Categorias
Apologética Argumento Cosmológico Ateísmo Filosofia

Posso usar o Argumento Cosmológico Kalam para validar o ateísmo?

Esse texto vai de encontro ao texto de Quentin Smith, onde o mesmo defende que o argumento cosmológico Kalam, de tão dúbio, pode inclusive servir para provar o ateísmo. Será?
O argumento cosmológico Kalam se configura da seguinte forma:

01-  Tudo que começa a existir tem uma causa.
02-  O Universo começou a existir.
03-  Logo, o Universo tem uma causa.

Para saber mais, leia os textos no blog.


O Universo pode causar a si mesmo?
Para validar seus argumentos, Smith ataca a primeira e terceira premissa de uma vez só afirmando: “o universo causa a si mesmo” e “mais precisamente, argumento que o começo da existência do universo se causa a si mesmo.”

Essa afirmativa é no mínimo ousada, falaremos sobre isso e no decorrer do texto apresentaremos argumentos contrários às premissas que levaram Smith a chegar a essa conclusão. 


Quentin Smith já falou certa vez que o universo veio “do nada, pelo nada e para o nada”1  e exatamente isso que tenta se defender, pois quando dizemos que algo não tem uma causa é o equivalente a dizer que esse algo veio do nada, mas do nada, nada vem, e a experiência, tanto científica como cotidiana nos mostra exatamente o contrário. Não vemos absolutamente nada no Universo, que surge do nada e sem causa, porque somente o Universo pode ser uma exceção? A verdade é que se encontramos uma bola no meio de uma floresta, certamente procuraremos a causa e o porquê dela estar ali. Se aumentarmos o objeto para um carro e depois para um avião, não será o tamanho do objeto que fará com que este não tenha uma causa. Se tudo no Universo tem uma causa, por que logo o Universo não terá uma causa? Isso é arbitrariedade, pois não temos um motivo sequer para descartar uma causa para o Universo. Por que motivo qualquer coisa ou todas as coisas não vieram a existir a partir do nada? Não pode haver no nada algo que constranja o Universo, pois o nada não possui quaisquer propriedades. Nem pode haver algo que constranja o nada, pois não há nada a ser constrangido.

No texto que estamos refutando, especificamente, o que Quentin Smith alega é que o Universo não tem uma causa, porque causou a si mesmo, isso porque sempre existiu, o que vai de encontro às teorias científicas mais bem sucedidas como a do Big Bang.

Poderíamos nos perguntar: Poderia existir “tempo antes do tempo”? O que poderia existir antes do Big Bang, se o tempo e o espaço começaram a partir da grande explosão? Poderíamos imaginar um espaço antes do espaço? Seria auto-contraditório pressupor tempo e espaço a fim de explicar a origem do tempo e do espaço, fisicamente isso é impossível, é como dizer que o ovo trouxe a galinha à existência e a galinha trouxe o ovo à existência, como é flagrantemente auto-contraditório, pela lógica, não pode ser verdade.
Por outro lado, se crermos que há um Criador pessoal do universo, não apenas é logicamente consistente, como também segue a lógica das premissas apresentadas no texto.

O Universo não pode trazer a si mesmo a existência, pois para que pudesse criar a si mesmo o Universo já teria que existir. Ele teria que existir antes de existir! Essa proposta é logicamente incoerente.

Ele também diz: “A minha conclusão é que o argumento cosmológico Kalam, quando se formula de uma maneira consistente com a ciência contemporânea, não é um argumento a favor da existência de Deus, mas um argumento a favor da inexistência de Deus, e um argumento a favor de uma explicação ateia completa do começo da existência do universo.”.

Como assim? “de maneira consistente com a ciência contemporânea?”
Deixarei uma referência sobre isso: “Diz-se que um argumento é algo que convence pessoas razoáveis e uma prova é algo que convence até mesmo quem não é razoável. Com a prova agora em seu devido lugar, os cosmólogos não podem mais se esconder atrás da possibilidade de um universo eterno. Não há como escapar: eles têm que encarar o problema da origem cósmica.”2

Depois disso, ele ataca a segunda premissa, tentando argumentar sobre o começo do universo, assim ele diz: “Segundo a ciência física contemporânea, em particular a cosmologia do Big Bang, não há um primeiro instante t = 0. Se houvesse tal instante primeiro, o universo existiria num estado impossível nesse instante; todo o universo espacial tridimensional ocuparia ou existiria num ponto sem dimensão espacial. Tal estado de coisas seria descrito por proposições matemáticas destituídas de sentido.”
A citação anterior já desbanca a questão do tempo 0. O que Smith quer, na verdade, dizer com isso, é que o universo não teve um início, o que vai de encontro a cosmologia moderna.

Ao falar do começo do tempo, ele usa um argumento de que o tempo é infinito, trabalhando o tempo como uma fita métrica, em que há infinitos pontos em uma reta, assim diz:
“ Eu uso a ideia da cosmologia do Big Bang de que a primeira hora (minuto, segundo, etc.) da existência do universo é semiaberta na direcção da anterioridade. Isto significa que não existe um instante que corresponda ao número zero no intervalo da linha real que contém um infinito (contínuo) de números maiores que zero e menor que um ou um: 0 > x ≤ 1. Se o tempo for contínuo, então não há um primeiro instante x que se suceda imediatamente ao hipotético “primeiro instante», t = 0. Isto porque entre quaisquer dois instantes, há um número infinito de outros instantes. Se “eliminarmos» o instante t = 0 que corresponde a 0 no intervalo 0 > x≤ 1, não encontraremos um dado instante que se siga imediatamente ao instante “eliminado» t = 0. Por exemplo, o instante y que corresponde ao número 0,5 não pode ser o primeiro, dado que entre o número 0 e o número 0,5 há um número 0,25 e um dado instante z que corresponde a 0,25. O mesmo acontece com qualquer outro número no intervalo 0 > x ≤ 1.”

Zenão, filósofo grego que viveu em cerca de 450 a.C., usou o mesmo argumento para mostrar que seria impossível sair de casa e chegar a uma escola, por exemplo. Seguindo o mesmo raciocínio, imagine que sua casa se localiza no ponto A e o seu emprego no ponto Z. Portanto, para sair da sua casa e chegar ao seu emprego, você irá de A até Z. Mas para ir de A até Z, você terá que passar pelo ponto B, que fica na metade do caminho. Agora para andar de B até Z, terá que passar pelo ponto C, que seria a metade da metade do caminho e assim sucessivamente, de forma que você andaria a metade da metade e mais a metade da metade, até nunca chegar ao ponto desejado, no caso, o emprego. Sendo a reta um infinito de pontos, jamais chegaríamos a qualquer lugar, a isso foi chamado de Paradoxo de Zenão. O raciocínio está correto, no entanto é só chegar ao emprego e verá que a experiência mostra que as conclusões estão erradas. Assim, se o raciocínio de Smith estiver correto, nunca teríamos chegado até aqui, pois ainda estaríamos no momento inicial, nos seus infinitos pontos de tempo.

CONCLUSÃO

Ao avaliarmos os principais argumentos de Quentin Smith, notamos claramente que são frágeis, que se utiliza muito da retórica, mas que ignora um fundamento básico da filosofia moderna, que é sua ligação com o real. Muitas vezes ouvimos que em filosofia pode-se provar qualquer coisa, pois essa se utiliza da linguagem e em linguagem tudo se prova. Bem, isso é um fato quando vemos esses argumentos de Smith, mas será que chegar a uma conclusão lógica mostra que o argumento está correto? Por isso a importância da sua relação com o real. O paradoxo de Zenão é um bom exemplo disso!

REFERÊNCIAS

1-      Quentin Smith, Theísm, Atheísm, and Big Bang, Cosmology. Oxford: Clarendon Press, 1993, p.135
2-      Alexander Vilenkin, Many Wolds in One. New York: Hill and Wang, 2006, p. 176
3-      Citações de Quentin Smith disponíveis neste link: http://www.4shared.com/office/_fQmUY71/Argumentos_Cosmolgicos_Kalam_a.html
Por Francisco Tourinho

2 respostas em “Posso usar o Argumento Cosmológico Kalam para validar o ateísmo?”

Na verdade, o Paradoxo de Zenão não é um raciocínio perfeito. Ele tem uma falha matemática grave: a soma de infinitos termos, por incrível que pareça, pode ser um número finito. Além disso, ao passar por infinitos pontos, levamos um tempo finito porque permanecemos um instante infinitamente pequeno em cada um desses pontos.

Sobre soma de infinitos pontos dando um resultado finito, veja isso: http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A9rie_convergente

É justamente isso que tento mostrar no texto, o paradoxo de zenão tem um raciocínio correto, no entanto as conclusões são erradas. Quentim Smith utiliza o mesmo raciocínio para dizer que o Universo não teve começo porque na verdade o tempo é infinito linearmente, pois ele comparou o tempo com uma reta e no final das contas caiu no erro do paradoxo de Zenão.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.