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Lutero e sua relação com Aristóteles, Nominalismo, Irracionalismo e as teses contra o Escolasticismo: uma breve explicação, contra papistas e outros detratores

Introdução

É típica a acusação papista de que Lutero era nominalista, rejeitou Aristóteles, que se opunha à filosofia e à razão e, por muitas vezes, é tratado como total ignorante sobre o assunto. O artigo presente tem o objetivo de clarificar tais pontos, demonstrando que as acusações dos detratores do reformador são falsas ou parcialmente falsas. Esse artigo será escrito em pequenos aforismos, para ser mais sucinto e ser de mais fácil entendimento.

Este autor não é luterano, mas devido uma recente tradução das 97 teses contra o escolasticismo para o vernáculo e a quantidade de calúnias desprendidas ao reformador a partir disso, senti-me no dever de esclarecer alguns pontos da teologia de Lutero, a fim de clarificar a mente e, quem sabe, diminuir a arrogância típica dos ignorantes.

Fé, Razão e nominalismo em Lutero

1 – É sabido que Lutero se referiu à razão como a “prostituta do diabo”, entre outros termos pejorativos. Pode-se então concluir que Lutero era um irracionalista ou um fideísta. Dizem que John Wesley, embora a certa altura bastante impressionado com Lutero, o chamou de inimigo da razão depois de ler seu comentário de Gálatas.

2 – Lutero nunca negou a razão. Suas palavras na Dieta de Worms são suficientes para mostrar o contrário, onde ele insistiu que ele deveria ser convencido pelas “Escrituras e pela razão clara”.

3 – Que Lutero teve um treinamento nominalista, isso é verdade, no entanto é totalmente falso que ele adotou totalmente tal visão, fazendo críticas frequentes a Occam e a Biel. O problema dos críticos é que estabelecem uma falsa dicotomia, como se o fato de Lutero ter rejeitado o realismo tomista, ele tenha obrigatoriamente que ter aceitado a visão de Occam, mas isso é falso.

4 – A prova disso é que os autores mais citados em Lutero são Bernardo de Claraval, Tauler e o autor anônimo da Theologia Germanica. Lutero criticou então o realismo tomista e também criticou a ênfase de Occam na liberdade divina. Lutero adotou uma preferência mística, ou seja, uma terceira via, embora não adotasse a convicção metafísica de qualquer místico em particular. Interessantemente, esses escritores utilizavam especialmente a linguagem neoplatônica, e Lutero defendia que Platão era maior que Aristóteles.

5 – Pensadores Luteranos posteriores como Gerhard e Chemnitz foram fortes críticos do nominalismo, logo há uma diferença muito grande entre dizer que “Lutero era um nominalista” e ao dizer “o luteranismo é nominalista”.

6 – Prova disso é que a fórmula da Concórdia (documento oficial luterano) está recheado de pensamento aristotélico.

Lutero e Aristóteles

1 – Deve-se primeiro estabelecer em que sentido Lutero rejeita Aristóteles e diz que Aristóteles com a teologia é como “a escuridão e a luz”.

2 – O primeiro sentido está na utilização do silogismo lógico para estabelecimento de verdades de fé que são, segundo Lutero, conhecidas apenas pela revelação. Lutero deixa isso claro ao usar como exemplo que o uso de tal lógica para estabelecer a verdade, levaria o teólogo a negar até a doutrina da Trindade. Ou seja, aquilo que era artigo de fé não deveria ser colocado no domínio da razão natural (tese 49).

3 – A segunda razão pela qual Lutero rejeita Aristóteles é o uso de seus escritos éticos. O reformador, no entanto, não rejeita a teoria ética de Aristóteles como tal, mas as imposições da ética da virtude na categoria de justificação coram Deo (tese 40).

4 – Embora essas ideias, se isoladas do restante de seus escritos, possam implicar uma completa rejeição das formas tradicionais de pensamento grego em Lutero, há duas considerações importantes que negam essa conclusão.

5 – Primeiro, Lutero defendia a existência de duas esferas. Para Lutero, categorias lógicas são essenciais para o bom funcionamento da criatura humana na sociedade. Mas não é essencial para as verdades reveladas.

6 – A contradição entre fé e razão, no pensamento de Lutero, é apenas aparente para um olhar menos atento.

7 – Para Lutero, os cristãos vivem no meio de duas esferas ou ordens. Essas duas ordens representam a relação de alguém com Deus (a ordem da mão direita) e a relação de alguém com os outros (a ordem da mão esquerda). A ordem da esquerda faz referência ao estado, cultura e vocação. A ordem da direita está conectada com a igreja. Razão e filosofia, para Lutero, são usadas corretamente na ordem da esquerda, como um meio de guiar o estado, os relacionamentos, a ética e outros aspectos da vida externa. Em relação a Deus, no entanto, a razão deve ser entregue à revelação, que frequentemente fala de verdades opostas à razão nua. Isso está especialmente relacionado ao principal artigo de justificação, que, de acordo com Lutero, está em desacordo com a racionalidade humana, razão pela qual a recompensa se baseia na obediência humana coram Deo, exatamente como no domínio da esquerda.

8 – Na ordem da mão esquerda, algumas verdades sobre Deus podem ser descobertas pela razão nua. Steven Hein nos oferece dois dados que refutam os detratores de Lutero. O primeiro é que Lutero defende um conhecimento geral de Deus que é descoberto pela razão e é evidenciado pela predominância de adoração em áreas onde o evangelho não foi proclamado. Em outros lugares, Lutero pode se referir a essa ideia geral de Deus como um ‘conhecimento jurídico’, porque consiste no conhecimento da lei moral. O segundo é que Lutero elogia Aristóteles, a quem ele afirma, que às vezes, tinha um melhor entendimento da lei do que muitos clérigos da igreja (Hein 1972).

9 – Onde a razão é insuficiente, para Lutero, está em sua tentativa de entender a atitude de Deus em relação aos pecadores. Se a ética aristotélica for aplicada ao lugar de alguém na ordem celestial, concluiremos algo semelhante ao pelagianismo. Na ordem terrestre, a pessoa recebe pagamento de acordo com a sua obra. Tal arranjo, de acordo com a lei, não se aplica à relação de alguém com Deus, por isso a ética Aristotélica deveria ser rejeitada aqui.

10 – Para Lutero, essa confusão entre os dois reinos foi o que levou à abordagem moralista de Roma da justificação. Steven Hein também observa que existem dois problemas básicos que Lutero teve com a utilização de Roma por Aristóteles: primeiro, a justiça da fé foi substituída por uma das obras e, segundo, a lógica se tornou um juiz da revelação (Hein, 1972). Se Aristóteles é usado então, fora dessas áreas problemáticas, o pensamento de Lutero não é inerentemente contrário ao pensamento do filósofo. O próprio Lutero argumentou que a lógica de Aristóteles deveria ser mantida nos currículos das universidades (Robbins, 1993). A teologia do reformador, portanto, não é irracional ou anti-filosófica.

11 – A conclusão de que Lutero era irracionalista, não é uma conclusão necessária da leitura dos seus escritos. Embora Lutero frequentemente zombe da razão humana por entender mal as verdades da fé, em nenhum lugar o reformador declara que as realidades celestes são, na realidade, contraditórias umas às outras, ou às realidades civis. Suas críticas a Aristóteles e ao raciocínio silogístico não implicam que as verdades divinas se opõem à razão como tal, mas à razão humana decaída.

12 – Thomas Osborne observa que a filosofia é usada por Lutero apenas enquanto apoia o significado claro do texto bíblico (OSBORNE, 2002). Para Lutero, então, as verdades das escrituras devem ser aceitas com base na revelação e não na lógica humana, mas isso não nega a utilidade da razão e da filosofia como fonte secundária de autoridade, mesmo em assuntos espirituais. Qualquer pessoa que tenha contato com a filosofia escolástica, reconhece facilmente que o ponto de partida desses autores não é a Escritura, e sim pressupostos filosóficos.

13 – Para Lutero, a razão tem um papel a desempenhar, mesmo nas discussões teológicas. Embora a razão não deva substituir o que é ensinado pela revelação, ela ainda tem uma função secundária na defesa de questões teológicas.

14 – O pensamento de Lutero sobre a relação entre teologia e filosofia pode ser resumido em três pontos: primeiro, na esfera civil, a razão é uma necessidade absoluta. Ele consegue interpretar a lei natural e até determinar a existência de Deus, bem como seu desejo de adoração e obediência. Este é um conhecimento geral de Deus que não pode trazer alguém para a salvação. Segundo, as verdades do evangelho são inerentemente opostas à razão humana decaída – especialmente a doutrina da justificação. Existem, portanto, muitas verdades que não podem ser apreendidas senão através da revelação. Nos assuntos em que Deus fala, na esfera espiritual, a razão deve se submeter à palavra de Deus. Terceiro, a fé leva a um novo coração e uma nova faculdade de raciocínio. O crente pode e deve usar a razão, embora apenas em um sentido secundário. A filosofia só é útil enquanto se submete à teologia revelada.

CONCLUSÃO

Damos por refutada as acusações dos papistas e detratores em geral.

Referências

As 97 Teses esquecidas de Martinho Lutero contra a Teologia Escolástica. Disponível em: https://medium.com/@jadsontargino/as-97-teses-esquecidas-de-martinho-lutero-contra-a-teologia-escol%C3%A1stica-5cdcde1747f3. Acesso em 14/03/2020

COOPER, J. LIOY, D. The Use of Classical Greek Philosophy in Early Lutheranism. Conspectus: The Journal of the South African Theological Seminary , Volume 26 Número 1 , set 2018, p. 1 – 26.

FESER E. Aquinas: A Beginner’s Guide. London: Oneworld. 2009.

FESER E. Scholastic Metaphysics: A Contemporary Introduction. Piscataway Transaction. 2014.

HEIN S. A. Reason and the Two Kingdoms: An Essay in Luther’s Thought. The Springfielder. Número 2. Volume 36. 1972. p 138–148

Uma resposta em “Lutero e sua relação com Aristóteles, Nominalismo, Irracionalismo e as teses contra o Escolasticismo: uma breve explicação, contra papistas e outros detratores”

Usar terminologias, fazer citações ou utilizar como referência algum autor, não me parece de longe explicar que Lutero não era nominalista.
Se a definição de nominalista é justamente o ataque frontal a existência da substância da espécie ou “coisas gerais”, então nada do seu texto explica diretamente isto.

Me parece que houve uma falsa analogia entre nominalismo e irracionalismo.

Isso por si só já me pareceu desqualificar todas as outras citações suas.
Fico a disposição.

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