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Calvinismo Infralapsarianismo Supralapsarianismo

Breves apontamentos sobre infralapsarianismo e supralapsarianismo

 
No calvinismo, acreditamos que a vontade de Deus é una, mas considerando a possibilidade de que haja alguma ordem de decretos Naquele que tudo sabe sem progressão alguma, consideramos uma dupla ordem as obras de Deus: uma é a obra da providência e outra é a obra da predestinação. Na ordem da providência Deus primeiramente, em sua vontade antecedente, quis manifestar sua glória na criação e então na permissão da queda. Conforme a ordem da predestinação, Deus com sua vontade antecedente quer manifestar sua glória pela misericórdia, elegendo muitos dentre os caídos e providenciando redenção a estes, e sua justiça, deixando outros aos seus próprios pecados. No entanto, entendemos a salvação em três modos: destinação, aquisição e aplicação. Então há três decretos em relação a ela: eleição, redenção e vocação. Assim, Deus por sua eterna bondade, mostra sua misericórdia à raça humana, pois dado que todos caíram, a humanidade inteira estaria destinada ao inferno, Deus então elege incondicionalmente a muitos, para evitar a tragédia da humanidade inteira se perder, e a outros ele “passa por cima”, e entrega aos seus próprios caminhos, para executar seu juízo. Isso servirá como um meio de lembrar ao homem no futuro, que o pecado não fica sem punição, pois se todos são salvos, os seres humanos poderiam pensar que nada acontece caso pequem, já que todos foram salvos. Mas, visto que, ele não poderia exercer misericórdia sem livrá-los da ira divina, então decreta a morte do cordeiro, que será o expiador dos pecados dos eleitos, adquirindo para eles salvação, fé e santificação. Após a criação, queda, eleição e reprovação, morte de Cristo, temos o chamado eficaz, no qual Deus concede a graça eficaz para todos os eleitos, por ocasião da pregação da Palavra de Deus. Através da graça, ao homem é dado fé, arrependimento e justificação, tudo pelo mérito de Cristo, que salva o eleito incondicionalmente. Não há espaço para previsão de méritos. A reprovação prevê méritos somente no tocante ao pecado original, que é condenatório, visto que todos já eram perdidos por seus próprios méritos, continuam assim, a isso, chamamos de dupla predestinação assimétrica. A dupla predestinação simétrica, posicionamento em que Deus elege ativamente e reprova ativamente, sem previsão alguma de mérito, foi condenada no Sínodo de Dort, portanto, o calvinismo oficial defende que Deus elege ativamente, e aos outros ele somente deixa entregues à sua própria miséria, que entrou por conta própria. Cai aqui um mito, a de que Deus criou pessoas para ir para o inferno, se não que as pessoas caíram por sua própria vontade, se lançando ao inferno, e Deus agora, usa de sua misericórdia, salvando muitos com sua graça. João Calvino diz:
 
Portanto, se alguém nos acometer com palavras desta natureza: Por que Deus no início predestinou alguns à morte, os quais, como ainda não existissem, não podiam ainda ser merecedores de juízo de morte, à guisa de resposta lhes indaguemos, por nossa vez, se pensam que Deus deve algo ao homem, caso o queira estimar por sua própria natureza? Como estamos todos infeccionados pelo pecado, não podemos deixar ser odiosos a Deus, e isso não por crueldade tirânica, mas por razão de justiça mui eqüitativa. Porque, se todos são passíveis de juízo de morte, por condição natural, os que o Senhor predestina à morte, pergunto de que iniqüidade sua para consigo, se hajam de queixar-se?2
 
Continua o reformador:
 
Ora, se nós não estamos realmente envergonhados do Evangelho, precisamos necessariamente reconhecer o que está nele abertamente declarado: que Deus, por sua eterna bondade (para a qual não houve nenhuma causa senão seu próprio propósito), nomeou aqueles que quis para a salvação, rejeitando todos os demais; e que aqueles a quem ele abençoou com essa livre adoção para serem seus filhos ele ilumina pelo seu Santo Espírito, para que possam receber a vida que lhes é oferecida em Cristo; enquanto que outros, continuando de vontade própria em descrença, são deixados destituídos da luz da fé, em escuridão total. 3
 
Dr Sproul emite o parecer:
 
A teologia reformada clássica rejeita a doutrina de ultimação igual4. Embora alguns tenham rotulado essa doutrina de “hipercalvinismo”, eu prefiro chamá-la de “subcalvinismo”, ou, até mais precisamente, “anticalvinismo”. Ainda que o calvinismo certamente mantenha uma espécie de predestinação dupla, ela não abraça a ultimação igual. A visão reformada faz uma distinção crucial entre os decretos positivos e negativos. Deus decreta positivamente a eleição de alguns e negativamente decreta a reprovação de outros. A diferença entre positivo e negativo não se refere ao final (conquanto o resultado de fato seja ou positivo ou negativo), mas à maneira pela qual Deus faz acontecer seus decretos na História. 5
 
Francis Turretin diz:
 
Segundo essa ordem, o primeirodecreto relativo a nos diz respeito a criaçãodo homem. O segundodiz respeito a permissãode sua queda,pela qual ele arrastou consigo a ruína e destruição toda sua posteridade. O terceirodiz respeito à eleição para a salvaçãode alguns dentre a raca humana caída e ao abandonodos demais a sua corrupção e miséria naturais. O quartodiz respeito ao envio de Cristoao mundo como Mediador e fiador dos eleitos. Havendo apaziguado a justiça de Deus por sua perfeitíssima obediência, Cristo obteve somente para eles a plena salvação. O quintodiz respeito a sua vocação eficaz pela pregação do evangelho e pela graça do Espirito Santo, dando-lhes fé, justificação, santificação e, por fim, glorificação6
 
Assim também está nos Cânones de Dort:
 
7. Esta eleição é o imutável propósito de Deus, pelo qual Ele, antes da fundação do mundo, escolheu um número grande e definido de pessoas para a salvação, por graça pura. Estas são escolhidas de acordo com o soberano bom propósito de sua vontade, dentre todo o gênero humano, decaído pela sua própria culpa de sua integridade original para o pecado e a perdição.Os eleitos não são melhores ou mais dignos que os outros,porém envolvidos na mesma miséria dos demais.São escolhidos em Cristo, quem Deus constituiu, desde a eternidade, como Mediador e Cabeça de todos os eleitos e fundamento da salvação.7
 
“10. A causa desta eleição graciosa é somente o bom propósito de Deus. Este bom propósito não consiste no fato de que, dentre todas as condições possíveis Deus tenha escolhido certas qualidades ou ações dos homens como condição para salvação. Mas este bom propósito consiste no fato de que Deus adotou certas pessoas dentre da multidão inteira de pecadorespara ser a sua propriedade.8
 
Ao posicionamento em que Deus elege homens dentre os caídos, chama-se infralapsarianismo (infralapsu), e o que ensina que Deus elegeu e reprovou sem levar em consideração a queda, é o supralapsarianismo (supralapsu). A posição supralapsariana não foi diretamente condenada em Dort, mas em Dort foi condenado a dupla predestinação simétrica. Como a dupla predestinação simétrica é condição sine qua non de alguns modelos supralapsarianos, então, por consequência, alguns modelos são condenados. Todo modelo que ensine que o homem é destinado infalivelmente à condenação sem nenhuma previsão de deméritos, é condenado. Falaremos disso mais a frente.
       
O reverendo Franklin Ferreira, também observa:
 
A maioria dos teólogos reformados afirmou a posição infralapsariana, e todas as confissões reformadas também a ensinam, contudo, sem condenar o supralapsarianismo. Entre os teólogos que defenderam o conceito infralapsário podem ser mencionados Agostinho, François Turretini, Charles Hodge, A. A. Hodge e B. B. Warfield. Entre as confissões reformadas, destacam-se a Confissão Belga (artigo 16), o Catecismo de Heidelberg (pergunta 54), os Cânones de Dort (1.7-10), a Confissão de Westminster (artigo UI) e o Breve Catecismo de Westminster (perguntas 19 e 20)9
 
Discordamos em parte do reverendo Franklin Ferreira. Por questões lógicas A e ~A não podem ser verdadeiros ao mesmo tempo. A medida que se afirma um, se nega o outro. Vejam, não estamos afirmando que quando se afirma algo, automaticamente se nega outra, isso não é absoluto em todas as situações. Por exemplo se afirmamos: Fulano de Tal toca violão. De modo algum eu estou negando que ele possa também tocar outro instrumento, mas estaria negando que ele não sabe tocar violão, pois é o mesmo objeto e o mesmo sentido. Se um homem diz que é casado, segue-se que ele não é solteiro. Assim, certos modelos supralapsarianos são inconciliáveis e antagônicos ao infralapsarianismo, então não há como afirmar um, sem negar o outro, é impossível. Adicionamos mais um detalhe. Para que o supralapsarianismo não seja tido como condenado, ele deve pelo menos ser um modelo que não fale contra a confissão, embora não seja afirmado por ela. Um modelo que ensine que o homem é destinado infalivelmente à condenação antes de prever qualquer demérito humano, não pode ser suportado pelas confissões. 
O Sínodo de Dort, é um caso bem particular, pois diz:
Deus dá nesta vida a fé a alguns enquanto não dá a fé a outros. Isto procede do eterno decreto de Deus. Porque as Escrituras dizem que Ele “…faz estas cousas conhecidas desde séculos.” e que Ele “faz todas as cousas conforme o conselho da sua vontade…” (Atos 15:18; Ef 1:11). De acordo com este decreto, Ele graciosamente quebranta os corações dos eleitos, por duros que sejam, e os inclina a crer. Pelo mesmo decreto, entretanto, segundo seu justo juízo, Ele deixa os não-eleitos em sua própria maldade e dureza. E aqui especialmente nos é manifesta a profunda, misericordiosa e ao mesmo tempo justa distinção entre os homens que estão na mesma condição de perdição. Este é o decreto da eleição e reprovação revelado na Palavra de Deus. 
 
Ele afirma categoricamente que o infralapsarianismo é o modelo revelado pela palavra de Deus, não deixando espaço para outro modelo. Outras confissões, em particular a Confissão de Fé de Westminster, deixam em aberto, ou seja, afirmam o infralapsarianismo, porém, sem negar o supralapsarianismo, pelo menos alguns dos seus modelos como o supralapsarianismo baixo e o supralapsarianismo cristológico.
Portanto, como já observado por Francis Turrentin, a ordem dos decretos infralapsariana é essa:
 
1 – Deus decreta criar.
2 – Deus decreta permitir a queda
3 – Deus elege homens perdidos
4 – O envio de Cristo.
5 – A chamado eficaz dos eleitos.
 
A ordem incorreta de supralapsarianismo é essa:
1 – Deus decreta eleger uns para serem salvos e outros para serem condenados.
        2 – Deus decreta criar.
3 – Deus decreta a queda.
4 – Decreta o envio de Cristo para levar consigo os eleitos.
 
Quando falamos desses decretos, estamos falando de uma ordem lógica, não cronológica, dos decretos divinos que refletem a intenção de Deus e posteriormente a execução ou não dessa primeira vontade. Essa ordem lógica é estabelecida na eternidade. Visto que na eternidade não há tempo, então não se pode ter antes e depois, logo, embora todos estejam em um mesmo ato, logicamente podem se distinguir em uma ordem, assim como são os números, que existem todos em um só ato, mas logicamente obedece uma ordem, pois o numeral 1 vem antes do numeral 2, que é antes do numeral 3 e assim sucessivamente. Todos estamos de acordo que deve-se existir uma ordem lógica, e uma vontade antecedente com relação aos fins da vontade de Deus, e uma vontade consequente na providência dos meios para alcançá-la. No calvinismo, a vontade antecedente é a intenção de Deus, e a vontade consequente é a providência dos meios para alcançar tal intenção. Os meios são garantidos pelos decretos, onde está a vontade absoluta de Deus, chamada vontade consequente. Assim, se Deus queria como fim a salvação dos eleitos, ele então decreta os meios para que isso se execute e por isso, com uma vontade consequente ele decreta uma graça irresistível sobre os eleitos, assim infalivelmente se alcança o fim.
Deus elege e reprova antes da queda ou depois da queda na ordem lógica dos decretos? Esse é o ponto fulcral do debate. A Escritura é clara quanto a isso, pois nunca apresenta os eleitos como pessoas não caídas. Como São Paulo afirma: Ele vos vivificou, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais outrora andastes, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe das potestades do ar, do espírito que agora opera nos filhos de desobediência, entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como também os demais. Mas Deus, sendo rico em misericórdia, pelo seu muito amor com que nos amou, estando nós ainda mortos em nossos delitos, nos vivificou juntamente com Cristo {pela graça sois salvos}, (Ef 2.1-5). Nós éramos filhos da ira, mas se fomos amados eletivamente antes da queda, então é impossível que tenhamos sido filhos da ira algum dia. Deus jamais levaria em consideração qualquer pecado, pois teríamos sido amados independente de nossos pecados. Mas esse não é o ensino cristão. O ensino cristão diz que somos amados apesar de nossos pecados, não independente deles, pois São Paulo afirma: Porque Cristo, estando nós ainda fracos, morreu a seu tempo pelos ímpios.Porque apenas alguém morrerá por um justo; pois poderá ser que pelo bom alguém ouse morrer. Mas Deus prova o seu amor para conosco, em que Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores. (Rm 5.6-8), ou seja, a prova do amor de Deus para conosco é que APESAR de pecadores, Cristo nos amou, mas o texto diz mais, ele diz que essa é a prova de que Deus nos amou, portanto, uma eleição sem precisão de queda, é uma eleição sem misericórdia e sem amor e também sem justiça, visto que, os reprovados, são reprovados sem pecado, eles simplesmente seriam criados para serem destruídos. A Escritura continua a afirmar que fomos escolhidos dentre a massa caída:Se fosseis do mundo, o mundo amaria o que era seu; como, todavia, não sois do mundo, pelo contrário, dele vos escolhi, por isso o mundo vos odeia (Jo 15.19).Turretin explica que a eleição dos homens e feita em Cristo (Ef 1.4). Por isso ela considera o homem já caído, porque ele não pode ser eleito em Cristo exceto para ser redimido e santificado por ele. Portanto, são escolhidos pecadores e miseráveis.
 
O decreto de Eleger e reprovar só faz sentido se for depois do decreto de queda, pois, somos eleitos para sermos salvos, e seremos salvos de que se ainda não há queda? E seremos reprovados pelo que se ainda não há pecado? O
Outro problema é a eleição de um “não ente”. Se eu digo que na ordem lógica Deus primeiro pensou em eleger e reprovar e somente depois em criar, como que ele elegeu e reprovou aquilo que ainda não tornou certo a existência através do decreto de criação? Isso é irracional.
Em um outro post falaremos sobre os modelos supralapsarianos que não ensinam contra as confissões.
 
Referências
 
1Membro da Primeira Igreja Batista de Dourados. Mestrando em Teologia – Miami International Seminary.
2CALVINO, J Institutas. 3.22.3
3 CALVINO apud SPROUL, R.C. O que é teologia reformada. Cultura Cristã. P 134-137
4O mesmo que dupla predestinação simétrica.
5SPROUL, R.C. O que é teologia reformada. Cultura Cristã. P 134
6 TURRETINI, Vol 1, 2011, p 545
7Cânones de Dort Seção 1.7
8Cânones de Dort Seção 1.10
9FERREIRA, F. MYATT, A. TEOLOGIA SISTEMÁTICA: uma análise histórica, bíblica e
apologética para o contexto atual. Vida Nova. São Paulo. 2007. p 306

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