quando a escritura atribui a Deus a cegueira ou a dureza de coração, ela não atribui a Deus o princípio dessa cegueira, nem o faz autor do pecado, a ponto de atribuir-lhe a responsabilidade;


A Escritura assevera que os réprobos são entregues às concupiscências depravadas; mas isso é assim porque o Senhor perverte ou corrompe seus corações? De modo algum; pois seus corações estão sujeitos às concupiscências depravadas, porquanto já são corruptos e viciosos. Mas, visto que Deus cega ou endurece, porventura ele se torna o autor ou ministro do mal? Não! Mas é desta maneira que ele pune os pecados dos ímpios e dá uma recompensa justa a quem porventura recusa deixar-se governar por seu Espírito [Rm 1.26]. Daí se segue que a origem do pecado não está em Deus, e não se pode imputar-lhe nenhuma culpa, como se ele tivesse prazer nos males [Gn 6.6].


O significado é que se esquiva em vão quem tenta lançar sobre Deus a culpa de seus vícios, porque todo mal não procede de nenhuma outra fonte, senão da perversa concupiscência do homem. E, realmente, o fato é que somos levados a desviar-nos de nenhuma outra maneira, senão porque cada um tem sua própria inclinação como seu condutor e impulsor.


Mas, que Deus a ninguém tenta, ele prova com isto: porque ele não é tentado pelos males. Pois é o diabo que nos atrai ao pecado, e por esta razão: porque ele arde totalmente com o demente desejo de pecar. Deus, porém, não deseja o que é mal; portanto, ele não é o autor do mal que nos é feito”. (CALVINO, J. Série Comentários Bíblicos: Tiago. Fiel. 2015. p 45.)





Uma resposta em “Armínio e Calvino e a autoria do mal: uma refutação a Anderson de Paula”

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.