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Conceito de Inspiração Bíblica segundo a visão de A H Strong

Há muito tempo tenho o desejo de escrever sobre esse assunto, embora já tenha tecido alguns comentários em outros textos, acredito não ter explanado de forma tão contundente e detalhada como essa. O texto ficou grande, mas vai do interesse de cada para lê-lo.

É normal que os novos ateus não conheçam sobre a Bíblia, mas insistem em criticá-la, mas o que mais me chama atenção, são cristãos antigos não conhecerem o livro que aceitam como regra de fé e prática, muitas vezes incorrendo no erro do literalismo exacerbado,  confusão entre inspiração e psicografia, revelação e iluminação e tantos outros conceitos que mesmo fartamente sendo discutidas em faculdades de teologia, são negligenciados de forma inescrupulosa nas igrejas, que por sua vez, ainda alimentam a falsa ideia de que não se deve tratar de teologia dentro dela.

Falar sobre a Inspiração das Escrituras, exigiria muitas laudas e vários textos, portanto pretendo fazer assim que as dúvidas forem aparecendo, por isso, para facilitar o entendimento, o texto foi dividido em cinco partes, atacando os pontos das principais dúvidas, usando como referência a Teologia Sistemática de Augustus Hopkins STRONG, para mim, um dos grandes teólogos do século XIX e XX.

UNIÃO DOS ELEMENTOS DIVINO E HUMANO NA INSPIRAÇÃO ¹


1. Portanto, a inspiração não removeu, mas investiu para o seu próprio serviço todas as peculiaridades pessoais dos escritores com todos os seus defeitos de cultura e estilo literário.
Toda a imperfeição não inconsistente com a verdade na composição humana pode existir na Escritura inspirada. A Bíblia é a Palavra de Deus no sentido de que ela nos apresenta a verdade divina nas formas humanase é uma revelação não para uma classe seleta, mas para a mente comum. Corretamente entendida, esta própria humanidade da Bíblia é prova da sua divindade.
Locke:“Quando Deus fez o profeta, não desfez o homem”.

Prof . Day: “A sarça em que Deus apareceu a Moisés continuou sendo sarça, embora ainda queimasse com o brilho e a expressão da majestade da mente de Deus”.

Charles Hodge, Sistematic Theology, 1.157– “Quando Deus ordena que a boca das crianças louvem, elas devem falar como crianças, ou perder-se-á toda a força ou beleza tributada”.

Evans, Bib. Scholarship and Inspiration, 16,25 – “Os corvos que alimentaram Elias não eram mais que um pássaro. Nem o homem, quando sobrenaturalmente influenciado, deixa de ser um homem. Um homem inspirado não é Deus, nem um autômato divinamente manipulado”; “Na Escritura pode haver tanta imperfeição como nas partes de qualquer organismo; seria consistente com a perfeita adaptação de tal organismo ao fim ao fim a que se destina. Então, a Escritura, tomada no seu conjunto, é uma firmação da verdade moral e religiosa suficiente para a salvação dos homens, ou uma regra infalível e suficiente de fé e prática”.

2. Na inspiração Deus se vale de todos métodos corretos e normais da composição literária.

Como reconhecemos na literatura a função própria da história, da poesia, e da ficção; da profecia, da parábola e do drama; da personificação e do provérbio; da alegoria e da instrução dogmática; e mesmo do mito e da lenda; não podemos negar a possibilidade de Deus usar qualquer destes métodos da verdade comunicante, deixando que determinemos em qualquer simples caso qual desses métodos ele adotou.

Na inspiração, como na regeneração e na santificação, Deus opera “de muitas maneiras” (Hb. 1.1). As Escrituras, como os livros da literatura secular, devem ser interpretadas à luz do seu propósito. A poesia não pode ser tratada como a prosa, e a parábola não pode ser tratada de qualquer forma (em Inglês “andar de quatro”), quando ela indica o caminhar ereto e o simples contar uma história. O drama não é história, nem a personificação deve ser considerada como uma biografia. Há um exagero retórico que apenas tem em vista uma vivida ênfase de uma importante verdade. A alegoria é um modo popular de fazer ilustração. Mesmo o mito e a lenda podem trazer grandes lições de outra forma impossíveis que mentes infantis e sem instrução apreendam. Para julgarmos a Escritura há necessidade de um senso literário, o que falta na crítica muito hostil.

Denney, Studies in Theology, 218 – “Há um estágio em que todo o conteúdo da mente, embora não tendo capacidade para a ciência e para a história pode ser chamado mitológico. O que a crítica nos mostra, ao tratar dos capítulos iniciais de Gênesis, é que Deus não menospreza o falar à mente, nem através dela, mesmo quando num estágio inferior. Até mesmo o mito, no qual o início da vida humana, estando além da possibilidade de pesquisa, é representado numa linguagem infantil da raça, pode tornar-se um recurso da revelação. … Mas isso não faz do primeiro capítulo de Gênesis ciência, nem também do terceiro capítulo história. E a autoridade nestes capítulos não é a forma semi-científica ou semi-histórica, mas a mensagem que através deles vem, da sabedoria e força criativas de Deus, ao coração do homem”.

Gore,em Lux Mundi, 356– “Os variados tipos de atividade mental e literária desenvolvem-se em suas diferentes linhas a partir de uma condição primitiva na qual não se diferenciam, mas fundem-se. Podemos chamar vagamente isto de estágio mítico da evolução mental. Mito não é falsidade; é um produto da atividade mental, instrutivo como mais tarde qualquer outra produção, mas caracteriza-se por não ser distinta da história, da poesia e da filosofia”.

Do mesmo modo Grote chama de mitos gregos o grupo intelectual todo da época a que pertenciam – a raiz comum de toda história, poesia, filosofia, teologia, de que mais tarde divergiram e de que procederam. 

Assim, a parte inicial de Gênesis pode pertencer à natureza do mito no qual não podemos distinguir o germe histórico, embora não neguemos que ele exista.

3.A inspiração não garante a inerrância em coisas não essenciais ao principal propósito da Escritura.

A inspiração não vai além da fidedigna transmissão dos escritores responsáveis pela apresentação da verdade. Inspiração não é onisciência. É a concessão de vários tipos e graus de conhecimento e auxílio, de acordo com a necessidade; às vezes sugere uma nova verdade, às vezes preside a coleção do material preexistente e resguarda do erro essencial na elaboração final. Como a inspiração não é onisciência, não é santificação completa. Nem invoca infalibilidade pessoal.

Pfleiderer, Grundríss, 53, 54 – “A palavra é divina-humana no sentido de que contém a verdade divina condicionada na forma humana, histórica e individual. A Escritura Sagrada contém a palavra de Deus de um modo claro, e inteiramente suficiente para gerar a fé salvadora”.

Francês Power Cobbe, Life, 87– “A inspiração não é uma coisa miraculosa e conseqüentemente incrível,mas normal e concorde com o relacionamento natural entre o espírito infinito com o finito, influxo divino da luz mental em analogia perfeita com a influência moral que os teólogos chamam graça. Como toda alma devota e obediente pode ter a expectativa de compartilhar da graça divina, do mesmo modo elas têm compartilhado, como ensina Parker, na inspiração divina. E, como o recebimento da graça mesmo em grande medida não nos torna impecáveis, assim também o da inspiração não nos torna infalíveis.

4. Contudo, não obstante o elemento humano sempre presente, a inspiração das Escrituras, totalmente permeável, faz destes vários escritos um todo orgânico.

Porque a Bíblia é em todas as suas partes a obra de Deus, cada parte deve ser julgada, não isoladamente, mas em sua conexão com cada uma das outras partes. As escrituras não devem ser interpretadas como tantas produções simplesmente humanas de diferentes autores, mas também como a obra de uma mente divina. Coisas aparentemente triviais devem ser explicadas a partir da sua conexão com o todo. Uma história deve ser edificada a partir de vários relatos da vida de Cristo. Uma doutrina deve suplementar a outra. O Velho Testamento é parte de um sistema progressivo, cujo clímax e cuja chave devem ser encontrados no Novo Testamento. O assunto central e o pensamento que liga todas as partes da Bíblia a cuja luz devem ser interpretados, é a pessoa e obra de Jesus Cristo.

A Bíblia diz: “Não há Deus” (SI. 14.1); mas, então, deve-se tomar o contexto: “Disse o néscio no seu coração”. A expressão de Satanás “está escrito” (Mt. 4.6) é suplementada pela de Cristo: “Também está escrito” (Mt. 4.7).

As trivialidades são como o cabelo e as unhas – eles têm o seu lugar como partes de um todo.

Hodge , Sistematíc Theology, 1.164– “A diferença entre o evangelho de João e o livro das Crônicas é como entre o cérebro do homem e o cabelo da sua cabeça; contudo, a vida do corpo está de modo tão verdadeiro no cabelo como no cérebro”.

5. Quando se reconhece plenamente a unidade da Escritura, a Bíblia, apesar das imperfeições em matéria não essencial ao propósito religioso, fornece orientação segura e suficiente para a verdade e para a salvação.

O reconhecimento da atuação do Espírito Santo torna racional e natural crer na unidade orgânica da Escritura. Quando se tomam as partes mais antigas em conexão com as mais tardias e quando se interpreta cada parte como um todo, desaparece a maioria das dificuldades relativas à inspiração. Tomadas juntas, tendo Cristo como clímax e explicação, a Bíblia fornece a regra de fé cristã e prática.

A Bíblia responde a duas perguntas: “O que Deus fez para me salvar? O que devo fazer para ser salvo? As proposições de Euclides não são invalidadas pelo fato de que ele cria que a terra é plana. A ética de Platão não deve ser rejeitadapor causa dos seus equívocos relativos ao sistema solar. Do mesmo modo a autoridade religiosa independe do conhecimento meramente secular. – Sir Joshua Reynolds foi um grande pintor e um grande mestre da sua arte. Suas preleções sobre a pintura lançaram os princípios que têm sido aceitos como autoridade por diversas gerações. Mas ele ilustra o assunto a partir da história e da ciência. Era uma época quando tanto a história como a ciência eram jovens. Em alguns assuntos sem importância, que não afetam nem um pouco as suas conclusões, ele ocasionalmente vacila; suas afirmações não são seguras. Por isso não é ele uma autoridade no que tange à sua arte? – O Duque de Wellington uma vez disse que nenhum ser humano sabia quando começou a batalha de Waterloo. Um historiador recebeu a história de um combatente e fixou a hora como sendo onze da manhã. Um outro historiador teve a informação vinda de um outro combatente e fixou-a como ao meio-dia. Podemos dizer que esta discrepância indica erro em todo o relato e que não mais temos certeza de que ocorreu a batalha de Waterloo?

Deve-se admitir livremente tais insignificantes imperfeições, conquanto ao mesmo tempo insistimos que a Bíblia, tomada como um todo, é incomparavelmente superior a todos os outros livros e “que pode fazer-te sábio para a salvação” (2 Tm. 3.15).

Hooker, Eccl. Polity. “O que quer que se fale de Deus ou das coisas pertencentes a ele além do que é a verdade, embora pareça uma honra, é uma injúria. E como os louvores tributados aos homens tão freqüentemente abatem e prejudicam o crédito da sua merecida aprovação, assim devemos de igual modo tomar cuidado para que, ao atribuir à Escritura mais do que ela possa ter, não causemos incredulidade mesmo naquelas coisas que abundantemente sejam avaliadas com menos reverência”.

Baxter, Works, 21.349– “Aqueles que pensam que as imperfeições humanas dos escritores avançam mais e podem aparecer em algumas passagens de cronologias ou da história que não são parte da regra de fé e vida, não destroem a causa cristã. Porque Deus pode capacitar os seus apóstolos para um registro e pregação do evangelho infalíveis, mesmo nas coisas necessárias à salvação, embora ele não os tivesse feito infalíveis em cada variante ou circunstância, nem ainda numa vida sem defeito”.

A Bíblia, diz Beet, “contém erros possíveis em pequenos pormenores ou alusões, mas dá-nos com absoluta certeza os grandes fatos do cristianismo e, com base neles e só neles apoia-se a nossa fé”.

CONCLUSÃO

O texto está muito grande, mas tentei resumir ao máximo para que fossem transmitidos os principais pontos de conflito. Não preparei o texto da forma de perguntas e respostas, porque tenho como objetivo levar a compreensão de um contexto geral da hermenêutica bíblica, uma reflexão, não somente o de trazer respostas prontas.

Espero que os neoateus possam ler também, embora saiba que a maioria vai desistir no primeiro parágrafo, mas para o cristão, que sirva de fonte para futuras pesquisas.
REFERÊNCIAS


1- STRONG, A.H.Teologia Sistemática. Ed. rev. e amp. São Paulo: Hagnos.2007.


Mais textos sobre hermenêutica: http://questoesultimas.blogspot.com.br/search/label/Hermen%C3%AAutica 

Por Francisco Tourinho


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