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Conceito de Inspiração das Escrituras segundo Louis Berkhof


INTRODUÇÃO
Esse artigo é mais um da série “conceitos de inspiração das Escrituras”. A ideia é mostrar os diferentes tipos de conceitos sobre a inspiração Bíblica e como isso reflete diretamente no modo como praticamos a nossa hermenêutica, ou seja, como fazemos a nossa exegese. Em artigos anteriores, deste blog, foi mostrada a visões dos teólogos AH Strong e de RN Champlin e agora, nesse artigo, a de Louis Berkhof. Três teólogos de peso, mas que entendem o sentido da inspiração das Escrituras de forma um pouco diferente. Ao estudante, fica a dica de fazer as três leituras, comparar as semelhanças e diferenças, estabelecer conceitos principais e adotar seu estilo de interpretação.
Links para artigos anteriores: conceito de inspiração das Escrituras para RN Champlin
Conceito de inspiração das Escrituras para AH Strong.
Nesse link também você poderá conhecer um resumo sobre a história da hermenêutica, baseado na obra “Princípios da Interpretação Bíblica” de Louis Berkhof.
 Assim, lendo a visão de três autores, mais alguns princípios de interpretação bíblica, que estão na exposição a seguir, e a história da hermenêutica, o estudante terá em suas mãos um minicurso de hermenêutica que será muito para válido para o teólogo iniciante.
Conceito de Inspiração das Escrituras segundo Louis Berkhof

Berkhof defende que a devemos ter em mente o que é Bíblia. Quanto a inspiração bíblica, o autor usa a confissão Belga no seu artigo terceiro, para mostrar o seu ponto de vista. Nessa confissão é declarada que a Bíblia é um livro sagrado, que não foi entregue por vontade humana, mas vontade de Deus, e que Deus como tem um cuidado especial pela nossa salvação, mandou que seus servos escrevessem o que foi revelado. A inspiração bíblica é o grande princípio que controla a Hermenêutica Sagrada. Esse princípio não pode ser ignorado de forma alguma, sob pena de ser inútil para o entendimento da Bíblia como Palavra de Deus. Berkof entende que a inspiração é: “a influência sobrenatural exercita pelo Espírito Santo sobre os escritores sagrados, em virtude da qual seus escritos receberam autenticidade divina e constituem uma regra infalível e suficiente de fé e prática”.
O autor continua falando sobre as provas escriturísticas da inspiração divina, onde ele apresenta várias provas dentre elas:
1-      Os judeus tinham uma coleção de escritos, tecnicamente designados he grafe (a Escritura), ou hai graphai (as Escrituras), citadas em Rm 9.17 e Lc 24.27, como tendo autoridade divina, para Cristo e seus discípulos, um apelo à he grafe era o fim de toda controvérsia. Seu “está escrito” era equivalente “ao Deus diz”.
2-      Há várias citações do Antigo Testamento no Novo Testamento que identificam Deus e a Escritura como os que falam. Em Hebreus 1.5-13, sete palavras do AT são citadas e ditas terem sido proferias pelo próprio Deus. Além disso em Rm 9.17 e Gl 2.8, as palavras do AT são citadas com a fórmula “a Escritura diz”, enquanto nas passagens citadas, Ex 9.16, Gn 22.18, Deus é o que fala.
3-      O locus clássicus para a interpretação da Bíblia é 2 Tm 3.16. No contexto imediatamente precedente, o apóstolo fala das vantagens de Timóteo ter recebido uma educação estritamente religiosa, tendo conhecido desde a infância as Sagradas Escrituras, isto é, o Antigo Testamento. E agora, no versículo 16, o apóstolo enfatiza a grande importância dessas Escrituras. Disso, segue-se que he graphe, também se refere ao Antigo Testamento como um todo. A palavra theo pneustos significa “soprado por Deus”, isto é, o produto do sopro criador de Deus. A palavra grega passa é interpretada por alguns como “toda” e por outros como “cada”. Portanto, alguns interpretam: “toda (cada) escritura é dada por inspiração de Deus, e útil etc; e outros: “toda (cada) Escritura dada por inspiração de Deus é também útil” etc.
4-      Outra passagem importante é 2 Pe 1.19-20, onde diz que em relação ao que se tinha tornado conhecido com relação ao poder e a volta do nosso Senhor, não se baseava em fábulas, mas na palavra de testemunhas oculares. Além desse testemunho, tem o testemunho da palavra profética, pois ela não era derivada de particular interpretação, não veio pela vontade do homem, mas da vontade de Deus.
5-      Ainda outra passagem de importância considerável é 1 Co 2.7-13. Paulo chama atenção para o fato de que a sabedoria de Deus, que estava oculta desde a eternidade, e que só o Espírito de Deus poderia conhecer, tinha sido revelada a ele. Ele diz: “Disto também falamos, não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas ensinadas pelo Espírito”
A Bíblia também sina que a inspiração também se estendia às palavras que foram usadas pelos escritores. O autor critica o fato de que muitas pessoas defendem uma inspiração parcial da Bíblia e negam a inspiração verbal, diz que esses, aceitam a inspiração só de pensamentos e não as palavras, ou só os assuntos pertinentes a fé e à vida, ou só as palavras de Jesus. Outro nome dado a “inspiração verbal”, é “inspiração plena”, pois o primeiro termo, pode sugerir uma inspiração mecânica das Escrituras, no entanto devemos entender uma direção sobrenatural do Espírito Santo estendida à própria escolha das palavras, uma vez que isso é certamente ensinado na Bíblia, tanto por declaração expressa como por implicação. Note a seguir:
1 – Em 1 Co 2.5, Paulo alega ensinar as coisas que foram reveladas pelo Espírito de Deus, “não em palavras ensinadas pela sabedoria humana, mas em palavras ensinadas pelo Espírito de Deus”. Paulo assegura uma inspiração das palavras.
2 – Deus também diz a Jeremias: “Eis que ponho na tua boca as minhas palavras”.Note o cuidado que Deus teve quanto às palavras que Jeremias levou a revelação a Israel.
3 – De acordo om Jo 10.33, Jesus responde aos judeus apelando para as Escrituras, ao mesmo tempo que chama atenção para o fato de que as Escrituras não podem ser anuladas, mas tem autoridade incontestável. Desde que ele baseia seu argumento no uso de uma única palavra, está implícito que cada palavra tem autoridade divina.
4 – Em Gl 3.16, Paulo elabora todo o seu argumento no uso de um singular ao invés de um plural. Esse argumento do apóstolo tem sido atacado com base no fato de que a palavra hebraica a que ele se refere não pode ser usada no plural para denotar posteridade. Cf Gn 13.15. Mas isso não destrói a validade do seu argumento, uma vez que o escritor de Gênesis poderia ter usado outra palavra ou expressão no plural. E, mesmo que se o tivesse feito, a passagem ainda provaria que Paulo acreditava na inspiração das palavras individuais.
A relação entre o divino e o humano na autoria escriturística, segundo o autor só há uma resposta posta à luz dos dados da Escritura:
a)      Os autores humanos da Bíblia não foram meras máquinas, nem mesmo amanuenses. O Espírito Santo não os privou de sua liberdade, nem destruiu sua individualidade.
1 – Em muitos casos, os autores investigavam de antemão o assunto sobre o qual pretendiam escrever. Lucas nos diz no prefácio de seu Evangelho que havia feito isso; e os autores dos livros de Reis e Crônicas fazem uso de outras fontes.
2 – Os escritores, muitas vezes, expressão suas próprias experiências, com Moisés ao iniciar e concluir os capítulos de Deuteronômio, e Lucas na última metade do livro de Atos dos Apóstolos. Os salmistas cantavam sobre seus pecados pessoais.
3 – Muitos dos livros têm um caráter ocasional.Sua composição foi impelida por circunstâncias externas e seu caráter determinado pela condição moral e pelo statusreligioso dos leitores originais.
4 – Os muitos livros são caracterizados por uma diferença de estilo impressionante. Ao lado da poesia exaltada dos salmos e dos profetas, temos a prosa comum dos historiadores. Lado a lado com o hebraico puro de Isaías, temos a linguagem aramaica de Daniel, o estilo dialético de Paulo e também o estilo simples de João.
b)      É perfeitamente evidente que o Espírito Santo usou os escritores da Bíblia assim como eles eram, com todas as suas peculiaridades pessoais, no entanto, o Espírito Santo não permitiu que a natureza pecaminosa deles se expressasse.
Por fim o autor defende que devemos aceitar pela fé a doutrina da inspiração verbal, pois não há como entender totalmente o processo de inspiração.
O autor continua explanando sobre as objeções à doutrina da inspiração verbal ou plena. Uma vez que a doutrina inspiração verbal é algo devidamente bem estabelecido nas escrituras, qualquer ataque a ela, não deve ser considerada um ataque à sua verdade, mas consideradas como dificuldades para serem ajustadas a essa doutrina.
a)      A infalibilidade das Escrituras só é em relação aos autógrafos, não em relação às suas cópias, somente os originais são infalíveis, isso não quer dizer que os atuais sejam indignos de confiança, mas que onde há erros, não há a Palavra de Deus ali, outro detalhe importante, é que os erros são tão poucos, que não mudam doutrina alguma ou sentido das palavras de fato.
b)      Alguns exegetas e escritores hermenêuticos se opõem decididamente ao a priori da inspiração divina. Afirmam que um pressuposto que antecipa o resultado exegético é inadmissível.
O autor responde a essas objeções dizendo que:
1 – Nenhum interprete pode abandonar todos os pressupostos.
2 – O pressuposto de que a Bíblia é a palavra inspirada de Deus e, por essa razão tem autoridade divina, enquanto nos dá a garantia de que cada parte é verdadeira e não pode se contradizer, não determina como regra, a nossa exegese das passagens particulares.
3 – É notável o fato de que os que tem tais escrúpulos conscienciosos contra o pressuposto da inspiração divina em suas obras exegéticas são frequentemente controlados pelos pressupostos que determinam os resultados de suas interpretações a uma extensão muito maior do que a doutrina da inspiração o faria.
Os vários livros constituem uma unidade orgânica, não é uma unidade meramente mecânica, a bíblia não é como um relógio finamente ajustado, mas como uma árvore, ela produto de uma mente, ela não foi feita, ela cresceu.
a)      As passagens das escrituras que provam sua inspiração, apontam para o fato de que ela tem somente um autor primário.
b)      O conteúdo da Bíblia, apesar da sua variedade, revela uma unidade maravilhosa.
c)      O caráter progressivo da revelação de Deus é também uma prova efetiva da sua unidade.
d)     Todos os livros contém igual inspiração e isso também mostra sua unidade.
e)      Mais indiretamente, a unidade da Escritura é provada pelo significativo fato de que os autores do Novo Testamento, ao citarem o Antigo Testamento, ocasionalmente alteram, de alguma forma, as passagens citadas, ou aplicam-nas num sentido que não está aparente no Antigo Testamento. Isso dificilmente pode ser justificado, exceto pelo pressuposto de que o Espírito Santo é, em última análise, o autor de toda a Bíblia e, naturalmente, tinha o direito de citar e aplicar suas próprias palavras como bem lhe parecesse.
Juntamente com a unidade, no entanto, a Bíblia revela também a maioria diversidade, há várias distinções que devem ser mantidas em mente na interpretação das Escrituras.
a) A distinção entre Antigo e Novo Testamento, quanto ao conteúdo, forma e linguagem.
A Bíblia tem somente um sentido, e por isso é suscetível à investigação científica e lógica. Esse princípio deve ser aceito no lugar de aceitar um sentido múltiplo – pois essa tendência torna impossível qualquer ciência Hermenêutica, e abre as portas para todo tipo de interpretação arbitrária.
Deve-se manter que não importa quantos significados cada palavra em particular tenha, ela tem um único sentido. Se um homem confiável não se expressa com linguagem dúbia, quanto mais Deus que é a verdade absoluta.
A Igreja da Reforma, ao contrário da Igreja de Roma, defende que cada pessoa tem o direito de investigar e interpretar por si mesma, a Palavra de Deus. Embora seja verdade que o intérprete deve ser perfeitamente livre em seu trabalho, ele não deve confundir liberdade com licenciosidade. Ele é, de fato, livre de toda autoridade e restrições externas, mas não é livre das leis inerentes ao objeto de sua interpretação. Em todas as suas exposições, deve se prender ao que está escrito, e não tem o direito de atribuir seus pensamentos aos autores. A liberdade do interprete é também limitada pelo fato de que a Bíblia é a inspirada e, consequentemente, autoconsistente Palavra de Deus.
A bíblia foi escrita em linguagem humana e, consequentemente deve ser interpretada gramaticalmente em primeiro lugar. Devemos atentar para o uso atual das palavras, a bíblia é uma revelação progressiva, e o significado das palavras podem ter sido enriquecido com o decorrer do tempo, observar os sinônimos e antônimos, e também o significado das palavras em seu contexto. No uso das palavras em seu contexto o intérprete deve seguir os seguintes princípios:
1 – A linguagem da Escritura deve ser interpretada de acordo com seu significado gramatical; e o sentido de qualquer expressão, proposição ou declaração deve ser determinado pelas palavras usadas.
2 – Uma palavra pode ter apenas um significado fixo no contexto em que ocorre. Uma palavra pode ter vários significados, inclusive, significados contraditórios, nesse caso, não se deve aplicar todos os significados em um mesmo contexto, mas apenas um dos significados.
3 – Existem casos em que os vários significados de uma palavra são unidos tal forma que resultam numa unidade maior que não se choca com o princípio precedente. A) Algumas vezes uma palavra é usada no seu sentido mais geral a fim de incluir seus significados especiais, embora estes não sejam enfatizados. B) Há também, casos em que um significado especial de uma palavra inclui outro, o que não se choca com o propósito e o contexto da passagem em que se encontra. C) Às vezes, um autor usa uma palavra num sentido sugestivo, para indicar muito mais do que ela realmente expressa.
4 – Se uma palavra é usada no mesmo sentido mais do que uma vez, a suposição natural é de que ela tem o mesmo significado em toda parte. No entanto há exceções a essa regra, por exemplo Mt 8.22, 2 Co 5,21, mas nesses casos, o contexto é suficientemente claro para mostrar que as palavras não tem o mesmo significado.
O Uso figurado das palavras
As figuras de linguagem são chamadas de tropos. Os principais tropos são a metáfora, metonímia e a sinédoque.
Princípios úteis na interpretação da linguagem figurada
a)      É da maior importância que o intérprete tenha um conceito claro das coisas nas quais as figuras estão baseadas, ou de onde foram extraídas, uma vez que o uso de tropos é baseado em semelhanças ou relações.
b)      O intérprete deve ter o objetivo de descobrir a idéia principal, o tertius comparationis, sem dar muita importância aos detalhes.
c)      Com respeito à linguagem figurada que se refere a Deus e à ordem eterna das coisas, o intérprete deve ter em mente que ela geralmente oferece apenas uma expressão muito inadequada da perfeita realidade.
d)     O discernimento quanto às figuras da Bíblia pode ser testado, a um certo grau, pela tentativa de expressar os pensamentos que elas transmitem numa linguagem literal.
A própria Bíblia contém auxílio para a interpretação lógica do seu conteúdo e o intérprete não deve deixar de usar isso ao máximo.
INTERPRETAÇÃO HISTÓRICA
            Pressupostos básicos para a interpretação histórica:
a)      A Palavra de Deus teve a sua origem de um modo histórico e consequentemente, só pode ser entendida à luz da História.
b)      Uma palavra nunca é completamente entendida até ser apreendida como palavra viva, isto é, originária da alma do autor.
c)      É impossível entender um autor e interpretar corretamente suas palavras sem que ele seja visto à luz da sua experiência histórica.
d)     O lugar, o tempo, as circunstâncias e a visão prevalecentes do mundo e da vida em geral irão naturalmente alterar os escritos produzidos sob essas condições de tempo, lugar circunstâncias.
Exigências ao exegeta:
a)      Ele deve buscar conhecer o autor cuja obra quer explicar;
b)      Será sua obrigação reconstruir, tanto quanto possível, a partir dos dados históricos disponíveis e com o auxílio das hipóteses históricas, o ambiente do qual os escritos particulares em consideração se originaram;
c)      Ele deve descobrir a importância extrema de se considerar as várias influencias que determinaram mais diretamente o caráter dos escritos em consideração;
d)     Além disso, ele deve se transferir mentalmente para o século 1º da nossa era e para as condições orientais.
Interpretação Teológica

            Muitos escritores acham que as interpretações gramatical e histórica preenchem todos os requerimentos para a interpretação adequada da Bíblia. Eles não consideram o caráter teológico especial dessa disciplina. A interpretação teológica expressa a necessidade de observar a parte da autoria divina, já que algumas partes da escritura não podem ser explicadas nem historicamente, nem teologicamente.

Por Francisco Tourinho

REFERÊNCIAS

BERKHOF, Louis; Princípios de interpretação bíblica. 2. Ed. Rev. São Paulo: Cultura Cristã. 2004.

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