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“Unigenitus” (1713) vs Estudo pessoal das Escrituras: resposta a Dave Armstrong (parte 2)

Apresentação

Esta será a minha tréplica ao artigo do senhor Armstrong, que replicou a um artigo escrito por mim contra suas ideias. A ordem do debate é essa:

1 – O artigo do senhor Armstrong:

2 – Meu artigo em resposta:

3 – Artigo do senhor Armstrong em sua primeira resposta a mim:

Meu método é um pouco diferente daquele que o senhor Armstrong utiliza, pois não cito totalmente cada palavra escrita por considerar cansativo, mas me atenho a representar bem as ideias contidas em seu artigo e a citar as partes mais importantes, preocupando-me com o fulcro do argumento.

Novamente, gostaria de agradecer ao senhor Armstrong pela oportunidade do debate.

INTRODUÇÃO

Em minha primeira réplica ao artigo original do Sr. Armstrong, concluí os quatro pontos seguintes:

1 – O senhor Armstrong se contradiz ao dizer que nenhum católico romano foi proibido de ler as Escrituras, seja leigo ou do clero e essa declaração é fatalmente contraditória com o que o próprio apologista Jimmy Akin disse e que foi citado com aprovação pelo senhor Armstrong.

2 – O magistério romano age atualmente contra suas resoluções dogmáticas do passado, a incentivar a leitura bíblica por todas as pessoas, distribuir bíblias e não censurar as lojas que vendem bíblia para qualquer pessoa que queira comprar.

3 – Que o senhor Armstrong não consegue provar que a TULIP calvinista foi uma inovação na história da Igreja. (Sub judice)

4 – Que a autoridade infalível do magistério e do Papa não é capaz de resolver as controvérsias dentro de sua própria Igreja.

Destes quatro pontos, em sua resposta, o senhor Armstrong trabalhou bem o primeiro e o segundo, considerou inadequado tratar do terceiro e não quis responder ao quarto.

Agora, darei minhas respostas.

1- DO PRIMEIRO PONTO

1 – O sr. Armstrong se contradiz ao dizer que nenhum católico romano foi proibido de ler as Escrituras, seja leigo ou membro do clero, e esta declaração é fatalmente contraditória com o que o próprio apologista Jimmy Akin disse e que foi citado com aprovação pelo senhor Armstrong.

O senhor Armstrong se defende ao afirmar o contrário da minha acusação e também diz que interpretei erroneamente as declarações da Bula “Unigenitus”. Ele diz:

Como uma declaração geral e universal (“Nenhum cristão pode ler a Bíblia sozinho”, etc.), não: a Igreja nunca fez tal proclamação. Alguém tem que simplesmente aceitar minha palavra para isso? Não. A Cambridge History of the Bible (não uma obra católica) afirmou que “nenhuma proibição universal e absoluta da tradução das Escrituras para o vernáculo nem do uso de tais traduções por clérigos ou leigos foi emitida por qualquer concílio da Igreja ou qualquer papa” (p. 391). O Novo Dicionário Católico de 1910 (HYPERLINK “https://www.studylight.org/dictionaries/eng/ncd/b/bible-reading-by-laity.html”Leitura da Bíblia por Leigos” ) reitera esta opinião:

Na história da Igreja nunca houve uma proibição geral contra a leitura da Bíblia pelos leigos. Embora a Igreja não considere a leitura da Bíblia necessária para a salvação, ela sempre aprovou tal leitura em condições adequadas.”

Aqui ele usa uma fonte que afirma que na história da Igreja NUNCA HOUVE uma proibição geral contra a leitura da Bíblia por leigos. Ele ressalta que os textos dos Concílios de Trento e os textos da Bula Unigenitus devem ser lidos com a premissa de que “ninguém pode ler a bíblia sem orientação”, ou seja, que quando a Bula condenou a tese 80, que diz que “A leitura da Sagrada Escritura é para todos.” (cuja conclusão lógica ao ser condenada tem o mesmo significado de “a leitura da Sagrada Escritura não é para todos”), ele está dizendo que existe uma cláusula implícita que, na verdade, quer dizer: “A leitura da Sagrada Escritura é para todos, desde que todos tenham acompanhamento”.

Para o senhor Armstrong, quando a Bula Unigenitus condena a tese 81: “A sagrada obscuridade da Palavra de Deus não é motivo para que os leigos se dispensem de lê-la.” (equivalendo a dizer: “A sagrada obscuridade da Palavra de Deus não é motivo para que os LEIGOS SE DISPENSEM DE LÊ-LA”), há uma cláusula implícita que quer dizer: “A sagrada obscuridade da Palavra de Deus é motivo para que os leigos se dispensem de lê-la, porém, todos os leigos devem ler as escrituras somente se forem acompanhados”.

Mais curiosa é a condenação da tese 85, que diz: “PROIBIR os cristãos de ler a Sagrada Escritura, especialmente os Evangelhos, é PROIBIR o uso da luz aos filhos da luz e fazê-los sofrer uma espécie de excomunhão.

O senhor Armstrong afirma que na Igreja “nunca houve uma proibição geral contra a leitura da Bíblia pelos leigos”. E o que significa a condenação de uma tese que diz que não devemos proibir a leitura da Sagrada Escritura?

A fonte que o senhor Armstrong usou não é fiel aos fatos históricos. Condenar uma tese que diz: “PROIBIR os cristãos de ler a Sagrada Escritura, especialmente os Evangelhos, é PROIBIR o uso da luz aos filhos da luz e fazê-los sofrer uma espécie de excomunhão.” É o mesmo que afirmar: “Proíbo os cristãos de ler a Sagrada Escritura, especialmente os evangelhos.”. Como assim a Igreja nunca proibiu a leitura irrestrita da sagrada Escritura se condenou a tese de que era errado proibir os cristãos de ler a Sagrada Escritura?

Além disso o historiador católico romano Paul Johnson afirma:

O acesso ao livro sagrado, fosse no idioma original, ou em qualquer outro, jamais constituíra um problema no Oriente. No Ocidente, o clero havia começado a reivindicar um direito exclusivo de interpretação – na verdade, de custódia – da Bíblia já no século IX; além disso, desde cerca de 1080 havia instâncias frequentes por parte do papa, concílios e bispos no sentido de proibir não apenas traduções vernaculares mas também toda e qualquer leitura, por leigos, da Bíblia como um todo. (JOHNSON, P. História do Cristianismo. Rio de Janeiro. Imago. 2001. p. 329)

Armstrong poderá objetar que Dr. Johnson estava se referindo apenas às versões não autorizadas, que serão mencionadas mais adiante no mesmo livro, mas adianto que o historiador afirma as duas coisas: que tanto versões não autorizadas quanto as versões autorizadas eram proibidas aos leigos.

1.1 – As inconsistências dos argumentos do senhor armstrong: os reformadores estavam certos.

Senhor Armstrong diz:

Isso é o que eu quis dizer, ao afirmar no final [esta parte citada por Francisco]:“O ‘Unigenitus’ (1713) do Papa Clemente XI proibiu a leitura da Bíblia? Não.“Ele recomendou restrições à leitura da Bíblia irrestrita, totalmente livre e “não monitorada” ou “não guiada”, o que é uma proposição diferente e que pode ser totalmente defendida, como pretendo fazer nesta resposta. Sou grato pela “oportunidade de ouro” de tornar meu argumento ainda mais forte do que era!

A pergunta que eu gostaria de fazer é: a Igreja de Roma, atualmente, defende que as pessoas leiam as Escrituras de forma totalmente livre e “não monitorada” ou “não guiada”? Essa pergunta é relevante porque Armstrong diz que a Igreja mudou de ponto de vista:

A pergunta que tenho para Francisco é: por que o foco em um documento papal de mais de 300 anos atrás, quando a Igreja Católica encorajou a ampla leitura individual das Escrituras desde pelo menos a década de 1890? Por que não se alegrar que todos concordamos com isso agora, em vez de revisitar posições passadas que não são mais mantidas?

Mas o senhor Armstrong em defesa da Unigenitus (e logo mostrarei porque aquele artigo foi o escolhido) defende que nenhum leigo foi proibido de ler as Escrituras, e que a Bula tão simplesmente defendeu que todos que lessem as Escrituras deveriam ser preparados para isso e não lessem sem orientação. Ora, mas qual é a diferença entre aquele ponto de vista e o de hoje? Defende-se hoje, na Igreja de Roma, que as pessoas não tenham uma preparação para a leitura da Escritura? Por um acaso deixou de existir o catecumenato? E, se a igreja mudou de ponto de vista, como afirma o senhor Armstrong, significa que eu estou correto em minhas acusações contra o Concílio de Trento e a Bula Unigenitus.

Quanto à pergunta do porquê focar em um documento de 300 anos atrás, respondo que isso mostra que os reformadores estavam corretos em advogar que todos lessem as Escrituras, posicionamento que não era o da Igreja de Roma na época da reforma, nem tampouco há 300 ou 200 anos. Era este o ponto em que gostaria de chegar e, é claro, comemoro junto com o senhor Dave Armstrong que o posicionamento de Roma tenha mudado e que todos concordamos com isso agora” , para usar as palavras do senhor Armstrong.

Agora eu pergunto: dado que a Igreja de Roma mudou seu parecer, a Unigenitus MERECE ser defendida por um católico romano? Não teria evitado muitos debates ao simplesmente dizer: “não cremos mais nisto”?

O senhor Armstrong continua:

O estudo individual da Bíblia deve ser totalmente livre e irrestrito, não requer nenhuma orientação necessária, a fim de entender corretamente a Sagrada Escritura de uma maneira não-herética [referindo-se aqui a visões heréticas aceitas por católicos, protestantes e ortodoxos , como a negação do trinitarianismo, a divindade de Cristo, etc.], e não acarreta nenhum perigo espiritual de a pessoa cair presa de falsas doutrinas devido à sua falsa interpretação da Escritura inspirada.

Essa é – no fundo – a premissa por trás de todo esse protesto contra recomendações restritivas como a do Unigenitus.”

Será que o senhor Dave Armstrong tem como provar que Quesnel e Jansenius estavam defendendo um estudo individual da Escritura totalmente livre e irrestrito” que requer nenhuma orientação necessária”? Teria ele como provar tais afirmações? Fica claro que há um alto grau de especulação e uma negação dos fatos reais, descritos no documento. Aliás, nem mesmo os protestantes afirmaram tal coisa como o próprio Dave Armstrong provou no seu último artigo ao mostrar claramente que Os calvinistas até tinham seus próprios concílios e uma espécie de “excomunhão”: o principal deles foi o Sínodo de Dort em 1618-1619.”

Novamente:

Não há diferença fundamental ou essencial aqui nos princípios. São exatamente iguais. Ambas as partes eram “pró-Bíblia”, mas “anti-Bíblias não autorizadas”.

A Igreja Católica (como os calvinistas) acredita que existe algo como “ortodoxia” e uma tradição sagrada recebida do cristianismo que foi transmitida pelos apóstolos (e que isso é inseparável da exegese e interpretação bíblicas).”

Francis Turretin, o grande campeão da ortodoxia calvinista, e que escreveu antes da Bula Unigenitus ser emitida, diz:

A liberdade de ler as Escrituras não elimina a instrução oral nem as diretrizes pastorais, ou outros auxílios necessários à sua compreensão” (TURRETIN, F. Compêndio de Teologia Apologética. Cultura Cristã. Vol 1. 2011. p 213.)

A própria existência de extensos catecismos, cânones conciliares e confissões no meio reformado já refuta esta afirmação no meio protestante. Será que Jansenius e Quesnel foram além dos protestantes?

Ouso afirmar que os católicos romanos queriam desencorajar a leitura da Palavra de Deus. O que nos resta é perguntar: com qual objetivo? Armstrong diz que era para proteger os homens das heresias, mas, se poderia haver abuso por parte dos homens simples, quão mais provável seria haver por parte dos homens letrados, já que, repetindo a pergunta que fiz no artigo passado: Qual foi a grande heresia foi criada por um homem simples? Não foram os grandes hereges da história também grandes eruditos da Igreja? A justificativa simplesmente não é plausível.

O senhor Armstrong continua:

Esta é uma das razões pelas quais Francisco escolheu este artigo em particular, porque ele acha que isso prova a hostilidade católica em relação à Bíblia: enquanto os protestantes se consideram os únicos campeões da Sagrada Escritura.”

Corretamente. E não é verdade? A Igreja de Roma não mudou seu ponto de vista e agora não concorda com os protestantes? Não foi essa a própria afirmação do senhor Armstrong que diz: Por que não se alegrar que todos concordamos com isso agora, em vez de revisitar posições passadas que não são mais mantidas?Novamente: ele estaria mais preocupado com a interpretação supostamente “ad hoc” de Jimmy do que com o fato de que católicos e protestantes estão alegremente em acordo básico hoje, e por mais de cem anos, sobre a leitura pessoal da Bíblia?”

O historiador acadêmico Alexander Robertson confirma a minha tese ao mostrar a situação da Irlanda católica romana em relação ao estudo e ao conhecimento das Escrituras no começo do século XX:

(…) finalmente imprimiram algumas Bíblias, os preços estavam muito além do alcance da maioria das pessoas. Entre dezembro de 1907 e fevereiro 1908 uma diligente pesquisa foi feita para determinar quantas Bíblias estavam disponíveis na Irlanda católica. Nenhuma parte da Bíblia estava disponível nas livrarias em Athlone, Balbriggan, Drogheda, Mullingar, Wexford, e Clonmel. Um assistente de loja em Mullingar disse: “Eu nunca vi uma Bíblia católica”. Quando perguntado sobre o Novo Testamento, um vendedor da Catholic Truth Society respondeu: “Nós não a temos”. Aqueles que fizeram o extenso levantamento concluíram que, “em 90% das cidades, vilas e aldeias ou na Irlanda, um católico não poderia encontrar uma cópia da Bíblia católica ou do Novo Testamento (ROBERTSON, A. The Papal Conquest. 1909. p 166-167).

Sim, nós protestantes somos os grandes campeões da Escritura Sagrada. Graças dou a Deus que os católicos romanos mudaram sua antiga visão, agora incentivando a leitura da Escritura a todos os cristãos.

1.2 – Sola Scriptura conduz a muitas divisões?

O senhor Armstrong continua:

Supõe-se (aparentemente sem muita reflexão) que distribuir Bíblias para todo mundo (uma prática que nunca é sancionada na Bíblia), para criar teologia por conta própria sem orientação eclesiástica ou acadêmica, é perfeitamente bom e elegante.”

Agora eu pergunto: quem na história da Igreja, seja um protestante ou até mesmo o Papa atual distribuiu Bíblias visando promover a divisão? Com o objetivo de cada um produzir uma teologia própria? Quem destes tem objetivo de tornar desnecessária a orientação eclesiástica?

Nem mesmo as seitas citadas pelo senhor Armstrong defendem tal coisa, pois as Testemunhas de Jeová tem o Corpo Governante, os Mórmons também tem suas autoridades eclesiásticas, tendo, aliás, magistérios que se aproximam muito do modelo católico romano.

Após Armstrong criar um boneco de palha, ele continua:

Mas a proposição/premissa acima é verdadeira?

Claro que não, como já foi dito: ninguém distribui bíblias para criar novas seitas, de promover a divisão e de fazer as pessoas criarem uma teologia própria, isso faz parte do “prejuízo”.

Ele continua:

Eu diria que claramente não é verdade, com base em duas considerações:

1) ensino bíblico sobre leitura da Bíblia.

2) a história dos cultos não trinitários, especialmente na América, como resultado dessas visões radicalmente sola Scriptura.

Agora me parece que o senhor Armstrong está concordando com o parecer da Unigenitus e discordando do parecer moderno da Igreja de Roma, mas, simultaneamente, pergunta a mim o porquê de eu ressuscitar um documento de 300 anos. E aqui vai o meu segundo motivo: a maioria dos apologistas católicos concordam, mesmo que às vezes inconscientemente, com a Unigenitus, porque assim como Ethos protestante é a Sagrada Escritura, o Ethos católico romano é a Tradição e a Igreja. Note que ora o senhor Armstrong diz que a Igreja mudou de crença e nos motiva a comemorarmos juntos, ora ele defende a Unigenitus e Trento como se esse fosse o mesmo posicionamento da Igreja atualmente.

Tenho absoluta certeza de que quando o Concílio Vaticano II, em sua Constituição Dei Verbum, afirma:“É preciso que o acesso à Sagrada Escritura seja amplamente aberto aos fiéis” (Dezinger, 4229) Novamente:“Este Sagrado Concílio exorta com ardor e insistência todos os fiéis, mormente os Religiosos, a que aprendam a eminente ciência de Jesus Cristo (Filipenses 3,8) mediante a leitura frequente das Divinas Escrituras, porque a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo. Debrucem-se, pois, gostosamente sobre o texto sagrado, quer através da Sagrada Liturgia, rica de palavras divinas, quer pela leitura espiritual, quer por outros meios que se vão espalhando…, com a aprovação e o estímulo dos pastores da Igreja. Lembrem-se, porém, de que a leitura da Sagrada Escritura deve ser acompanhada da oração, para que seja possível o colóquio entre Deus e o homem; com Ele falamos quando rezamos; a Ele ouvimos quando lemos os divinos oráculos.”(Dezinger, 4233-4235), não tinha como objetivo criar seitas, fomentar divisões e abolir a autoridade eclesiástica. Isso nada mais é do que um boneco de palha criado pelo senhor Armstrong.

O senhor Armstrong agora é mais incisivo:

Agora para uma breve consideração da história das seitas heréticas: especialmente nos Estados Unidos. Aqui na América, as falsas seitas são particularmente propensas a se desenvolver, porque somos o país protestante por excelência. Heresias históricas na Igreja primitiva e esses cultos tardios defendiam a Sola Scriptura, assim como os protestantes. A partir dessa premissa eles estabeleceram seus pequenos impérios heréticos.

Aqui ele acusa o princípio de Sola Scriptura de ser responsável pelas divisões e pela criação de novas seitas. Bem, eu poderia simplesmente responder como fez a mim e dizer: “NÃO JOGO ESSE JOGO”. Mas não farei isso, porque agora ele entrou no jogo. Assim repetirei a pergunta que o senhor Dave Armstrong evitou responder em meu artigo anterior:

“a existência de um magistério e um Papa igualmente infalível não evitaram que existissem divisões. Dentro da Igreja de Roma temos os tomistas (e suas várias escolas, como Banheziana e Zumeliana), molinistas (que discordam frontalmente de princípios tomistas fundamentais como o quidquid movetur ab alio movetur “tudo que se move é movido por outro”, além de pregar uma eleição condicional e ser um semi-pelagianismo escancarado, removendo claramente os marcos antigos visto que tal doutrina foi condenada em vários concílios na história da Igreja, mas hoje Roma vê com bons olhos. Os escotistas que discordam dos tomistas em aspectos profundamente ontológicos, embora concordem quanto a doutrina da predestinação. Durandistas que negam a concorrência divina, Suaristas e suas diversas escolas e o que dizer dos proponentes da “Nouvelle Théologie” com Lubac e Rahner? Os católicos romanos não são capazes sequer de definir quais são os seus concílios ecumênicos, como o 10º Concílio Ecumênico, o II Concílio do Latrão iniciado em 4 de Abril de 1139, que mantém a sua ecumenicidade em caráter controverso (Dezinger 715-718), também tem caráter controverso o Vaticano II que é questionado por várias autoridades romanas e, diga-se de passagem, não chegam ao consenso nem de quem é o atual Papa! Tem gente (sedevacantistas) que acredita que nem Papa existe na cadeira de São Pedro hoje, e quem não lembra da controvérsia entre João XII e Bento V? Qual Papa era o legítimo? Até hoje não se sabe.

As tantas divisões atualmente dentro da Igreja de Roma, que vão muito além do que foi dito acima, já servem de prova cabal, do efeito para a causa, de que o magistério infalível e o Papa infalível são totalmente ineficientes para resolver controvérsias e totalmente ineficazes contra divisões.”

Agora me parece que o senhor Armstrong entrou no jogo sem querer, mas terá que encarar esta objeção legítima de frente, pois, ao fazer essa pergunta, não estava tentando tratar de todos os temas de uma vez só, como meu objetor me acusa, mas usar os fatos como argumento contra a ideia de que a infalibilidade Papal mantinha a Igreja unida.

Se o Sola Scriptura causa divisões e o Papado e magistério infalível e a Tradição são remédios eficientes contra as divisões, então por que há tantas divisões dentro da Igreja de Roma? Esta foi a pergunta que eu fiz, e antes que me fosse perguntado: “que divisões?”, eu me adiantei e elenquei algumas.

É certo que o argumento da divisão só funciona com quem não conhece absolutamente nada de história da Igreja. O que dizer da Igreja Copta e Armênia que se separaram da comunhão das outras Igrejas em 451 d.C? Em 1054 d.C. tivemos a divisão entre Roma e Constantinopla, uma dupla excomunhão! Nenhuma dessas Igrejas são protestantes, todas advogam para si uma sucessão apostólica, uma diz ter sido fundada por São Marcos, outra por São Judas, outra por Santo André. Qual seria a verdadeira sucessão? A de Pedro? Onde estava o infalível Papa da Igreja de Roma para manter a unidade da Igreja? Ora, se sequer conseguiu manter uma unidade jurisdicional, imaginemos então uma unidade doutrinária. Esses fatos também quebram um erro de abordagem de apologistas católicos, pois sempre que é possível, usam o termo protestante de forma genérica como se protestante fosse sinônimo de tudo que não é Igreja de Roma.

Além disso, não passa de um mito que os defensores do Sola Scriptura defendem uma falta de unidade ou um estudo individual, irrestrito e uma licenciosidade da interpretação da Escritura por todos e qualquer um. Isso é totalmente falso, como diz Dave Armstrong:

Claro, os calvinistas fizeram (e fazem) exatamente a mesma coisa. Eles nunca permitiriam o ensino público (supostamente ou realmente apoiado pela Bíblia), que fosse contrário às suas cinco doutrinas distintas de “TULIP” (depravação total / eleição incondicional / expiação limitada / graça irresistível / perseverança dos santos). Os calvinistas até tinham seus próprios concílios e uma espécie de “excomunhão”: o principal deles foi o Sínodo de Dort em 1618-1619. Seus cânoneslêem pouco diferentemente (em seu “dogmatismo”) dos decretos católicos tridentinos e papais, condenando dezenas de crenças de colegas protestantes (arminianos) que diferem das últimas inovações e tradições de homens do calvinismo (ambos os lados, é claro, apelando para as Escrituras em relação a todos suas crenças)” (https://www.patheos.com/blogs/davearmstrong/2021/05/unigenitus-1713-vs-personal-bible-study.html )

O Sínodo de Dort, citado pelo próprio Armstrong, prova o contrário de suas insinuações no artigo:

Portanto, este Sínodo de Dort em nome do Senhor implora a todos os que devotamente invocam o nome de nosso Salvador Jesus Cristo para formar seu julgamento sobre a fé das igrejas reformadas, não com base em falsas acusações reunidas aqui ou ali, ou mesmo com base nas declarações pessoais de várias autoridades antigas e modernas declarações que também são frequentemente citadas fora de contexto ou mal citadas e distorcidas para transmitir um significado diferente – mas com base nas próprias confissões oficiais das igrejas e da presente explicação do ensinamento ortodoxo que foi endossado pelo consentimento unânime dos membros de todo o Sínodo, todos e cada um.” (http://www.monergismo.com/textos/credos/dort.htm)

Sola Scriptura não significa relativismo, nem significa abandono da Tradição. Nós apenas discordamos da Igreja de Roma sobre o que é Tradição. Os teólogos católicos, na esteira do Concílio Tridentino, definem a TRADIÇÃO COMO O CONJUNTO DE DOUTRINAS REVELADAS REFERENTES À FÉ E À MORAL, NÃO CONSIGNADAS NAS ESCRITURAS SAGRADAS, MAS ORALMENTE TRANSMITIDAS POR DEUS À IGREJA (Sessão IV, de 8 de abril de 1546, sob o pontificado de Paulo III). Enquanto para nós protestantes a Tradição é o ensino que brota das Escrituras, não o que está fora dela. Como diz João Calvino sobre a autoridade dos Concílios:

Assim sendo, aqueles concílios antigos, como o niceno, o constantinopolitano, o primeiro efésio, o calcedôneo, entre outros, que foram realizados para refutar erros, de bom grado os abraçamos e os reverenciamos como sacrossantos, no que respeita aos dogmas da fé; pois nada contêm senão a pura e natural interpretação da Escritura, que os santos pais haviam, com sabedoria espiritual, aplicado para esmagar os inimigos da religião que haviam então surgido.” (Institutas 4.9.8)

O intelectual católico romano Erik von Kuehnelt-Leddihn, alguém acima de qualquer suspeita, refuta cabalmente a ideia de que Lutero era um subjetivista:

Ele não era um neurótico que queria casar-se com uma freira; nem um libertário subjetivista que queria promover “interpretações subjetivas” da Bíblia; nem ansiava por “liberdade pessoal”. Ele era mais decididamente um rigorista que queria voltar para o que ele considerava ser a pureza da Igreja.” (KUEHNELT-LEDDIHN, E. From de Sade and Marx to Hitler and Marcuse. p 55. Disponível em: https://cdn.mises.org/Leftism%20From%20de%20Sade%20and%20Marx%20to%20Hitler%20and%20Marcuse_5.pdf )

A mesma obra também defende Calvino das acusações de subjetivista, relativista e todas as demais acusações feitas por apologistas católicos romanos de menor cepa.

Cabe ressaltar que nenhuma das seitas citadas pelo senhor Armstrong são de fato Sola Scripturistas, como o próprio Armstrong falou, elas têm uma visão radical do Sola Scriptura, que é tecnicamente chamado de Nuda Scriptura (Sobre Nuda Scriptura, ver BURGER, Hans. Sola Scriptura: Biblical and Theological Perspectives on Scripture, Authority and Hermeneutics. Brill. Leiden. 2018. p. 51)

Outro ponto que deve ser destacado: uma coisa é todos terem acesso e lerem as Escrituras, o que não significa que todos devem ensinar na Igreja o que entenderam das Escrituras. Aquele que estuda a Escritura e medita deve recorrer aos mestres em caso de dúvida, e o ensino é reservado aos mestres reconhecidos formalmente.

Chad B. Van Dixhoorn em sua obra A Puritan Theology of Preaching, diz que o pregador deve ser um homem ordenado e treinado na Escritura e Teologia. Além disto, ao contrário do que se pensa, ele defende que o ensino público da Palavra de Deus é mais efetivo como meio de graça do que a leitura privada. Isto nos mostra que a questão não é fazer do tema algo fulcral de disputa, como se o hábito religioso mais importante fosse a leitura privada. Apenas defendemos que todos devem ter o acesso às Escrituras.

Agora, supondo que Armstrong esteja realmente correto, que seja o Sola Scriptura a causa das muitas divisões, ainda assim cairia em uma falácia genética. Simplesmente não se pode concluir que algo é ruim em si mesmo por causa de efeitos ruins que provocou, seria como eu dizer que Deus era mau e a criação igualmente má, pelo simples fato de que por causa da criação existem satanás e também o pecado de Adão, ou seja, se Deus não tivesse criado, nada disso existiria.

1.3 – A leitura da Escritura deve ser permitida a todos? Respondo que sim: contra o parecer de Dave Armstrong.

Como eu mesmo falei no artigo anterior: não é que a leitura da Escritura seja absolutamente necessária a todos homens para serem salvos, pois as crianças são salvas e, igualmente os iletrados, mesmo sem ele mesmo fazer a leitura da Sagrada Escritura. A questão é que não se pode proibir a ninguém de ler a Escritura caso possa ou queira ler. Novamente: A questão não é se a Igreja pode ensinar, aliás a Igreja deve ensinar, é uma das missões da Igreja, nem se o catecúmeno deve ser guiado a ler primeiramente determinados livros e ser instruído a ler outros quando tiver mais capacidade, a questão é se a leitura deve ser proibida a todos, isso negamos. Melhor dizendo, negamos que a leitura só é permitida a alguns e a outros não, que só poderão ter acesso às Escrituras sob determinadas condições.

A despeito das citações bíblicas feitas pelo senhor Armstrong, objeto que tais versículos apenas mostram os mestres ensinando pessoas. Ora, nunca negamos a necessidade de mestres, nós negamos que seja vedada a leitura a alguém. O eunuco não tinha mestre, mas isso não o impediu de ter sua Escritura. Além disto, elenco mais alguns motivos:

1 – Uma ordem divina se aplica a todos e a cada um.

Examinais as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas a vida eterna, e são elas que de mim testificam;” João 5:39

E estas palavras, que hoje te ordeno, estarão no teu coração;
E as ensinarás a teus filhos e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-te e levantando-te.
Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por frontais entre os teus olhos
.”
Deuteronômio 6:6-8

Embora existisse um sacerdote e os mestres de Israel, era dever de todo homem ensinar aos seus filhos, a ninguém era vedado ler e meditar nas Escrituras. Ora, não se deve admitir somente a alguns um privilégio que é ordenado a todos como um dever.

Aliás, é uma virtude meditar na lei do Senhor:

Antes tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei medita de dia e de noite.”
Salmos 1:2

Não se aparte da tua boca o livro desta lei; antes medita nele dia e noite, para que tenhas cuidado de fazer conforme a tudo quanto nele está escrito; porque então farás prosperar o teu caminho, e serás bem sucedido.” Josué 1:8

2 – A Escritura foi dada aos homens para que fosse um meio de salvação e graça.

Porque tudo o que dantes foi escrito, para nosso ensino foi escrito, para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança.” Romanos 15:4

Tomando sobretudo o escudo da fé, com o qual podereis apagar todos os dardos inflamados do maligno.” Efésios 6.16. Se a fé é para todos os homens, a Palavra de Deus também é, pois logo em seguida se diz: “Tomai também o capacete da salvação, e a espada do Espírito, que é a palavra de Deus;Efésios 6:17

3 – As escrituras são o testamento do nosso Pai. Poderia alguém proibir um filho de fazer a leitura do testamento do próprio Pai?

2 – O SEGUNDO PONTO

2 – O magistério romano age atualmente contra suas resoluções dogmáticas do passado, a incentivar a leitura bíblica por todas as pessoas, distribuir bíblias e não censurar as lojas que vendem bíblia para qualquer pessoa que queira comprar.

Argumentei contra o senhor Armstrong que a Bula Unigenitus era infalível e que as resoluções atuais do Concílio Vaticano II configuram uma contradição no magistério.

A resposta do senhor Armstrong foi:

Não é um documento infalível porque estava recomendando práticas de leitura da Bíblia, que se enquadram na categoria de “decretos disciplinares”: eles próprios não são infalíveis (o celibato dos padres seria outra questão nesta categoria). Como o próprio Francisco observa mais tarde em seu artigo, a Igreja Católica mudou esses pontos de vista. Fazíamos isso desde o Papa Leão XIII (r. 1879-1903) o mais tardar, e especialmente no Vaticano II (1962-1965). Algo que pretendia ser infalível não pode mudar, por definição. Assim, pelos critérios católicos dos vários níveis de autoridade dos documentos, este falha nos testes como infalível.

Há motivos reais para pensar que a Bula Unigenitus seja considerada infalível. Primeiro porque Infalível não é só quando o Papa fala ex cathedra. Nem é unicamente infalível o concílio ecumênico que define obrigatoriamente uma doutrina de fé e costumes. Infalível também é o episcopado universal, quando espalhado por toda terra, concorda com o Papa em uma verdade de fé e de costumes e que devem manter a todos os fiéis. Como diz o Manual de Teologia Dogmática de Ludwig Ott, na sua página 452:

O Episcopado pleno é infalível quando, reunido em concílio universal ou disperso pelo globo, ensina e propõe uma verdade de fé ou costumes para que todos os fiéis a sustentem.”

Em contraste com o magistério extraordinário de um concílio ecumênico ou de um Papa que define ex cathedra, a dogmática claramente se refere ao magistério ordinário:

“Os bispos exercem seu magistério infalível de maneira ORDINÁRIA quando em suas respectivas dioceses anunciam unanimemente, em união moral com o papa, as mesmas doutrinas de fé e costumes. A conformidade de todos os bispos a uma doutrina pode ser verificada pelos catecismos oficiais das dioceses, pelas cartas pastorais, pelos livros de orações expressamente aprovados e pelos decretos dos sínodos particulares. Basta que haja uma conformidade moral universal, e não deve faltar o consentimento explícito ou tácito do papa como chefe do episcopado” (OTT, L. Manual de Teologia Dogmática. Biblioteca Herder. P 452.)

A pergunta é: houve ou não um assentimento por parte de todos os Bispos? À primeira vista não, mas os Bispos que discordaram da Bula Unigenitus foram todos excomungados; logo, é obvio que aqueles que restaram, acabaram concordando. Se todos os Bispos concordam juntamente com o Papa, mesmo que ordinariamente, tal doutrina é infalível pelo simples fato de que, segundo a teologia de Roma, os Bispos são sucessores dos apóstolos, não podendo estar todos eles errados, o que significaria que a Igreja inteira estaria errada. Isto é impossível segundo a teologia de Roma, pois eles creem que há uma promessa do Espírito Santo que os protegem do erro total.

Quanto aos decretos disciplinares, eu discordo. A Bula Unigenitus condenou 101 proposições, que distinguiu em teológicas e disciplinares. As proposições teológicas versavam sobre a graça (1-48), sobre o temor (49-57); as disciplinares sobre a Igreja (72-75), sobre a Escritura (79-86), sobre o pecado e a excomunhão (87-92) e sobre os abusos da Igreja (93-101). (CANDIDO, dos S. Jansenismo em Portugal. Faculdade de Letras da Universidade do Porto Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais. Porto. 2007. p 183) Disponível em: https://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/4177.pdf )

As condenações de caráter disciplinar atingem as teses de número 72 até 75, que não se referem à Escritura, ao contrário das que estamos tratando, que vão de 79 a 86. Isto é de suma importância porque tratar sobre a Escritura é tratar sobre a fé, e o Papa é infalível quando fala como Papa, não pessoalmente, em matéria de fé e moral. O Papa, ao emitir a Constituição Apostólica, emitiu uma opinião pessoal ou falou como Papa? A resposta é óbvia. Por esta razão defendo que o magistério caiu, sim, em contradição, pois a Unigenitus se enquadra nos critérios de infalibilidade.

Tampouco se justifica a falibilidade de um documento pelo fato dele ter sido mudado; ora, isso é uma conclusão Ad Hoc pois pressupõe a infalibilidade da Igreja, i.e., se pressupõe o que se quer provar, o que é flagrantemente circular.

1.3 – Sobre as explicações do senhor Jimmy Akin

Deixei esta parte por último por julgá-la menos importante. Isso porque já alcancei meu objetivo, que era mostrar que a Igreja de Roma mudou de opinião e hoje concorda com os protestantes, o que significa dizer que os reformadores estavam corretos. Também atingi outros objetivos como mostrar as inconsistências do raciocínio do senhor Armstrong que, ora defendia a Unigenitus, ora defendia o Vaticano II, ora assumia que a Igreja tinha mudado de opinião, ora parecia defender que não tinha mudado de opinião. Mesmo assim farei algumas rápidas observações sobre as inconsistências dos argumentos do senhor Armstrong e Jimmy Akin:

Primeiro, creio que é razoável condenar teses que podem ser interpretadas de forma a conduzir a heresias ou a práticas heterodoxas. Disso, nunca discordei. Porém há vários questionamentos.

1 – Tanto o senhor Armstrong como o senhor Akin defendem que é razoável condenar jansenistas por uma declaração dúbia ou que nos leve a isso. No meu ver, as próprias acusações protestantes são evidencia de que a Unigenitus inteira deveria ser condenada pelas mesmas razões, por ser dúbia. Por exemplo, o senhor Armstrong diz:

Sem passar por cada censura individual em detalhes, fica claro que muitas delas são bastante limitadas em seu significado e não implicam que uma proposição seja totalmente falsa – apenas que há algo problemático com ela.”

Se ser problemático é um critério para condenação, então a própria Unigenitus deveria ser a primeira condenada. Se a Unigenitus não fosse problemática, certamente não estaríamos debatendo sobre ela aqui.

Novamente: Eles apenas significam que a proposição é pelo menos suspeita (soa mal), pelo menos mal formulada (ofensiva para ouvidos piedosos), ou pelo menos não provada e potencialmente perigosa (erupção).”

Pela quantidade de cláusulas implícitas que o senhor Armstrong teve que inserir na Bula para que a mesma fosse defendida, já se nota claramente que a própria Bula é mal formulada, “ofensiva a ouvidos pios” e “suspeita”. Ademais, quem não acharia a frase: “A Escritura não é para todos” ofensiva ou, pelo menos, suspeita?

Acessei o link citado para o trabalho do senhor Akin. Minhas conclusões é que o mesmo está especulando as razões pelas quais algumas teses jansenistas foram condenadas. Ele simplesmente não tem certeza do porquê. Por exemplo:

81. A sagrada obscuridade da Palavra de Deus não é motivo para que os leigos se dispensem de lê-la.

A rejeição desta afirmação parece ter a intenção de proteger os fiéis de terem que arcar com o fardo de estudar as Escrituras por conta própria, apesar da obscuridade que Deus desejava que as Escrituras tivessem. Em outras palavras, não há problema em uma pessoa dizer: “Pela providência de Deus, as Escrituras não são tão claras quanto eu gostaria que fossem para estudá-las por conta própria. Estou na posição do eunuco etíope, que não consegue discernir pontos importantes sozinho, sem orientação. O fato de as Escrituras conterem esse nível de mistério é uma razão para eu não estudar a Bíblia sem orientação.”

Esta condenação é falha em si mesma, e a sua total falta de sentido mostra também a sua especulação.

É claro que ninguém dará uma Bíblia para ser lida por um analfabeto. Assumir que este era um significado possível da tese e a razão pela qual foi condenada é subestimar a tese e a inteligência de quem a lê. Se o fiel é totalmente iletrado, significa que ele não tem os instrumentos para a leitura das Escrituras. Como uma tese pode condenar que alguém pela leitura das Escrituras se o mesmo que não sabe ler? Imagine a condenação: “proíbo a leitura das Escrituras àqueles que não sabem ler”. Ora, seria o mesmo que dizer: “proíbo os homens de voarem sem instrumentos; estão todos proibidos”. Não faz o mínimo sentido proibir homens de fazer o que por natureza eles não podem fazer.

Armstrong me acusa de assumir a pior das hipóteses ao interpretar a Unigenitus, mas a Unigenitus assume a pior das hipóteses quando condena as teses jansenistas. Os jansenistas queriam dizer que alguém pode ler a Bíblia sem qualquer preparo? Sem saber ler, sendo analfabeto? Gostaria muito que o senhor Armstrong provasse esse ponto.

E para fazer o arremate, também é dito:

“Seria legal se eles fizessem o último, mas eles tendem a não por razões práticas (entre eles, às vezes exigiria obras em vários volumes apenas para lidar com todos os sentidos possíveis que possam estar envolvidos, pode ser difícil imaginar todos os sentidos possíveis, e o estágio de desenvolvimento doutrinário necessário para abordar todas as interpretações possíveis pode não ter sido alcançado).

Jimmy Akin diz que seria melhor se documentos como a Unigenitus fossem mais detalhados e que é difícil lidar com todos os sentidos possíveis. Também diz que não foi feito um documento que clarificasse o assunto porque isso exigiria um trabalho de vários volumes, como se aqueles homens não fossem pagos para isso. Volume de documentos nunca foi problema para a Igreja. Tal justificativa é simplesmente pueril. Ora, nada impede que seja confeccionado um livro, que pode acompanhar qualquer documento, contendo uma análise mais detalhada com a intenção de cada condenação, servindo como “documento prova” para clarear a verdadeira intenção de cada condenação.

Encerro por aqui. Alguns temas não foram abordados, como por exemplo o tema das perseguições.

Uma resposta em ““Unigenitus” (1713) vs Estudo pessoal das Escrituras: resposta a Dave Armstrong (parte 2)”

Que Rocha firme é Palavra de Deus! Quão mais longa é tradição dos filhos de Abraão!

Bem falou nosso irmão Nicodemus:

Um católico publicou no meu Twitter que se um evangélico estudasse a história, ele se tornaria católico. Minha resposta foi que se ele começasse a estudar a Bíblia, ele se tornaria reformado. No desejo de pertencer à história, a Igreja católica se apresenta como a igreja cristã que tem dois mil anos de idade e ela vê isso como sendo um indicativo de que é a verdadeira igreja. Entretanto nós, os reformados, somos muito mais antigos do que isso. Nós somos os descendentes espirituais de Abraão, Isaque e Jacó. O nosso pai na fé é Abraão nós somos muito mais antigos do que a estrutura imperial da igreja romana que começa no século IV depois de Constantino. A nossa fé remonta o tempo dos patriarcas, dos juízes, dos salmistas, dos profetas que nos falaram a respeito do Messias! Então essa conversa de antiguidade ela é somente para aqueles que ignoram boa teologia bíblica e o sentido da Escritura.

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