1 – Do problema
No arrazoado acima escrito pelos arminianos da zoeira, afirma que o determinismo é uma crença pagã adaptada ao cristianismo por Agostinho, a partir daí segue-se várias conclusões a partir dessa premissa, a saber:
1 – Ele disserta sobre o determinismo maniqueísta e afirma que Agostinho creu em uma visão gnóstica, similar, a dos maniqueus, mas que seria monista, do pecado, e continua afirmando que o determinismo é a raiz comum entre o gnosticismo e o agostinianismo.
Aqui há um erro conceitual e uma manifestação de falta de conhecimento da doutrina agostiniana e da doutrina maniqueísta. E também é manifesta pelo menos duas falácias claras e evidentes.
2 – O erro conceitual
É totalmente falso que o agostinianismo ou calvinismo se assemelhe a doutrina de Mani. A diferença entre a doutrina de Mani e a doutrina agostiniana, não está somente no fato de que o primeiro acreditava na existência de duas forças cósmicas, mas também no fato de que na doutrina Agostiniana e Calvinista, o mal não é um ente, o mal não é uma substância criada, mas antes uma ausência de ser, uma privação de perfeição, portanto, não sendo uma substância, é impossível de ser criado. Assim, o agostinianismo e calvinismo fogem da heresia maniqueísta, e também foge da heresia gnóstica, de que o mal é uma substância criada. Então não existe essa de origem “monista” do pecado, como defendêssemos que Deus criou certas substâncias boas e certas substâncias más. Thophilus Gale (1628–1678), teólogo calvinista do século XVII, explica muito bem essa diferença ao dizerque não podemos ceder, que o pecado é uma relação positiva moral,muito menos um ato positivo ou um ser real,como é o termo de uma produção natural: tal afirmação forçará necessariamente os homens a concederem, que Deus é o Autor do Pecado, ou para manter com os maniqueus, que existem duas primeiras Causas, uma do bem e outra do mal.1
Calvino mesmo declara que Manis só estava certo em uma coisa, que um Deus bom não pode criar nada mau:
Mas o único fundamento que os maniqueus têm – não ser próprio atribuir-se a um Deus bom a criação de qualquer coisa má –, isto nem de leve fere a fé ortodoxa, a qual não admite que no universo inteiro haja alguma natureza má, porquanto nem a depravação e malignidade, seja do homem, seja do Diabo, ou os pecados que daí nascem, provêm da natureza, mas da corrupção da natureza;2
A segunda confissão Helvética, um dos documentos oficiais de doutrina calvinista, declara como herética a posição maniqueísta:
Heresias.Nesta questão, condenamos os maniqueus, os quais afirmam que o início do mal, para o homem bom, não foi de seu livre arbítrio.3
Heresias.Nesta questão, condenamos os maniqueus,os quais afirmam que o início do mal, para o homem bom, não foi de seu livre arbítrio.4
Que na doutrina calvinista não cremos que Deus criou o mal, fica claro também nos escritos de Calvino que diz:
Só porque afirmo e mantenho que o mundo é dirigido e governado pela secreta providência de Deus, uma multidão de homens presunçosos se ergue contra mim alegando que apresento Deus como sendo o autor do pecado.Essa é uma calúnia tão estúpida, que num piscar de olhos se desfaria em nada, se tais pessoas não sofressem de coceira nos ouvidos e não sentissem profundo prazer em nutrir-se com tais discursos.5
Só uma exceção se deve fazer, a saber: que a causa do pecado, as raízes do qual sempre reside no próprio pecador; não têm sua origem em Deus, pois resulta sempre verdadeiro que “A tua ruína, ó Israel, vem de ti, e só de mim o teu socorro.6
Theophilus Gale também ensina que fazer do Deus Santo, autor do pecado, é a gota da blasfêmia, é aquilo que todo espírito sério abomina mais que o inferno7.
2 – Quem entre os teólogos da Igreja primitiva ensinou a predestinação Agostiniana?
O padre António Alvarez, derruba tal afirmação, dizendo:
VI. Esta gratuita predestinação dos Santos prova-se admiravelmente no Velho e no Novo Testamento, e abertamente a ensinaram os Santos Padres anteriores a Santo Agostinho, dos quais os mais ilustres são: S. Clemente Romano, Santo Ireneu, S. Cipriano, S. Efrém, Santo Hilário, S. Basílio Magno, S. Gregório de Nissa, S. João Crisóstomo, Santo Ambrósio e S. Jerónimo. Contudo, os Santos Doutores mais antigos, como ainda não tinham tido que combater homens pelagianos, algumas vezes tocavam esta verdade de passagem e levemente; a qual depois tratou muitas vezes Santo Agostinho com mais clareza e mais cuidado.8
Podemos fazer várias citações, mas para não nos delongarmos muito, deixaremos apenas algumas, escolhi especialmente Clemente Romano(69 d. C), homem que foi contemporâneo dos apóstolos, muito provavelmente conheceu o apóstolo Pedro e Paulo pessoalmente, visto que foi bispo da Igreja de Roma, escreve:
Quando ele quer, e como quer, ele faz todas as coisas; nenhuma das coisas que são decretadas por ele passará(Epist. ad Corinth. 1: 64).
Considerando que é a vontade de Deus, que todos os que ele ama devem participar do arrependimento, e assim não perecer com os incrédulos e impenitentes, ele tem estabelecido por sua vontade todo-poderoso. ‘ Mas se algum daqueles a quem Deus deseja participar da graça do arrependimento, deve depois perecer, onde está a sua vontade todo-poderosa? E como este assunto é estabelecido e estabelecido por tal vontade dele?( Ep. 1 , ad Cor. P. 20).
A questão aqui a ser debatida, é que essa pauta, entre livre-arbítrio e determinação divina, não tinha sido ainda assunto na igreja. Uma prova histórica disso, é que Agostinho nunca chamou Pelágio de herege, pois isso era um ponto que a igreja nunca se deparou antes. De forma similar, podemos encontrar o debate sobre a doutrina da Trindade, que, uma vez debatida e resolvida em concílio, tornou-se a doutrina da Igreja, mas antes de decidido em concílio, Ário e seus seguidores tinham grande apoio ao dizer que Jesus era criado pelo Pai. A crença ariana era tão forte na igreja, que mesmo depois de sua condenação, vários bispos continuaram arianos, prova disso é que Constantino foi batizado por um, e ele mesmo, quem convocou o concílio, era um ariano.
Assim também foi o debate com Pelágio, houve debates, e uma vez sendo que Pelágio foi condenado no concílio de Cartago (416 d.C.), a Igreja adota a doutrina Agostiniana e desde então, o “princípio de predileção” como ensinado por Agostinho e outros Pais, como Inácio (110 d.C) (Na predestinação, … havia tal diferença entre os infiéis e os eleitos), foi adotada pela Igreja, ao contrário da doutrina de Pelágio, que também era encontrada nos pais da Igreja, como Justino que dizia que a salvação se conseguia pela penitência e pelas boas obras. A Igreja, em concílio, aceita Agostinho e rejeita Pelágio.
Os pais da Igreja, quando tratam de livre arbítrio, estão sempre lutando contra a concepção de destino grega, não a concepção adotada por Agostinho, que é bíblica. Os gregos tinham crenças diferentes a respeito do determinismo, poderiam crer em um determinismo físico, matemático, estóico, e os únicos a crerem no indeterminismo, eram os epicureis (ironicamente, os seguidores de Epicuro eram os que rejeitavam o determinismo, e foi de lá que surgiu o conhecido argumento contra os atributos Deus que é conhecido como paradoxo de Epicuro, não de se estranhar quando ouvimos nos círculos arminianos que “é melhor enfraquecer um dos atributos divinos do que manchar seu caráter” cedendo claramente ao tal paradoxo). Esses três tipos de determinismo, em vias gerais, negavam a ação das causas secundárias, e eram fatalistas, ou negavam a providência divina colocando tudo nas mãos dos atros ou causas naturais, e, assim negavam a liberdade humana. Os pais da igreja quando lutavam contra o determinismo, era nesse contexto, que era oposto ao cristianismo, não no contexto agostiniano, que como já provamos, é totalmente cristão.
Referências
1 GALE, T. The court of the gentiles. Part IV – Of reformed philosophie. Book III – Of divine predetermination, wherein the nature of divine predetermination is fully explicated and demonstrated, both in the general, as also more particularly, as to the substrate mater [sic] or entitative act of sin. p 3. Disponível em: https://quod.lib.umich.edu/cgi/t/text/text-idx?c=eebo;idno=A41639.0001.001 . Acesso em 31/12/2018.
2 CALVINO, J. Institutas 1.15.3.
3 Segunda Confissão de Fé Helvética por Heinrich Bullinger. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/credos/confissao_helvetica.htm>. Acesso em: 30/12/2018.
4 Segunda Confissão de Fé Helvética por Heinrich Bullinger. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/credos/confissao_helvetica.htm>. Acesso em: 30/12/2018.
7 GALE, T. The court of the gentiles. Part IV – Of reformed philosophie. Book III – Of divine predetermination, wherein the nature of divine predetermination is fully explicated and demonstrated, both in the general, as also more particularly, as to the substrate mater [sic] or entitative act of sin, p. 5. Disponível em: <https://quod.lib.umich.edu/cgi/t/text/text-idx?c=eebo;idno=A41639.0001.001>. Acesso em: 31/12/2018.
8CANDIDO, dos S. Jansenismo em Portugal. Faculdade de Letras da Universidade do Porto Departamento de História e de Estudos Políticos e Internacionais. Porto. 2007. p 183