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O PECADO ORIGINAL É SUFICIENTE PARA SERMOS CULPADOS? Respondemos que sim, contra neosocinianos e neopelagianos.

Uma das teses que temos visto voltar às vistas, principalmente aqui na internet, é a de que o pecado original transfere somente a natureza, mas não a culpa, como defendia o herege Socino. Tal tese defende que somos culpados apenas pelo pecado atual e não pelo original. Ora, isso nada mais é do que uma reformulação da ideia pelagiana da imitação, ou seja, o homem se torna culpado e pecador porque imita o pecado de Adão, não por herdar sua natureza.

INTRODUÇÃO

PRIMEIRO MOTIVO PARA REJEITAR TAL TESE: Herdar a natureza adâmica é ser pecador por natureza, portanto culpado.

O primeiro motivo é que herdar a natureza adâmica é o mesmo que ser pecador por natureza, portanto culpado. Por isso se diz sermos “filhos da ira” Ef 2.3, ou seja, expostos à ira devido a nossa natureza, não devido aos pecados atuais. Os pecados atuais satisfazem os desejos da carne, ou seja, da natureza má, que é digna de ira por ser má. Não que os pecados atuais também não sejam dignos de ira, porém, também o é o homem sem pecado atual, pois é pecador por natureza. Uma natureza corrupta quer dizer que o mal nos é inerente, não somente adquirido pela prática do pecado.

SEGUNDO MOTIVO PARA REJEIÇÃO: Implica que todo homem nasce salvo

Imaginemos agora que nenhum homem nasce com culpa, e que a culpa se adquire por imitação do pecado de Adão, ou seja, pelo pecado atual, então nenhum homem nasce condenado, como Deus poderia condenar quem não tem culpa? Aqui retorna o espírito de Pelágio, pois não há termo médio entre quem é culpado e quem não é, portanto, também não há termo médio entre quem é condenável e quem não é, logo, se não tem culpa, também não tem condenação, portanto, por necessidade lógica, se a culpa se adquire por imitação, então todos nascem salvos e perdem a salvação depois ou a mantém.

TERCEIRO MOTIVO PARA REJEIÇÃO: Torna desnecessário o sacramento do batismo

Interessantemente, as mesmas pessoas também defendem que o batismo infantil salva, mas salva de quê? Eles responderão que salva da natureza corrupta, mas não poderão dizer que salva do inferno (já que não existe inocente no inferno), além disso, para que salvar de uma natureza corrupta em uma regeneração batismal quando todos os homens na idade da razão pecam acumulando culpa sobre si? Vejam, se o homem tem uma natureza corrupta, mas ainda é uma criança, não vai ser condenado porque não tem culpa, por outro lado, se é batizado e foi regenerado pelas águas, vai infalivelmente acumular culpa quando imitar Adão, ou seja, de que serve o batismo? Como ensina Santo Agostinho ao tratar da regeneração batismal quando refuta o semi-pelagiano Juliano:

“Você diz que eles são redimidos, mas não são libertos, são lavados, mas não são limpos – essas são suas opiniões monstruosas: esses são os paradoxos dos hereges pelagianos, mas peço-te que me diga como pode esta redenção ser compreendida, se ela não resgata do mal o Israel que redimiu de todos os seus pecados? Pois onde quer que façamos menção à redenção, também se entende um resgate: e o que faz tal coisa senão o precioso sangue do imaculado cordeiro Jesus Cristo?” (Contra Juliano livro 3 cap. 3)

Assim, de que serve o batismo senão para nos resgatar dos nossos pecados, e se não temos pecado, de que ele nos salvaria? Repetindo com Agostinho: “uma graça que não redime, é uma graça que não resgata, essa é a heresia monstruosa dos pelagianos”.

QUARTO MOTIVO PARA TAL REJEIÇÃO: Porque o pecado original configura quebra da lei, portanto é pecado.

“Tudo o que é anomon (“ilícito”, no abstrato) ou anomia (“ilegalidade”) é realmente pecado, porém, não em seguida o que é chamado de “ilícito” (anomon) no concreto, porque tem pecado em si mesmo. Nesse sentido, a natureza humana é chamada de “iníqua” (anomos); não que ela em si seja pecado, mas porque, tendo pecado em si mesma, é com razão chamada de “pecaminosa”. TURRETIN F. Compêndio de Teologia Apologética. Cultura Cristã, Vol 1. 2011, p. 790

Tudo que é contra a lei, é pecado, essa é a definição de pecado. A lei nos manda sermos santos e retos, de modo que se alguém com o pecado original, ainda que não tenha pecado atual, não possa ser chamado de santo e reto, está em pecado e pode ser apropriadamente chamado de pecaminoso, portanto, culpado.

A retidão e a santidade são diametralmente opostas ao pecado original, como pode então tal homem não carregar culpa quando já nascer em estado de infração da lei? A lei também diz claramente que devemos nos “despir do velho homem”, por que falaria isso se tal velho homem não fosse uma corrupção em ato? Além disso, a Escritura nos diz que devemos nos “vestir do novo homem”, porém sabemos que todos nós não temos novos corpos no momento em que fazemos isso, logo, tal medida é moral, não física, e se é moral, então é porque ser um homem não nascido de novo é pecado. Nascer de novo só faz sentido quando se pressupõe que é um pecador corrupto, pois isso se refere à substância do próprio homem, não somente às suas atitudes. Se o Ser precede o fazer e o fazer segue-se necessariamente do Ser e não há nesse mundo homem que não faça o mal, segue-se então que não é o pecado atual que te torna corrupto, logo, é ele que te torna um pecador, culpado e condenado.

QUINTO MOTIVO PARA REJEIÇÃO: É contra a Tradição Cristã.

O II Concílio de Orange foi um concílio convocado para resolver questões sobre a graça e o livre-arbítrio proveniente dos debates entre agostinianos e semi-pelagianos. O concílio foi confirmado pelo Papa Bonifácio II, tendo valor dogmático.

“Cân. 2. Se alguém afirma que a prevaricação de Adão prejudicou somente a ele e não também à sua descendência, ou que decerto passou a todo o gênero humano só a morte do corpo, que é o castigo do pecado, NÃO, PORÉM O PECADO, que é a morte da alma, atribui a Deus uma injustiça, contradizendo o Apóstolo, que diz: “Por um só homem o pecado entrou no mundo e com o pecado a morte, e assim ela [a morte] passou a todos os homens, já que nele todos pecaram” [Rm 5,12]”

Cân. 22. “Sobre o que é próprio dos seres humanos. Ninguém nada tem de próprio a não ser mentira e pecado. Se, porém, algum homem tem alguma coisa de verdade e de justiça, provém daquela fonte, da qual neste deserto devemos ter sede para que, como orvalhados por ela mediante algumas gotas, não desfaleçamos no caminho.”

No Cân 2 é condenado quem diz que o pecado de Adão não foi passado para sua descendência, se a culpa de Adão é decorrente de seu pecado, então é óbvio que não herdamos somente a natureza, mas também a culpa. Novamente, no Cân 22, é dito que na natureza humana não tem outra coisa a não ser mentira e pecado, ou seja, é próprio do homem não só praticar o pecado, mas ter em si mesmo o pecado, portanto, é culpável.

POR ÚLTIMO deve-se também ressaltar que o homem em estado de natureza (totalmente sujeito aos efeitos do pecado original) não está somente privado de uma retidão, como pensam alguns, mas há também, no mesmo, um assentamento do hábito contrário ao que é justo, logo, pecador por natureza. Tal distinção e correção deve ser feita contra os papistas, que crêem que os homens, em estado de queda, são capazes de atualizar um bem verdadeiro sem qualquer auxílio da graça.

Contra os papistas, o II Concílio de Orange reza:

Cân. 20. “O homem sem Deus não pode fazer nada de bom. Deus faz no homem muitas coisas boas que o homem não faz; mas o homem não faz nada de bom que Deus não outorgue que o homem faça!”

A tese de que o homem nasce somente com a mancha na natureza, mas não herda a culpa, foi condenada no Concílio de Sens (2 jun 1140). Dentre as teses condenadas, destacamos a 7 a 10:

“7. De Adão não contraímos a culpa, mas somente a pena.

10. Não se deve atribuir culpa a qualquer coisa feita por ignorância.”

O pecado original transmite a pena e a culpa, e a ignorância não livra o homem de culpa, contra os protestos de neosocinianos.



CONCLUSÃO

O pelagianismo e o socinianismo de tempos em tempos ganham fôlego no meio do povo de Deus, porém, não devemos temer combater doutrinas que já foram superadas por outros homens no passado.

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