Categorias
Calvinismo

Debate sobre “Ex Lex”: Francisco Tourinho e Daniel Gomide

Esse foi um debate que aconteceu no dia 04/01/2019, a noite, e no dia 05/01/19, a tarde, em um grupo de Whats. O debate foi sobre o posicionamento de Gordon Clark chamado “Ex Lex”, onde Francisco Tourinho se posiciona contra, defendendo o posicionamento calvinista ortodoxo e Daniel Gomide, que se posiciona a favor, defendendo o posicionamento de Gordon Clark. O debate será dividido em cores, onde as falas do Daniel Gomide estão emvermelho. As falas do moderador estão em azul. E as minhas falas estão de preto.

Boa noite a todos! Como nem todos me conhecem, apenas a título de breve apresentação meu nome é Daniel Gomide da Silva e sou formado em teologia pela Sociedade de Estudos Bíblicos Interdisciplinares. Meu objetivo aqui é defender a visão do Dr. Gordon H. Clark, filósofo calvinista, sobre o que ele denominou Ex Lex contra as objeções do Francisco Tourinho. Quando o mediador autorizar, farei breve exposição para introduzir o tema em debate.

Boa noite pessoal, sou Francisco Tourinho, sou formado em teologia pelo Instituto Bíblico das Assembléias de Deus, e atualmente curso mestrado em Teologia Sistemática pelo Miami International Seminary. Autor do livro o Calvinismo Explicado, Vol 1. E estarei aqui para fazer uma objeção a um ponto de vista específico do teólogo calvinista Gordon Clark, que ele chamou de Ex Lex.

A minha análise da obra de Gordon Clark me fez entender que ele defende dois pontos com relação ao Ex Lex, do qual eu sou contra apenas a um deles, e não ao outro.

Então vejamos, Gordon Clark define em seu livro o ex lex da seguinte forma:

… tudo quanto Deus faz é justo e reto. É justo e reto simplesmente em virtude do fato de ser ele quem faz. Justiça ou retidão não é um padrão externo a Deus, ao qual ele está obrigado a se submeter. Retidão é aquilo que Deus faz. Uma vez que Deus causou Judas a trair Jesus [preordenando tal evento], esse ato causal é reto e não pecaminoso. Por definição, Deus não pode pecar. Neste ponto deve ser particularmente indicado que Deus causar um homem a pecar não é pecado. Não há lei, superior a Deus, que o proíba de decretar atos pecaminosos. O pecado pressupõe uma lei, pois o pecado é ilegalidade. Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer transgressão dessa lei. Mas Deus é “Ex-lex”

Em um segundo momento, Gordon Clark faz uma segunda defesa do seu argumento, que consiste em dizer que Deus não pode transgredir a lei, porque ele já é o dono de tudo, então Deus não poderia roubar, porque tudo pertence a ele, Deus não poderia assassinar, porque toda a vida já pertence a ele. Então, deixando aqui claro que, me oponho ao primeiro argumento e não ao segundo.
O primeiro argumento sofre de um grave problema, ao meu ver, chamado voluntarismo divino. Esse posicionamento ex lex comete o erro de dissociar o ser de Deus de sua operação, ou ser o de Deus de seus atributos. E demonstrarei como a seguir:

O grande reformador João Calvino, seguido de todos os reformadores afirma “que a essência de Deus… é simples e indivisa, sem parcelamento nem distribuição, mas em perfeição integral.”CALVINO, J. Institutas 1.13.2

A simplicidade divina, insiste que os atributos de Deus são idênticos ao seu ser. A medida que Clark afirma o seguinte:

“… tudo quanto Deus faz é justo e reto. É justo e reto simplesmente em virtude do fato de ser ele quem faz. Justiça ou retidão não é um padrão externo a Deus, ao qual ele está obrigado a se submeter. Retidão é aquilo que Deus faz. Uma vez que Deus causou Judas a trair Jesus [preordenando tal evento], esse ato causal é reto e não pecaminoso. Por definição, Deus não pode pecar. Neste ponto deve ser particularmente indicado que Deus causar um homem a pecar não é pecado. Não há lei, superior a Deus, que o proíba de decretar atos pecaminosos. O pecado pressupõe uma lei, pois o pecado é ilegalidade. Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer transgressão dessa lei. Mas Deus é “Ex-lex”.”

Ele descamba em dois erros:

1 – A primeira é a falsa acusação de que qualquer teólogo estaria afirmando que a justiça é uma perfeição extrínseca ao próprio Deus, já que Ele é ato puro e omnimoda simpliciter. O que dizemos é que a virtude da justiça ou está em Deus, ou não está: se não está, então, tampouco é ato puro e perfeitíssimo; porém se está, identifica-se formal e indistintamente com sua essência mesma. Por isso dizemos que Deus é justiça.

As Escrituras são claras quando a isso, Deus não é somente amoroso, Deus é amor! Deus não é somente sábio, ele é o Logus, a própria sabedoria, Deus não tem eternidade, ele é Eterno, notem, cada atributo de Deus se identifica absolutamente com Ele, pois cada atributo é um reflexo direto e, portanto, indissociável de sua própria essência, dessa forma, as ações de Deus não podem se dissociar de sua essência.

Logo, Deus não pode simplesmente emitir uma lei por uma vontade arbitrária, mas por um reflexo de usa essência. O que torna falsa a proposição de Clark que afirma que “É justo e reto simplesmente em virtude do fato de ser ele quem faz. Justiça ou retidão não é um padrão externo a Deus, ao qual ele está obrigado a se submeter. Retidão é aquilo que Deus faz. ” Porque nesse caso, Clark diz que o padrão de justiça é a vontade de Deus, que não deve se conformar a padrão algum, ou seja, se Deus quisesse que todas as leis fossem contrárias as que existem hoje, então elas seriam justas, simplesmente porque Deus mandou. Ou seja, é a vontade de Deus que é o padrão de justiça, não a sua sabedoria que é um reflexo de sua essência.

Se Clark defende que a própria lei promulgada por Deus não se aplica a Ele, pois Deus está acima de sua própria lei, então é óbvio que essa lei não pode se identificar absolutamente com a essência de Deus, de outra forma Deus não poderia estar acima dela, já que é absurdo dizer que Deus estaria acima de si mesmo, portanto, caso os voluntaristas estiverem certos, teríamos um acidente em Deus, já que a sua própria lei não estaria em unidade com sua essência. Quando Clark diz que Deus está acima da lei, e que as coisas são boas porque Deus faz, e não o contrário, segue-se que Deus poderia criar leis morais totalmente contrárias das que foram reveladas na Escritura, e elas seriam tão boas e tão justas quanto as que existem na nossa Escritura. Deus poderia decretar a idolatria, e isso seria bom porque Deus quis que fosse.
Mas não é isso que a Escritura nos revela. A Escritura diz que Deus não pode negar a si mesmo (2 Tm 2.13), ou seja, seu agir é de acordo com sua essência imutável. A Escritura também revela que Deus é imutável em sua vontade, do contrário não poderíamos dizer que ele continua fiel caso sejamos infiéis, e o profeta Malaquias (3.6) não poderia nos revelar que as palavras de Deus que diz: Porque eu, o Senhor, não mudo; por isso vós, ó filhos de Jacó, não sois consumidos, caso a vontade não se identificasse com a essência. O versículo está claramente atrelado à imutabilidade de sua vontade, notem, a causa de Jacó e seus filhos não serem consumidos, é o fato de Deus ter assumido um compromisso consigo mesmo, pois a lei que ele emite (sua operação) não pode ser dissociada de sua essência, que, obviamente, antecede sua vontade e oferece a base dela, como a vontade é baseada na essência de Deus que é boa, então Deus quer o que é bom, porque quer a Ele mesmo, contrariamente ao voluntarismo clarkeano que diz que algo é bom porque Deus faz. Se a lei fosse algo dissociado da essência divina, a Escritura jamais diria que pecar contra a lei equivale a pecar contra o Senhor, como está escrito: Contra ti, contra ti somente pequei,(Sl 51.4), portanto é deveras absurdo dizer que Deus está acima da lei que Ele mesmo promulga como se o mesmo pudesse ser distinto dela. Assim, é óbvio que Deus não poderia emitir leis totalmente contrárias as que existem hoje, porém, se o ex lex for verdadeiro, essa possibilidade é verdadeira. Logo, há um padrão ao qual a vontade de Deus deve se conformar, esse padrão é sua própria essência. Fica então demonstrado a falsidade do argumento de que caso Deus queira algo porque esse algo é bom, isso torne Deus sujeito a algum padrão externo, pois uma vez que a lei é um reflexo do próprio Deus, não há problema algum em Deus agir em conformidade com sua essência, não há problema algum em Deus depender Dele mesmo, pelo contrário, problema teria se Ele não agisse em conformidade com sua essência ou dependesse de algo fora Dele, mas dizemos que Deus depende de si mesmo, o que é coerente com a doutrina confessional. Portanto, esteja dado por derrotada essa objeção e premissa de Clark para o Ex Lex.

E para encerrar, coloco que se a essência não se identifica com a operação de Deus, então teríamos em Deus um acidente, e tudo que tem acidente é composto e, portanto, causado, o que tornaria Deus imperfeito, pois só tem acidente quem pode ser aperfeiçoado. Portando, concluo que, caso Clark esteja certo, Deus é composto, portanto imperfeito.
Terminei minha fala. Obrigado.

Daniel com a palavra agora.

Vamos então apontar os principais erros e falácias no argumento apresentado acima contra o Ex Lex. Digo principais, pois são muitos e seria difícil lidar com todos aqui sem ser enfadonho.

O primeiro erro e falácia do Tourinho é afirmar que o grave problema do Ex Lex de Clark é o voluntarismo divino. Ele assume sem provar que Clark está baseado no voluntarismo, uma visão que remonta ao nominalismo medieval. Em resumo, o voluntarismo pressupõe uma distinção entre intelecto e vontade em Deus. Para Tomás de Aquino o bem não é bom porque Deus o ordena. Antes, Deus tinha de ordenar o bem em virtude de ser bom. Assim, a ênfase tomista era na predominância do intelecto. Em resposta a isso, os nominalistas contrapõem que isso minaria a soberania divina e a ênfase recai não na predominância do intelecto divino, mas na predominância da vontade divina. Essa distinção entre intelecto e vontade e a noção de que a vontade divina tem predominância é o que foi chamado de voluntarismo.

Logo, para que a objeção do Tourinho tivesse algum peso contra Clark seria preciso demonstrar que Clark faz uma distinção entre vontade e intelecto divino, dissociando a sabedoria divina de sua vontade. Mas Clark faz tal distinção? Em seu livro de história da filosofia ocidental De Tales a Dewey Clark escreve: “De fato, as características de infinidade, onipotência e liberdade que Duns Scotus enfatizou, deveriam tê-lo levado a negar a distinção entre intelecto e vontade, em Deus, e a se aproximar da posição de que Deus é vontade”.

Tourinho também diz que Clark dissocia a vontade divina da essência divina e que isso possibilitaria Deus ordenar a própria idolatria. E isso que Clark ensina?

Vejamos: “Primeiro deve ser lembrado como matéria de fato que Deus impôs o Decálogo e nenhuma autoridade humana pode dispensá-lo”. E continua: “Deus não estava livre para ordenar o oposto dos três primeiros mandamentos. É da natureza do homem desejar o bem supremo; de fato, é da natureza de todas as coisas criadas tenderem para o que é bom; e, uma vez que o bem é Deus, haveria uma contradição entre a natureza do homem e um mandamento para não adorar a Deus. Deus, portanto, não estava livre para ordenar tal mandamento” (De Tales a Dewey, p. 243).

Clark defende a simplicidade divina. Quando Clark diz que Deus faz sempre o que é justo ele não nega que Deus é justo. O contexto é uma discussão acerca dos decretos divinos. Clark diz que Deus decreta o pecado, pois ele subscreveu a Confissão de Fé de Westminster que alega que Deus decretou todas as coisas livre e inalteravelmente. Então Clark diz que isso que Deus faz, isto é, decretar o pecado, é justo, pois tudo que Deus faz é justo. Mas isso não significa negar que o próprio Deus seja justiça.

Assim, Clark não distingue entre intelecto e vontade em Deus e não pode ser acusado de voluntarismo. Além disso, Clark ensina claramente que Deus não pode ordenar a idolatria. Na realidade, ele escreve enfaticamente que Deus não é livre para ordenar o oposto dos três primeiros mandamentos em relação ao Decálogo.

Isso refuta a alegação do Tourinho de que para Clark: “Clark diz que o padrão de justiça é a vontade de Deus, que não deve se conformar a padrão algum, ou seja, se Deus quisesse que todas as leis fossem contrárias as que existem hoje, então elas seriam justas, simplesmente porque Deus mandou” Deus não pode ordenar que os três primeiros mandamentos sejam contrários do que são hoje.

Por fim, as leis de Deus refletem o caráter de Deus que é justo. Em lugar algum Clark nega isso. Mas refletir o caráter de Deus não é ser o caráter de Deus. Ou refletir a essência de Deus não é ser a essência de Deus. O homem reflete a essência de Deus, mas o homem não é a essência de Deus. Assim, Clark distingue terminologicamente a vontade de Deus e as leis de Deus. Claro, as leis de Deus brotam da vontade de Deus. Por isso Clark diz que o termo vontade é ambíguo. “O termo vontade é ambíguo. Os Dez Mandamentos são a vontade normativa de Deus; ordenam aos homens que façam isso e abstenham-se daquilo; declaram o que deve ser feito, mas não declaram nem causam o que é feito. A vontade decratal de Deus, entretanto, contrastada com seus preceitos, causa todos os eventos. Seria esclarecedor se o termo vontade não fosse aplicado aos preceitos. Denominam-se os requisitos de moralidade mandamentos, preceitos ou leis; e reserve-se o termo vontade para o decreto divino” (Deus e o Mal, p. 57).

Assim, quando Clark afirma que Deus é Ex Lex não nega que as leis de Deus refletem o caráter de Deus. O que ele afirma é que o Criador é distinto da criatura. Se as normas de Deus obrigam a criatura, não criam obrigação para o Criador, pois Ele é o dono de tudo. Assim, o mandamento não roubarás não se aplica a Deus, pois tudo é Dele. Roubar é apropriar-se de coisa alheia sem o seu consentimento. Ora, o que é alheio a Deus se Ele é dono de tudo? Logo, Deus não pode roubar por definição, pois tudo lhe pertence. Esse é o sentido de Ex Lex em Clark,
Termino aqui minhas considerações desse trecho.
Tourinho, Clark defendia que Deus é simples e seus atributos é a própria essência de Deus. A simplicidade divina, pois, é um tópico da teologia relacionada aos atributos de Deus. Você considera que a lei de Deus é um atributo?

Tourinho pode responder

Tudo bem
Só terminando de fazer as observações. Devido a quantidade de correções, eu peço ao pessoal um pouco de paciência.
O primeiro texto de Daniel foi esse:
“O primeiro erro e falácia do Tourinho é afirmar que o grave problema do Ex Lex de Clark é o voluntarismo divino. Ele assume sem provar que Clark está baseado no voluntarismo, uma visão que remonta ao nominalismo medieval. Em resumo, o voluntarismo pressupõe uma distinção entre intelecto e vontade em Deus. Para Tomás de Aquino o bem não é bom porque Deus o ordena. Antes, Deus tinha de ordenar o bem em virtude de ser bom. Assim, a ênfase tomista era na predominância do intelecto. Em resposta a isso, os nominalistas contrapõem que isso minaria a soberania divina e a ênfase recai não na predominância do intelecto divino, mas na predominância da vontade divina. Essa distinção entre intelecto e vontade e a noção de que a vontade divina tem predominância é o que foi chamado de voluntarismo.”

Vamos corrigir alguns erros do nosso amigo Daniel. Na verdade, a objeção feita a Clark está baseado na visão em comparação a Duns Scotus, que, diferente do que o nosso amigo Daniel falou, não era nominalista, mas era realista radical. E Aquino era um realista moderado, nenhum dos dois era nominalista. Só fazendo essa primeira correção.

Daniel afirma ao meu respeito o seguinte:

“Tourinho também diz que Clark dissocia a vontade divina da essência divina e que isso possibilitaria Deus ordenar a própria idolatria. E isso que Clark ensina?”
Segundo – Eu não disse em hora alguma que Clark ensina isso, mas que isso é a consequência do seu pensamento voluntarista. Portanto, que fique registrada essa falsa acusação a mim.
Corrigido esses erros, passaremos para as outras correções:

Duns Scotus, que era voluntarista, segundo Etiene Gilson, afirma o seguinte, vejamos:

“À parte do princípio de não contradição e imutabilidade, a vontade de Deus é pois senhora absoluta da escolha e da combinação das essências; ela não está submetida à regra do bem, mas, ao contrário, a regra do bem é que lhe está submetida. Se Deus quer uma coisa, essa coisa será boa; e se Ele tivesse querido outras leis morais do que aquelas que Ele estabeleceu, essas outras leis seriam justas, porque a retidão é interior à sua própria vontade, e que nenhuma lei é reta senão enquanto ela é aceita pela vontade de Deus.”
GILSON, E. A filosofia na idade média. Martins Fontes. 1995. p 745. Disponível em: https://marcosfabionuva.files.wordpress.com/2012/04/e-gilson-a-filosofia-na-idade-mc3a9dia.pdf . Acesso em 07/12/2018.

Agora comparemos com pensamento de Gordon Clark, amigos que estão acompanhando, colocarei o discurso de Clark para que façam a comparação:
“… tudo quanto Deus faz é justo e reto. É justo e reto simplesmente em virtude do fato de ser ele quem faz. Justiça ou retidão não é um padrão externo a Deus, ao qual ele está obrigado a se submeter. Retidão é aquilo que Deus faz. Uma vez que Deus causou Judas a trair Jesus [preordenando tal evento], esse ato causal é reto e não pecaminoso. Por definição, Deus não pode pecar. Neste ponto deve ser particularmente indicado que Deus causar um homem a pecar não é pecado. Não há lei, superior a Deus, que o proíba de decretar atos pecaminosos. O pecado pressupõe uma lei, pois o pecado é ilegalidade. Pecado é qualquer falta de conformidade com a lei de Deus, ou qualquer transgressão dessa lei. Mas Deus é “Ex-lex”.”

Qual a diferença? A resposta é nenhuma! Clark é sim um voluntarista, embora no seu modo de pensar haja uma sutileza que passa desapercebida aos olhares desatentos. Clark traz dois argumentos contraditórios de modo que se você ataca um, ele corre para o outro, e se você ataca o outro ele corre para o um. Ora Deus está acima da lei, ora Deus está abaixo da lei. Se tudo que é justo e reto é em virtude somente de ser porque Deus faz, e Deus não tem que se conformar a nenhum padrão, então é óbvio que Deus pode decretar quaisquer leis, ou decretar qualquer ato, e esse ato seria correto.
O meu pensamento está de acordo com Gary Crampton em sua resenha do livro de Gordon Clark, publicado no site monergismo no link: http://www.monergismo.com/textos/resenhas/deus_mal_clark_crampton.pdf Que ao definir ex lex diz:

“mais ainda tudo que Deus decreta é correto, simplesmente porque Deus decreta”

Veja, a lei de Deus não está aqui conformado com qualquer bondade anterior, pois de outro modo, não pode ser verdadeiro que algo é justo porque Deus decreta. Segundo o pensamento de Clark, não é que Deus esteja em conformidade com sua lei, ele está na verdade acima da lei, isso nos leva à conclusão de que a lei não é fruto de sua essência, mas apenas fruto de uma vontade que deverá está necessariamente dissociada de sua sabedoria, pois a sabedoria é a essência de Deus. A prova irrefutável da contradição vem a seguir:

Daniel escreve o seguinte:

“Vejamos: “Primeiro deve ser lembrado como matéria de fato que Deus impôs o Decálogo e nenhuma autoridade humana pode dispensá-lo”. E continua: “Deus não estava livre para ordenar o oposto dos três primeiros mandamentos. É da natureza do homem desejar o bem supremo; de fato, é da natureza de todas as coisas criadas tenderem para o que é bom; e, uma vez que o bem é Deus, haveria uma contradição entre a natureza do homem e um mandamento para não adorar a Deus. Deus, portanto, não estava livre para ordenar tal mandamento” (De Tales a Dewey, p. 243).”

Agora aqui nós entramos nas sutilezas o pensamento de Clark. O que Clark falou aqui, é tudo que o Ex Lex NÃO É! Vejam, é óbvio que até mesmo a nomenclatura é inapropriada, Deus é ou não é “acima da lei?” Se Deus não pode decretar algumas leis do decálogo de forma diferente, então é totalmente falso que ““… tudo quanto Deus faz é justo e reto. É justo e reto simplesmente em virtude do fato de ser ele quem faz.” como Clark afirma, logo, o próprio pensamento de Clark cai em derrota, pois ao dizer que Deus não pode decretar algo diferente do que decretou, segue-se que Deus tem sim um padrão no qual deve se conformar, pois, tem leis, que não podem ser diferentes do que já são! Portanto é falso que é algo é justo simplesmente porque Deus quis, mas esse algo é justo mesmo que não tivesse lei que nos coagisse a isso, ou seja, Deus decreta porque algo porque é bom, protanto há um padrão anterior e esse algo que já é bom antes de Deus decretar. Logo ALGO NÃO É BOM PORQUE DEUS DECRETA, MAS DEUS DECRETA ALGO PORQUE É BOM.

O irmão Daniel também escreve:

“Assim, Clark não distingue entre intelecto e vontade em Deus e não pode ser acusado de voluntarismo. Além disso, Clark ensina claramente que Deus não pode ordenar a idolatria. Na realidade, ele escreve enfaticamente que Deus não é livre para ordenar o oposto dos três primeiros mandamentos em relação ao Decálogo.”

Por isso mesmo que é falsa a alegação de Clark que algo é justo simplesmente porque Deus quer, mas sim, que Deus quer algo porque aquele algo é justo! Clark mesmo oferece a ferramenta e o argumento para sua própria derrota.

Daniel também escreve:

“Mas refletir o caráter de Deus não é ser o caráter de Deus. Ou refletir a essência de Deus não é ser a essência de Deus. O homem reflete a essência de Deus, mas o homem não é a essência de Deus. Assim, Clark distingue terminologicamente a vontade de Deus e as leis de Deus.”

Aqui ele acaba de endossar meu pensamento, de que o pensamento clarkeano destrói a simplicidade divina, que foi meu último argumento. Daniel diz que Clark não nega a simplicidade divina, mas ao mesmo tempo diz que a lei de Deus não pode se identificar totalmente com Deus, mas apenas é semelhante a Deus por um reflexo. Mas ora, não é isso que se quer dizer quando algo reflete o caráter de Deus em sua simplicidade. Não! Isso quer dizer que em Deus, seus atributos são idênticos. Deus é justiça, logo sua lei deve se identificar totalmente com ele. E muito menos comparar o homem com a lei de Deus, pois a lei de Deus faz parte de um atributo divino, que é a justiça, já o homem é por natureza algo distinto de Deus. Se Daniel afirma que a lei é da mesma natureza que o homem, distinta de Deus, então ele terá que explicar como que um atributo divino pode distinto de Deus, e como isso não impõe acidente em Deus e como isso não torna Deus imperfeito.

Não basta simplesmente dizer que Clark diz A ou B, tem que mostrar como seu pensamento é coerente diante de todas as informações. Por exemplo, só pra efeito de comparação, Armínio diz que a salvação é totalmente pela graça. Bem, ele pode afirmar isso incontáveis vezes, mas ele não consegue provar essa afirmação porque não é coerente com seus ensinos. Assim também é nosso amigo Daniel, que diz que Clark não nega a simplicidade divina, ao mesmo tempo que diz que a lei de Deus pode ser distinta do próprio Deus.

Aqui está a prova do que eu estou falando. Se a lei é distinta de Deus, então ela não se identifica com o seu próprio ser, logo, Deus é composto e portanto causado, e imperfeito.

” A vontade decratal de Deus, entretanto, contrastada com seus preceitos, causa todos os eventos.”

Na verdade isso também é totalmente falso, a vontade decretiva nunca entra em desacordo com a preceptiva. Mas vou deixar para tratar esse novo equívoco, que atribui a Deus vontades contraditórias, como se Deus naõ tivesse uma vontade una e simplíssima, para outra oportunidade.
Terminei minha fala, em virtude de não ficar muito grande o discurso.

Daniel pode comentar a resposta

Bom, novamente são tantas falhas que vai começar a ficar cansativo somente corrigir erros e falácias. Antes de apontas as falácias grotescas, vou sugerir que sigamos mais essa seção e se for o caso continuemos em outro dia. Já estou com sono.

O Tourinho começou dizendo que o erro de Clark é o voluntarismo divino. Eu expliquei então o voluntarismo em termos gerais a uma visão que remonta ao nominalismo medieval. Para explicar em termos bem claros, isso é um marco temporal. Dizer que o voluntarismo remonta ao nominalismo medieval não significa dizer que Duns Scotus era nominalista. Eu sinceramente acho desgastante corrigir esse tipo de equívoco.

Agora ele parece mudar sua posição inicial: o erro de Clark era, segundo o Tourinho, o voluntarismo divino e isso pode ser lido por qualquer um que desejar aqui nessa marcação.

Aqui ele parece recuar e dizer que a objeção dele se baseia em uma comparação a Duns Scotus.

De fato, eu já tinha colocado uma citação do Clark na qual ele observa um dos equívocos de Scotus: fazer uma distinção entre intelecto e vontade e enfatizar a predominância da vontade. Uma vez que Clark não faz essa distinção, a semelhança com Scotus é apenas superficial e não no nível fundamental. Pois para dizer que fundamentalmente Clark se assemelha a Scotus é dizer que Clark distingue entre vontade e intelecto, o que ele não faz.

Daí o Tourinho traz uma citação de Gilson, que se ele tivesse lido no contexto veria que era desnecessário citá-lo, pois Gilson apenas confirma o que eu já tinha dito: Scotus distingue intelecto e vontade e coloca ênfase na vontade.

“Essa afirmação do primado da vontade sobre a inteligência já nos deixa prever uma concepção de liberdade mais voluntarista do que intelectualista, e é de fato isso que encontramos no sistema de Duns Scotus” – GILSON, E. A filosofia na idade média. Martins Fontes. 1995. p 747-748. Disponível em: https://marcosfabionuva.files.wordpress.com/2012/04/e-gilson-a-filosofia-na-idade-mc3a9dia.pdf . Acesso em 5/01/2019.

Conforme se vê em Gilson, ele denomina uma liberdade mais “voluntarista” porque Scotus distingue entre intelecto e vontade em Deus e afirma o primado da vontade divina.
Algo que como eu já disse, Clark não o faz.
Isto é, Clark não distingue entre vontade e intelecto em Deus,
A isso não irei responder, pois Clark não era um voluntarista. Se era consequência de um pensamento voluntarista, não é consequência do pensamento de Clark, pois ele não é voluntarista.
Mas a título de registro, parece que novamente o Tourinho alega que Clark era voluntarista, tendo eu já demonstrado que ele não era.
Após sua citação de Gilson ele coloca a citação de Clark e pergunta: “Qual a diferença? A resposta é nenhuma! Clark é sim um voluntarista”. A diferença, para quem está acostumado a estudar filosofia, é gigantesca! Fazer distinção entre a vontade e intelecto divino e negar que existe uma distinção entre vontade e intelecto divino é um mundo de diferenças.

Tourinho é tão ruim em análise que nem percebe a quem Clark está se opondo ao dizer que JUSTIÇA não há um padrão EXTERNO a Deus.

não é um padrão externo*

Quando Clark diz isso ele não mira no debate entre Scotus e Aquino. Seu alvo é Platão.

Se você tivesse um pouco de treinamento em filosofia teria detectado isso. Para Platão, o Mundo das Ideias era algo separada da mente do demiurgo.

Assim, a Justiça, enquanto Ideia Platônica, não era um padrão do demiurgo. Antes, era um padrão externo ao demiurgo.

Diferente de Platão, o cristianismo não ensina que Justiça é um padrão externo ao prórpio Deus.

Antes, Justiça é aquilo que Deus é, e por isso tudo o que Ele faz é justo.

Então para Platão, o Demiurgo ordenava o bem porque era bom, isto é, ele ordenava o bem porque se submetia a um padrão externo, que era o mundo Inteligível, no qual estava o Bem, a Justiça.

O demiurgo de Platão era inferior e tinha que se submeter a um padrão externo.

O alvo de Clark é justamente Platão. E por isso Clark escreve: “Justiça ou retidão não é um padrão externo a Deus, ao qual ele está obrigado a se submeter”.

Se você faz da Justiça um padrão externo, você mina o cristianismo, pois afirma que há algo superior ao próprio Deus.

Então Justiça não é um padrão externo ao qual Deus se submete. Justiça é o que Deus é! E tudo o que Ele faz é justo.
Então o alvo de Clark aqui não é se posicionar ao lado de Scotus e defender uma distinção entre intelecto e vontade. O alvo de Clark é atacar o erro de Platão!

Daí você diz: “Se Deus não pode decretar algumas leis do decálogo de forma diferente, então é totalmente falso que… tudo quanto Deus faz é justo e reto. É justo e reto simplesmente em virtude do fato de ser ele quem faz.” como Clark afirma, logo, o próprio pensamento de Clark cai em derrota, pois ao dizer que Deus não pode decretar algo diferente do que decretou, segue-se que Deus tem sim um padrão no qual deve se conformar, pois, tem leis, que não podem ser diferentes do que já são!”

A única coisa que deve cair por terra aqui é essa tremenda confusão.
Como terei que viajar amanhã cedo. Estarei passando a mediação pra outro irmão com objetivo de que seja finalizado pelo menos a segunda rodada ainda hoje.

Prossigamos!
Clark não nega que exista um padrão. O que ele nega é que Deus deve se submeter a um padrão externo, contrapondo o argumento de Platão.

“mas esse algo é justo mesmo que não tivesse lei que nos coagisse a isso, ou seja, Deus decreta porque algo porque é bom, protanto há um padrão anterior e esse algo que já é bom antes de Deus decretar”. Anterior ao quê? A Deus? Se há um padrão anterior a Deus, então Deus não é absoluto. Agora se você quer dizer que há um padrão anterior para as leis de Deus, ou para o que Deus decreta, é óbvio que há! O próprio Deus é esse padrão. Para enfatizar novamente, Clark nega que haja um padrão externo que Deus deve se submeter.

Seu último ponto é: “Daniel diz que Clark não nega a simplicidade divina, mas ao mesmo tempo diz que a lei de Deus não pode se identificar totalmente com Deus, mas apenas é semelhante a Deus por um reflexo”.

Simplicidade divina, como eu afirmei acima, está relacionada aos atributos de Deus. Ora, nenhum teólogo sistemático lista entre os atributos divinos “não roubarás”.

Eu li todo o volume 1 e 2 da Dogmática Reformada de Herman Bavinck e não há em nenhum capítulo ali algo como: “Atributos comunicáveis e incomunicáveis: não cometerás adultério”.

Ora, a lei não cometerás adultério brota do próprio Deus e reflete seu caráter. Mas isso não faz dessa lei um atributo divino. Simplicidade divina é dizer que os atributos divinos não são composições no ser de Deus. E Clark defende isso.
Termino aqui já bastante cansado.
Tive que ignorar outros erros

Podemos prosseguir2° Rodada

Eu sinceramente não estou em condições de segunda rodada

Sugiro que continuemos em outro dia Preciso descansar

Francisco Tourinho, o que diz?

Se o Tourinho quiser expor os pontos dele, fique a vontade
Outro dia eu leio e faço minhas ponderações
Mas hoje pra mim já deu

Gostaria de expor meu pensamento antes de terminarmos já que o irmão está cansado considero salutar a gente até mesmo continuar no outro dia
Espere

desde que eu possa expor meu pensamento para ficarmos iguais.
Visto que já fiz toda a resposta.

Agora você deveria perguntar, para o Daniel responder. Mas, se é muito por causa do horário, é sugestivo que ambos terminem com considerações finais aqui, sem outra rodada.
Não é sua exposição ainda
É pra ser uma pergunta, daí, depois da resposta do Daniel, sua réplica

Dione, nas regras do debate, ficou estabelecido, de acordo com que combinei com o outro moderador, que no meu momento de perguntar, eu poderia simplesmente linkar a resposta anterior e continuar o debate para não ter essa interrupção

Uma correção. Você me perguntou o seguinte: “uma pergunta pode ter uma ligação com o tópico anterior?”

Eu respondi que sim. A ideia de ligação que eu entendi Aí é de a pergunta ser relacionado ao tópico anterior.
Eu faço minha consideração e a gente para irmão. Eu sugeri que não fosse por escrito justamente por conta disso. É cansativo. Mas isso não foi imposto por mim. Então eu acredito que não esteja sendo injusto da minha parte fazer minhas considerações e, caso o Daniel queira continuar ainda, continuamos, caso ele queira parar, a gente para.
Então, prossiga. Infelizmente, teremos que fazer assim. Espero a compreensão de todos pois o horário já está avançado.
Tourinho com a palavra

Obrigado meus irmãos, já que é o último discurso eu fico agradecido com a oportunidade do debate. Espero que tenhamos crescido com isso. Dessa vez eu não vou usar a ordem que foi escrito, pelos motivos que os irmãos vão saber

Daniel escreve:

“Tourinho é tão ruim em análise que nem percebe a quem Clark está se opondo ao dizer que JUSTIÇA não há um padrão EXTERNO a Deus.”

Meu irmão ME RESPEITE. Em todo o tempo fui cordial com você.

Agora respondendo ao conteúdo do que Daniel disse:

Tourinho é tão ruim em análise que nem percebe a quem Clark está se opondo ao dizer que JUSTIÇA não há um padrão EXTERNO a Deus.”

Há uma diferença entre o padrão ser bom porque Deus decretou, e Deus decretar porque algo é bom. Nenhum de nós prega que há um padrão fora de Deus, a diferença está que se as leis do decálogo, como você mesmo falou, podem ser, pelo menos 7, diferente do que são, então essas leis são totalmente voluntaristas, pois se as mesmas se identificassem com a essência de Deus que é imutável, elas não poderiam ser diferentes, foi isso que eu falei. Se você prega que uma lei pode ser distinta da essência divina, então caímos no problema da composição de divina, pois a justiça divina seria distinta do próprio Deus e Deus não poderia se identificar totalmente com seu atributo.

Na simplicidade omnímoda de Deus só há duas alternativas: ou as leis são términos ‘ad extra’ da operação divina; ou identificam-se com o mesmo Deus. O homem concreto é um término extrínseco da operação divina, e em si mesmo participa e reflete a essência de Deus mediante o que os teólogos entendem por idéias exemplares; mas a idéia exemplar se tomada em vista da essência divina não distingue-se realmente dela (do contrário Deus seria composto). Portanto…

O que são as leis divinas? São promulgações “ex parte Dei”? Se forem, são operações e como operações continuam idênticas à essência (a simplicidade “simpliciter” de Deus não permite sequer distinção real entre o operar e a essência); se são términos “ad extra” como são por exemplo as criaturas, as leis estranhamente seriam substâncias ou coisas extrínsecas ao próprio Deus;


A questão que deve ser colocada é a seguinte: se as leis ou este padrão de justiça pode mudar, ou pode mutacionar de acordo com a vontade e o arbítrio de Deus, então esta não pode ser idêntico à essência divina, que em si mesma é imutável; do contrário se acrescentará à essência de Deus ao modo acidental, o que é impossível. Logo, a lei ou justiça deve ser imutável e se identificar com a essência mesma de Deus ou do contrário aparecerá como uma perfeição acidental.

Daniel também escreve:

“Se você tivesse um pouco de treinamento em filosofia teria detectado isso. Para Platão, o Mundo das Ideias era algo separada da mente do demiurgo.”

Mais uma vez eu vou lhe pedir: ME RESPEITE meu irmão. Estou sendo cordial com você. Aliás, o seu equívoco está em não identificar que eu não estou dizendo que há um padrão externo, mas que, uma vez que, segundo você, algumas leis podem ser de um jeito ou de outro, então segue-se que Deus ganharia perfeição acidental ao promulgar certa regra moral ao invés de outra. Ademais, a perfeição acidental seria diferente conforme diferente fosse a promulgação divina. Se Deus promulgasse a lei X como boa, então o acidente que ganharia seria X; mas se promulgasse a lei Y, então o acidente que ganharia seria Y.

Daniel também escreve:

“O Tourinho começou dizendo que o erro de Clark é o voluntarismo divino. Eu expliquei então o voluntarismo em termos gerais a uma visão que remonta ao nominalismo medieval. Para explicar em termos bem claros, isso é um marco temporal. Dizer que o voluntarismo remonta ao nominalismo medieval não significa dizer que Duns Scotus era nominalista. Eu sinceramente acho desgastante corrigir esse tipo de equívoco.”

O problema é que Duns Scotus era voluntarista muito antes do nominalismo existir, então não é correto dizer que o voluntarismo tem um marco temporal no nominalismo, visto que temporalmente existia antes do nominalismo, portanto, permanece que o erro do amigo Daniel.

Daniel também escreve:

“Agora ele parece mudar sua posição inicial: o erro de Clark era, segundo o Tourinho, o voluntarismo divino e isso pode ser lido por qualquer um que desejar aqui nessa marcação.”


O que eu falei, para quem quiser ler foi: “o argumento sofre de um sério problema” Eu estou a tratar das proposições, das consequências do argumento que leva ao voluntarismo. Clark na verdade é contraditório, como já foi demonstrado, que ora endossa um voluntarismo e ora endossa o essencialismo. Como eu não discordo de seu essencialismo, então eu apenas ataco o seu voluntarismo. Dizer que Clark é todo essencialista, é totalmente falso, assim como dizer que ele é somente voluntarista é falso. Eu estou atacando seu voluntarismo, por isso lá no início eu disse que Clark tem dois argumentos, eu ataco somente UM!

Daniel também escreve:

“Aqui ele parece recuar e dizer que a objeção dele se baseia em uma comparação a Duns Scotus.”

E tbm:

“Uma vez que Clark não faz essa distinção, a semelhança com Scotus é apenas superficial e não no nível fundamental. Pois para dizer que fundamentalmente Clark se assemelha a Scotus é dizer que Clark distingue entre vontade e intelecto, o que ele não faz.”

Como foi deixado claro, Clark se contradiz ao afirmar uma coisa e não provar sua afirmação com seus argumentos, pois o próprio Daniel falou que a lei é algo distinto de Deus, e se for distinto de Deus, ela não se identifica com a essência de Deus, e se ela não se identifica com a essência de Deus, segue-se que a vontade de Deus precede o seu intelecto, é simples, e o pensamento Clarkeano cai nesse erro, e o olhar desatento não percebe. Não adianta ele afirmar que não cai, quando na verdade essa é a conclusão lógica. Além de que, com eu já falei, a distinção entre essência e o operar, nos leva a uma composição divina, pois em uma entidade simples como Deus, não há distinção entre seu ser e sua operação, Deus é tudo aquilo que ele possui.

Agora vamos ao texto de Etine Gilson:

“À parte do princípio de não contradição e imutabilidade, a vontade de Deus é pois senhora absoluta da escolha e da combinação das essências; ela não está submetida à regra do bem, mas, ao contrário, a regra do bem é que lhe está submetida. Se Deus quer uma coisa, essa coisa será boa; e se Ele tivesse querido outras leis morais do que aquelas que Ele estabeleceu, essas outras leis seriam justas, porque a retidão é interior à sua própria vontade, e que nenhuma lei é reta senão enquanto ela é aceita pela vontade de Deus. Não se poderia ir mais longe sem desembocar no cartesianismo; mas antes de desembocar nele, era preciso apagar antes toda distinção entre o entendimento de Deus e sua vontade.”

A primeira parte do texto Gilson descreve o pensamento Scotista. Na segunda parte onde ele diz: “não poderia ir mais longe…” é a consequencia do pensamento de Soctus, não o que ele defendia. Scotus, diferente do que Daniel fala, nunca chegou a defender uma uma diferença real [ontológica] (distinctio realis) entre o ser [de Deus] e seus atributos, como bem aponta Herman Bavinck em sua obra, logo, a questão aqui não é fazer uma distinção, mas o pensamento cair inequívocamente nesse problema da distinção entre intelecto e vontade, algo que o amigo Daniel já deixou claro que simplesmente não sabia, e seu argumento cai derrotado agora quando ele diz
“Uma vez que Clark não faz essa distinção, a semelhança com Scotus é apenas superficial e não no nível fundamental.”E eu respondo que não! Scotus nunca fez essa distinção real, foi o seu pensamento que descambou para esse lado, são as consequências do pensamento de Soctus, uma vez que diz que a lei de Deus é distinta da própria essência de Deus. Ou seja, Daniel se engana sobre o pensamento de Scotus, como observa Bavinck (BAVINCK, H. Vol 2. 2012. p 122) e como ele se equivoca, a sua objeção a mim não pode ter efeito.

Daniel tbm escreve:

“Antes, Justiça é aquilo que Deus é, e por isso tudo o que Ele faz é justo.”

Isso daqui, é justamente o que eu estou defendendo, obrigado por concordar comigo. Se a justiça é o que Deus é, então não faz sentido algum dizer que Deus está ACIMA DA LEI, pois seria como dizer que Deus está acima de si mesmo. Portanto, pela sua própria afirmação, Clark está errado.

E pra encerrar, Daniel escreveu o seguinte:

“Simplicidade divina, como eu afirmei acima, está relacionada aos atributos de Deus. Ora, nenhum teólogo sistemático lista entre os atributos divinos “não roubarás”.”

Deus poderia decretar que roubar era justo? Poderia existir no decálogo uma lei que dissesse: Roubarás ao teu próximo? Se sim, então você cai no voluntarismo (que você discorda), se não você cai no essencialismo (e a lei não pode ser diferente e concorda comigo), ou seja, simplesmente não há saída para você. Ou concorda que o pensamento de Clark conduz ao voluntarismo, ou concorda que todas as leis se identificam totalmente com Deus e concorda comigo. Portanto, como não há terceira opção, é dado como derrotada a proposição de Clark.

Deus os abençoe meus irmãos.

Muito bem, Francis Tourinho. Agradecemos a sua disponibilidade e a de Daniel, para estarem discutindo sobre este assunto

Amém
E assim ficou encerrado o debate do dia 04. 

Inicia aqui o debate do dia 05, continuando o debate do dia 04.

Boa tarde a todos. Quero pedir perdão ao Francisco Tourinho e as demais pessoas do grupo por não conseguir levar adiante o debate pela madrugada a fora. Isso é testemunho de minha humanidade e fraqueza (no sentido físico) e conto com a compreensão de todos.
Retomarei agora para responder as réplicas do Francisco Tourinho, mas quero alertar que, seguindo as regras do debate, fiz uma pergunta que não foi respondida, ou se foi, não ficou clara a resposta. Mas irei retomar na sequência das últimas objeções apresentadas.

Francisco Tourinho, não fui desrespeitoso e nem faltei com cordialidade com você. O debate aqui é de ideias, e quando disse que você é ruim em análise isso não é um ataque pessoal, mas uma constatação a partir de sua exposição. Mas para reforçar que o objetivo não era uma ofensa pessoal, eu fazer minha colocação de outra maneira: a sua análise, quanto ao assunto debatido, é deveras ruim.

A primeira alegação do Tourinho é que “há uma diferença entre o padrão ser bom porque Deus decretou, e Deus decretar algo porque ago é bom”. Para ser bem sincero, não compreendi o que você quis dizer aqui. Nem Clark e nem eu fiz a afirmação de que o padrão é bom porque Deus decretou. Deus não decreta o padrão. Deus é o padrão. E como o tempo todo você tem feito uma confusão entre Lei, Justiça e Padrão e Vontade quero deixar claro que desde o início defini claramente os termos para evitar essa confusão. Dizer que Deus é Ex Lex é uma afirmação da relação de Deus para com a Lei, e não uma relação de Deus para com o Padrão. Deus nunca está acima de um Padrão Moral, pois Ele é o Padrão. Deus nunca está acima da Justiça, pois Ele é a justiça! Mas baseado em sua própria Justiça, Deus deu ao homem preceitos. Dizer que Deus é Ex Lex é dizer que Deus está acima desses preceitos, mas não que Deus está acima da Justiça.
Algo*

Quando você finalizar sua ponderação, Daniel. Diga: “Terminei minha fala”. Aí pausa o Debate e vamos marcar o melhor horário pra segunda rodada. Que iniciará com a pergunta do Francisco Tourinho.

Agora uma vez que você confunde Padrão, Justiça, Lei, Vontade, você confunde dizer que Deus poderia ordenar algumas leis diferentes do que são com uma mudança na própria essência divina. Por isso, seguindo as regras do debate, eu perguntei se você considerava as leis como atributos divino. Nenhuma teologia sistemática coloca a Lei ou o Decálogo como atributo divino. Então, pelo bem da clareza dizer que Deus poderia ordenar algumas leis de modo diferente não é alegar que Deus pode mudar sua Justiça. Deus poderia, se quisesse, ordenar coisas distintas, mas nunca poderia alterar Sua Justiça. Ou Deus poderia ordenar coisas distintas, mas nunca poderia alterar sua vontade. Então enquanto alguns preceitos que Deus dá ao homem poderiam ser diferentes, isso não significa que Deus poderia alterar a Justiça ou que Deus seria mutável em relação à sua vontade ou que Deus decrete um padrão distinto, pois Deus não decreta padrão, Ele é o Padrão. Dessa forma, Deus permanece imutável ainda que não ordene hoje algo que ordenou nos dias do Antigo Testamento. Deus não ordena hoje que se faça sacrifícios de animais, ainda que tenha ordenado isso no Antigo Testamento: “Assim, considerando que a Lei oferece somente um vislumbre dos plenos benefícios que hão de vir, e não exatamente a sua realidade, jamais poderá, mediante os mesmos sacrifícios repetidos ano após ano, aperfeiçoar os que se achegam para adorar” (Hb 10:1).

“Afinal, onde todas as transgressões foram perdoadas, não existe mais qualquer necessidade de oferta de sacrifício pelo pecado. Devemos perseverar na fé” (Hb 10:18). Ora, mas se Deus não pode ordenar algo distinto de sua lei, segue que ainda existe a necessidade de sacrifícios.

E se ainda existe a necessidade de sacrifícios, o sacrifício de Cristo é anulado. E se o sacrifício de Cristo é anulado, é vã a nossa fé! Mas longe de nós afirmar isso! Antes, afirmamos que Deus é livre para ordenar sacrifícios para os hebreus no Antigo Testamento como um vislumbre da realidade! E a realidade é o próprio Cristo, que ofereceu sacrifício de uma vez por todas, não havendo qualquer necessidade de sacrifício pelo pecado, conforme ensina a Palavra de Deus.

HEBREUS 9 – “Ora, a primeira aliança possuía ordenanças para adoração e também um tabernáculo terreno. 2 Pois foi levantada uma tenda, em cuja parte da frente, conhecida como Lugar Santo, estavam o candelabro, a mesa e os pães da proposição. 3 Mas, atrás do segundo véu, havia a parte chamada Santo dos Santos, 4 onde se posicionavam o altar de ouro puro para o incenso e a arca da aliança, também toda revestida de ouro. Nessa arca estavam o vaso de ouro contendo o maná, a vara de Arão que floresceu e as tábuas da aliança. 5 Acima da arca ficavam os querubins da Glória, que com sua sombra cobriam a tampa da arca, o propiciatório. Contudo, não é nosso propósito detalhar esse assunto agora. 6 Ora, logo após tudo isso estar assim preparado, os sacerdotes entravam regularmente na parte inicial do tabernáculo, a fim de realizar os atos sagrados de culto. 7 No entanto, na segunda parte da tenda, o Santo dos Santos, somente o sumo sacerdote podia entrar, uma vez por ano, e jamais sem apresentar o sangue do sacrifício, que ele oferecia por si mesmo e pelos pecados que o povo havia cometido por ignorância. 8 Dessa maneira, o Espírito Santo estava revelando que, enquanto continuasse erguido o primeiro tabernáculo, o Caminho para o Santo dos Santos ainda não havia sido manifestado. 9 Esse fato transforma-se numa ilustração para os nossos dias, esclarecendo que as ofertas e os sacrifícios oferecidos não podiam dar ao adorador uma consciência perfeitamente limpa. 10 Eram tão-somente ordenanças que tratavam de comida e bebida e de várias cerimônias de purificação com água; esses mandamentos exteriores foram impostos até a chegada do tempo da nova ordem. O perfeito sacrifício de Cristo”

Como ensina as Escrituras, essas ordenanças, esses preceitos, essas leis foram “impostos até a chegada do tempo da nova ordem. O perfeito sacrifício de Cristo” (v. 10).

Ora, será que Deus ordena hoje que sigamos essas ordenanças, visto que não pode ordenar algo diferente do que ordenou?

A Justiça de Deus é imutável, pois é um atributo divino. Mas as leis, as ordenanças não são atributos divinos. Mudar, pois, uma ordenança não é uma alteração no ser de Deus, pois embora as leis reflitam seu caráter, elas não são atributos divinos. Por isso Deus não ordena mais que sacrifiquemos animais nos dias de hoje.

E essa mudança em relação a algumas ordenanças da Antiga Aliança não significa uma alteração na essência divina.

Agora, constatado que as ordenanças não são atributos divinos, voltemos ao ponto em que eu disse que a simplicidade divina é um tema relacionado aos atributos divino. Eu havia dito que doutrina da simplicidade divina implica que os atributos não são composições em Deus. Dessa forma, Deus não é um ser composto. Ao comentar sobre esse tópico, Herman Bavinck escreve: “por causa de sua absoluta perfeição, cada atributo de Deus é idêntico à sua essência” (Dogmática Reformada, vol. II, p. 177). E Hodge alega: “Não temos nenhuma ideia definida de substância, quer da matéria, quer da mente, como distinta de seus atributos. As duas são inseparáveis. Ao conhecer uma, conhecemos outra” (Teologia Sistemática, p. 277). Ou seja, “substância” ou “essência não é distinta de atributos. Dizer que Deus ordenar uma lei distinta é causar uma alteração na sua essência é dizer que as ordenanças divinas são atributos divinos, o que não encontra base bíblica. E como já citei o texto de Hebreus como um exemplo de ordenanças que Deus alterou, segue-se que Deus pode fazê-lo e ainda permanecer imutável.
Turretini, distinguindo entre vontade decretiva e vontade prescritiva, escreve: “a vontade preceptiva, porém, é aquela que Deus prescreve ao homem seu dever” (Compêndio de Teologia Apologética, vol I, p. 298).

Ora, se os preceitos de Deus ou se a vontade preceptiva é aquela que Deus prescreve ao homem seu dever, como esse poderia ser um dever de Deus?
Aqui então, retomo novamente a definição de Ex Lex, mas agora para torná-la mais explícita. A expressão Ex Lex utilizada por Clark significa que Deus não está debaixo desses preceitos que ordena ao homem. Antes, está acima desses preceitos como Legislador. “Os Dez Mandamentos são a vontade normativa de Deus; ordena aos homens que façam isso e abstenham-se daquilo […] Seria esclarecedor se o termo vontade não fosse aplicado aos preceitos. Denomina-se requisitos de moralidade de mandamentos, preceitos ou leis” (Clark, Deus e o Mal, p. 57).
Assim, Clark reserve o termo “lei ou leis” para aquelas ordenanças que Deus prescreve aos homens. Clark está aqui tratando da vontade prescritiva, que é aquela em que Deus prescreve os homens o seu dever, conforme Turretini. Ele não nega que esses preceitos sejam vontade de Deus, apenas quer evitar usar o termo para não causar confusão com a vontade decretiva de Deus.
Ora, se os preceitos descrevem o dever do homem como podem se aplicar a Deus? Assim, Ex Lex é a resposta do Dr. Clark ao relacionamento do Criador para com a Lei. Deus não é aquele que está submisso a lei que ele ordena aos homens. Deus é o Legislador. Ex Lex está fundamentado na distinção Criador-criatura. A relação do Criador para com a lei, os preceitos, é diferente da relação da criatura para com essa lei: “a relação de um homem com a lei é igualmente diferente da relação de Deus com a lei. O que vale numa situação não vale na outra. Deus tem direitos absolutos e ilimitados sobre todas as coisas criadas. Da mesma massa ele pode fazer um vaso para honra e outro para desonra. O barro não tem direitos sobre o oleiro” (Deus e o Mal, p. 82).
Mas enquanto Deus está acima da lei que ordena ao homem, Ele não está acima do Padrão Moral ou da Justiça ou da Bondade, pois Ele é o Padrão Moral, Ele é a Justiça, Ele é a própria bondade.

Assim, Deus ordena aos homens que não roube, mas esse mandamento se aplica a Deus? A resposta é não e por dois motivos:
1- Tudo o que Deus faz é santo, justo e reto: “tudo quanto ele faz é certo” (Deus e o Mal, p. 82)
2 – Ele é o dono de tudo, assim “não há ninguém de quem roubar” (Deus e o Mal, p. 82).
Deus ordena ao homem: não assassinarás. Esse mandamento se aplica a Deus? Não, porque o assassinato é tirar uma vida sem autorização divina! Como Deus está autorizado por Ele mesmo a dispor de sua Criação, Deus pode tirar a vida sem cometer assassinato!
São tantos outros equívocos, mas como o Tourinho apenas repete argumentos que eu já respondi, vou pular para outras coisas que não são repetições. Ele diz: ” Scotus, diferente do que Daniel fala, nunca chegou a defender uma uma diferença real [ontológica] (distinctio realis) entre o ser [de Deus] e seus atributos”. Eu fiquei curioso para saber onde eu afirmei isso!

O que eu afirmei não é que Scotus defende uma diferença entre o ser de Deus e seus atributos. O que eu afirmei é que Scotus defende uma distinção entre vontade e intelecto em Deus, dando predominância à vontade. Scotus não nega o intelecto divino, mas coloca predominância na vontade divina. Foi isso que afirmei e reitero. Já na citação de Gilson isso fica claro e Bavinck não entende diferente.
Curiosamente, quando Bavinck começa a discutir esse tópico em sua Dogmática ele o inclui sob o título “Nominalismo” (ver Dogmática Reformada, vol. 2, p. 241). Bavinck escreve: “Portanto, partindo da absoluta liberdade de Deus, muitos teólogos se pegaram pensando de modo semelhante ao nominalismo medieval” (Dogmática… vol. 2, p. 241). Em seguida, Bavinck assevera: “Scotus, de fato, reconhece que o conhecimento de Deus é anterior à sua vontade e que as ideias, em Deus, embora distintas de sua essência, existem antes de seu decreto. No entanto, é a vontade que faz uma seleção de todas as ideias possíveis e determina qual delas será realizada. A vontade, portante, é a causa de toda a realidade” (Dogmática Reformada, vol. 2, p. 242). Ora, mais claro que isso apenas se eu desenhar. Para Scotus e para os voluntaristas, a vontade de Deus tem predominância sobre o intelecto divino.
Mas uma vez que Clark nega distinção entre vontade e intelecto em Deus, ele não afirma o que afirma por considerar que a vontade de Deus tem predominância sobre o intelecto.
Clark afirma o que afirma se posicionando biblicamente contra o dilema platônico que faz da Justiça, da Bondade, um Padrão superior e externo a Deus, tendo Deus que se submeter a esse padrão.
Ora, o dilema de Eutífron em Platão era o seguinte: “O bem é amado pelos deuses porque é Bem, ou é bem porque é amado pelos deuses?”. O dilema também pode ser descrito assim: “A moral é comandada por Deus por ser moral ou é moral por ser comandada por Deus?”. No primeiro caso, o Bem é totalmente independente de Deus, é um padrão externo a Deus e Deus se submete a esse padrão por ele já ser anterior e independentemente Bom. No segundo caso, o padrão do Bem é o próprio Deus: “Isso segue exatamente Platão, que em seu Eutífron afirma que o bem não é bom porque Deus o aprova, mas Deus aprova o bem porque este é antecedente e independentemente bom” (Gordon Clark, Ensaios sobre ética e política, p. 141). “[…] segundo Platão, deus, o artífice do céu e da terra, não é soberano; acima do demiurgo está um Mundo de Ideias imutável ao qual até deus deve se submeter” (Gordon Clark, Ensaios sobre ética e política, p. 141). “Na esfera moral (para contradizer Platão) o Bem é bom porque Deus o escolhe […] Se a posição da lei moral no cristianismo difere tão fundamentalmente da inferioridade do Demiurgo às Ideias […]” (Gordon Clark, Ensaios sobre ética e política, p. 189).

Assim, Clark não está tomando posicionamento ao lado de Scotus para fazer uma distinção entre intelecto e vontade e afirmar que a vontade tem predominância sobre o intelecto em Deus. Antes, ele toma posicionamento contra o Demiurgo de Platão que é inferior e deve se submeter a um padrão externo que lhe é superior.

No cristianismo, não há nada nem ninguém superior a Deus! Não há um padrão externo ao qual ele deve se submeter. Essa é a escolha que você deve fazer diante do dilema de Eutífron: o Bem é um padrão externo a Deus e por isso Deus o ordena ou não há padrão externo ao qual Deus deva se submeter e o que Ele faz é Bom, Justo e Reto, pois Ele é o Padrão Absoluto! Clark se posiciona ao lado das Escrituras: “Nele, digo, em quem também fomos feitos herança, havendo sido predestinados, conforme o propósito daquele que faz todas as coisas, segundo o conselho da sua vontade”
Efésios 1:11

Deus não faz todas as coisas segundo um Mundo das Ideias exterior a Ele, como um padrão externo ao qual deve se submeter. Deus faz TODAS as coisas segundo o conselho da sua vontade!
“O Senhor faz tudo o que lhe apraz, no céu e na terra, no mar e nas profundezas das águas”.
Salmos 135:6

E todos os moradores da terra são reputados em nada, e segundo a sua vontade ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há quem possa estorvar a sua mão, e lhe diga: Que fazes?
Daniel 4:35

“No caso de Deus, não se pode imaginar uma lei que esteja acima dele e à qual ele tenha de obedecer […]” (Herman Bavinck, Dogmática Reformada, vol. 2, p. 233).
“Quão grande improbidade é meramente indagar as causas da vontade divina, quando ela mesma é a causa de tudo quanto existe, e com razão deve ser assim. Ora, se houvesse algo que fosse a causa da vontade de Deus, seria preciso que fosse anterior e que estivesse atada a tal causa, o que não é procedente imaginar-se. Pois a vontade de Deus é a tal ponto a suprema regra de justiça, que tudo quanto queira, uma vez que o queira, tem de ser justo. Quando, pois, se pergunta por que o Senhor agiu assim, há de responder-se: porque o quis. Porque, se prossigas além, indagando por que ele o quis, buscas algo maior e mais elevado que a vontade de Deus, o que não se pode achar” (As Institutas da Religião Cristã, vol. 3, p. 411).
Termino aqui minhas considerações


Nesse momento encerra-se a primeira rodada e agora passamos para a segunda rodada, onde eu faço a pergunta
2 Rodada Tourinho fará a pergunta

Farei a pergunta então:Clark afirma que Deus está acima da lei “Ex Lex”, acho que quanto a isso Daniel vai concordar.

Clark também afirma que Deus não pode transgredir a própria lei, porque ele é o dono de tudo. Então Deus não poderia roubar, porque já é dono de tudo, não poderia assassinar porque ele dono da vida, logo, Deus não transgride sua lei. Ele cumpre a lei.

A pergunta é: qual a necessidade do conceito de “Ex Lex” (Deus acima da lei), se por necessidade de natureza Deus já cumpre toda a sua lei?

P.S.: não confundir lei moral com lei cerimonial, nem confundir verdade de fulcro necessário com as verdades de fulcro contingente.

Feita a pergunta

[15:51, 5/1/2019] +55 61 8224-2390: Não confundi lei cerimonial com lei moral. Clark usou o termo para incluir mandamentos, preceitos, ordenanças. A necessidade brota da distinção Criador-criatura. Qual a relação da criatura com a lei? A criatura está sob obrigação, está sob, está submetida a lei. O Criador não está debaixo da Lei, pois Ele é o Legislador. A necessidade, pois, é preservar a distinção Criador-criatura. Pois uma vez que o calvinista afirma: Deus decreta o pecado, o arminiano ou pelagiano diz: Deus não pode decretar o pecado, pois isso seria pecaminoso. Querendo colocar o Criador no mesmo status da criatura. Além disso, a necessidade é mostrar que Deus não está submetido a um padrão externo (como afirmou Platão), mas Ele é o Padrão, sendo as leis promulgadas por Ele algo que descreve os deveres da criatura. No mais, minha exposição anterior pode ser relida para clarificar os pontos aqui expostos.
[15:51, 5/1/2019] +55 61 8224-2390: Terminei aqui a resposta

Comentário de Tourinho

Sobre a confusão entre lei moral e cerimonial, eu não vou comentar, visto que já estamos avançados. Mas as leis morais são de fulcro necessário, as cerimoniais de fulcro contingente, por isso uma pode mudar, e a outra não pode mudar.

Mas por fim, se Deus já cumpre toda a sua lei, então não há a necessidade dele está “acima da lei”. A afirmação de que Deus é legislador e por isso a criatura está a obrigada a fazer e Deus não, é totalmente inócua. Primeiro porque uma série de deveres estão intrinsecamente relacionados à razões, que estão para além de comandos morais. Por exemplo, se Deus jamais tivesse ordenado a misericórdia, o amor e a justiça, ainda assim eu teria o dever de ser misericordioso, amoroso e justo – basta que algo seja valioso para que nos obrigue, sem comendo algum -, pois isso reflete a natureza divina, misericordiosa, amorosa e justa. Existem coisas que só nos obrigam por comando, mas outras não. Ademais, se é imoral violar uma mulher (mal moral), nenhum comando (nem mesmo o divino) tornaria isso moral, pois é como se o fato em si mesmo não contasse, quando na verdade é o que conta! E, observe-se o seguinte, o comando divino já supõe uma adequação perfeitíssima com a sua própria natureza divina, de modo que o comando é bom, porque Deus é o Sumo Bem: o comando não pode, de si mesmo, tornar algo moral ou imoral. Portanto, essa dicotomia criador-criatura totalmente desnecessária no tocante a lei.

Segundo, o conceito de ex lex é totalmente desnecessário pois, Deus não pode pecar, não porque está acima da lei, mas porque ele cumpre toda a lei por necessidade de natureza. Veja, Deus não pode roubar porque é dono de tudo, mas se Deus não fosse dono de tudo, ele não poderia roubar mesmo que fosse Deus. Logo, basta dizer que Deus sempre age de acordo com sua própria Lei, pois o mesmo não pode negar a si mesmo, logo, sua lei não pode se diferenciar de sua justiça, portanto, nenhuma lei moral pode ser diferente do que é, e o conceito de Ex Lex se torna totalmente desnecessário. Portanto, é natimorto tal conceito. E derrotada a proposta clarkeana.
[16:05, 5/1/2019] Francisco Tourinho: Vincent Cheung percebe isso, que, se o conceito clarkeano de que Deus é dono de tudo for verdadeiro, o ex lex é desnecessário:

“A partir do que dissemos acima, segue-se que “não matarás” aplica-se a Deus. Mas, e daí? Frame diria que, portanto, Deus não é ex lex. O que ele fracassa em observar é que esse é um mandamento com conteúdo definido, e não simplesmente algum X indefinido. O que é assassinar? Na Bíblia, assassinato é o término deliberado de uma vida humana sem sanção divina. Podemos adicionar que isso deve ser feito por outro humano, ou pelo menos por outra mente racional, visto que animais não podem realmente “assassinar” no mesmo sentido, mesmo que o ato de matar seja deliberado. Agora, a menos que Deus possa alguma vez matar alguém sem sua própria aprovação, em cujo caso ele seria esquizofrênico (de forma que nosso problema seria muito maior do que ex lex), o mandamento nunca se aplicaria realmente. O mesmo acontece com “não furtarás ”. Não há nada para Deus roubar, pois ele fez todas as coisas, e tudo lhe pertence.
Assim, minha posição não é exatamente ex lex, mas que a grandeza e transcendência de Deus é tal que ele nem mesmo precisa ser ex lex.”

Quer dizer, se afirmar uma coisa, naturalmente se nega outra, Clark afimar um A e “não A” e oferece a própria ferramente de sua derrota.
Terminei meu comentário.

Daniel, considerações finais

Em minhas considerações finais não quero me deter tanto aos últimos comentários do Tourinho para não ficar retornando ao mesmo ponto. Creio que as objeções do Tourinho são fruto de um mal entendimento sobre o pensamento e a filosofia de Clark. Ele começou dizendo que Clark era voluntarista, prosseguiu dizendo isso e queria aplicar as implicações do voluntarismo ao pensamento de Clark. Uma vez que Clark não é voluntarista, Tourinho está batendo em um espantalho. Agradeço a paciência de todos, inclusive do Tourinho. Esse último comentário de Cheung não diz que Clark caiu em contradição, diz apenas que para Cheung não há lei que obrigue o Criador, enquanto que Clark não está falando de uma lei em sentido abstrato, mas da relação de Deus com sua própria Lei. Dessa forma, não vi nenhuma objeção de peso contra o Ex Lex de Clark e considero que as objeções do Tourinho foram devidamente respondidas. Se houver humildade, ele irá estudar mais sobre o pensamento de Clark, estudar mais acerca do voluntarismo e até mesmo reconhecer seus diversos equívocos. Se não houver humildade, ele poderá a qualquer momento dizer por aí que refutou Clark, que me refutou, etc. Se a honestidade tem algum valor para todos aqui do grupo que cada um pese e julgue honestamente cada um dos dois lados.

Pode fazer a sua consideração final, Tourinho

Vários foram os pontos que não foram abordados, atacados ou sequer entendidos pelo Daniel. Vou começar a demonstrar erros básicos até mesmo na compreensão da simplicidade divina, que é doutrina chave do entendimento calvinista, que todos, absolutamente todo cristão deveria dominar.

Por exemplo, perguntas como: a lei de Deus é um atributo? São perguntas que eu fiquei sinceramente pensando se realmente tinha sido feita, embora eu tenha respondido essa pergunta, eu não a fiz diretamente. Daniel consegue cometer o equívoco de comparar a lei moral de Deus, com a criação e reflexo de Deus no homem. Sinceramente, não sei como ele acha que refutou qualquer um dos meus argumentos fazendo objeções tão pueris como essas.

Pois muito que bem. A questão por ele colocada é falsa: para ele toda perfeição intra-essentia de Deus é um atributo, mas isso está muitíssimo longe da verdade. Por exemplo, Deus possui em sua essência, virtualmente e eminentemente, a perfeição da corporeidade e da animalidade; mas por acaso dirão os teólogos que a corporeidade e
a animalidade são atributos de Deus? Obviamente não! O grande problema é que ele faz um tremendo reducionismo, da polêmica dos nomes divinos e das perfeições divinas, à questão dos atributos clássicos que se atribuem à Deus (Criador, Santo, Omnipotente, Omnipresente, Omnisciente e etc.). Com efeito, nenhum teólogo dirá: Deus é corporeidade, ou Deus é animalidade; mas nenhum deles pode negar que a divina essência deve possuir e inerir tais perfeições de modo simples e indistinto com sua essência; do contrário Deus não seria perfeitíssimo, e esta perfeição que se manifesta nas criaturas ou viria do nada, ou viria das criaturas mesmas (o que é absurdo, porque o efeito sobrepassaria a perfeição de sua causa). Deus deve possuir todas as perfeições das criaturas de modo simples, até mesmo aquelas perfeições os teólogos costumeiramente não elencam como atributos de Deus, porque repita-se e repita-se mil vezes: Deus é ato puro, e como ato puro, deve ser a fonte-origem de toda perfeição e de todo ser.

Agora bem, a questão não é se a lei é um atributo divino (porque, como vimos, nem todas as perfeições se elencam entre os atributos, que podem ser absolutos ou relativos); o problema em verdade repousa na seguinte indagação: seria esta lei promulgada por Deus um término “ad extra” de sua operação (tal como são o restante das suas criaturas)? ESSA PERGUNTA FOI FEITA VÁRIAS VEZES SEM SER SEQUER TOCADA, pelo contrário, quis-se provar usando mudança de lei cerimonial, como se isso implicasse na mudança de lei moral. Se a resposta dessa pergunta for sim, Daniel terá de alcunhar uma estranha posição, qual seja: a de que as leis são como substâncias ou criações da parte de Deus; mas mesmo nas operações “ad extra” da parte de Deus se deve distinguir a ação tomada em si mesma (que é idêntica à essência divina) e o seu término extrínseco (a coisa a ser feita); de qualquer forma cairemos no dilema da simplicidade; aquela perfeição por Deus imanada deve estar contida nele de modo virtual e eminente, ou não estará; se estiver, então, caímos na posição clássica (as leis promulgadas por Deus identificam-se com ele mesmo, em sua essência); do contrário, cairemos em três absurdos: os términos operativos de Deus acrescentarão acidentes à sua essência na medida em que ele promulga X ou Y; ou a perfeição pela lei transmitida ou virá das criaturas mesmas ou virá do nada. Logo, é de toda absurdo, Clark dizer que somente 3 leis do decálogo não pode ser mudada, mas as outras 7 poderiam ser diferentes, como assim? Por acaso Deus poderia promulgar uma lei aprovando o adultério? Se não, então essa lei é de fulcro necessário, e já não pode ser diferente, e Clark, estaria novamente caindo em derrota.

Clark também afirmar: “Não há lei, superior a Deus, que o proíba de decretar atos pecaminosos. O pecado pressupõe uma lei, pois o pecado é ilegalidade.”

Para Clark, o dever moral do homem está associado a promulgação de uma lei, e como eu já mostrei, isso devidamente falso, pois mesmo que Deus nunca tivesse emitido uma lei, o homem ainda seria obrigado a ser justo, misericordioso os deveres morais estão intrinsecamente relacionados à razões, que estão para além de comandos morais, ou seja, para além da promulgação da lei. Não é a lei que torna algo moral ou imoral, mesmo na ausência da lei há pecado, por isso mesmo a morte e a culpa reina sobre todos aqueles que nunca ouviram do evangelho ou que desconhecem a lei, como Paulo afirma em Romanos 5.14. Por exemplo, Deus jamais poderia mandar violar uma mulher, mesmo que não tivesse lei alguma proibindo isso. A lei já supõe uma adequação perfeitíssima com a sua própria natureza divina, de modo que a lei é boa, porque Deus é o Sumo Bem: o comando não pode, de si mesmo, tornar algo moral ou imoral. Logo, não é uma questão de Deus está acima da lei ou não, ele mesmo, sendo a lei, cumpre a lei integralmente, pois não rouba, porque é dono, mas se não fosse dono, ele certamente não pegaria o que é alheio.
Esse ponto acima também sequer foi tocado por Daniel 👆

E para encerrar
Ficou definitivamente provado que o conceito de Ex Lex é totalmente desnecessário. Visto que, se Deus já dono de tudo, então ele não precisa está acima da lei, ele simplesmente cumpre a lei. Note as palavras de Vincent Cheung ao explanar essa visão: 

“Assim, minha posição não é exatamente ex lex, mas que a grandeza e transcendência de Deus é tal que ELE NEM MESMO PRECISA SER EX LEX.”

Traduzindo: se Deus é dono de tudo, o ex lex é desnecessário, visto que Deus não precisa estar acima de uma lei que ele cumpre por natureza.

A questão aqui não é que Deus se adeque a um padrão exterior. Quando falamos que Deus decreta algo porque esse algo é bom, é porque a bondade e necessidade dessa lei é anterior a promulgação da lei, não anterior a Deus. Pois é fato, como já ficou provado, que os deveres morais não precisam de um comando para se tornaram morais, NÃO É A LEI QUE TORNA ALGO MORAL, logo, algo não é bom porque Deus decreta, porque Deus quer, Deus quer algo porque esse algo é bom, visto que Deus quer o que sua essência o constrange a querer. Concordar com isso, é concordar comigo. Discordar disso, é cair na cisão entre vontade e intelecto que Daniel fugiu o debate todo. Então Daniel teve duas opções, concordar comigo, ou negar a outra opção, nesse caso, me parece que o debate estaria perdido para ele de qualquer forma.

Eu poderia ainda passar o dia todo aqui tendo que explicar conceitos básicos de teontologia, que estarão apresentados em meu livro, mas o objetivo do debate não era esse, embora o meu desafiante, mesmo formado, não soubesse do que se tratava. Muito obrigado a todos. Deus os abençoe. E obrigado pelo debate.

Aqui encerramos o debate.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.