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Existe o conceito de Permissão no Calvinismo? Isso afirmamos: contra anti-calvinistas

Alguns autores modernos e principalmente opositores, gostam de ressaltar que Calvino não usava o termo permissão ou que era contra o uso de tal termo. Acham contraditório os infralapsarianos ensinarem que Deus decretou permitir a queda. Decretar permitir é o mesmo que Deus decidir não impedir a queda. Para Eles é inconcebível que Deus apenas deixe a criatura seguir sua própria natureza, como se as criaturas fossem boas e Deus precisasse de fato fazer alguma força para incliná-las ao mal. No parecer desses autores, Calvino defende que Deus decreta tudo ativamente e não há espaço para permissão em sua doutrina.[1]

            Esse argumento se desfaz quando vemos que Calvino é contra uma permissão ociosa, não contra uma permissão no sentido de não infundir um material que dará forma ao ato. A permissão que Calvino é contra, é quanto a um deísmo, como se Deus apenas assistisse aos eventos, sem uma ação particular sobre ele. A permissão divina é positiva quanto ao ato de querer permitir, mas é negativa quanto ao fornecimento do material que dará forma ao ato. Uma criatura que já é má, não precisa ter maldade colocada nela por Deus para que ela possa inclinar sua vontade para o mal, pois o material já está nela, e Calvino nega que essa maldade venha de Deus. Calvino dirá:

Nada, portanto, é feito a não ser aquilo que o Onipotente desejou que fosse feito, seja permitindo que fosse feito ou fazendo ele mesmo. Nem se deve duvidar de que Deus age de maneira justa ao permitir que sejam feitas todas as coisas que são feitas de maneira maligna. Pois Ele não permite isso, senão como meio de um julgamento justo. Embora, portanto, as coisas que são más, na medida em que são más, não são boas, ainda assim é bom que não só haja coisas boas, mas também coisas más. Pois, se não houvesse um bem, com a existência das coisas más, a existência das coisas más não seriam permitidas pelo Grande e Bom Onipotente. Pois Ele, sem dúvida, pode tão facilmente recusar-se a permitir que seja feito o que Ele não deseja que seja feito, como pode fazer o que Ele deseja que seja feito. A menos que acreditemos totalmente nisso, o início de nossa fé está comprometido, pela qual professamos acreditar em Deus Todo Poderoso![2]

            Calvino também dirá:

Visto que o homem pode encontrar a causa do próprio pecado em si mesmo, qual é a vantagem de tentar buscá-lo nos céus?? Apesar de se iludir, vagando por imensidões obscuras, o homem jamais se entorpecerá a ponto de perder o senso do pecado que está gravado em seu coração. Assim, a impiedade tenta, embora em vão, absolver aquele que sua própria consciência condena… Deus consciente e voluntariamente, permite que o homem caia, a razão pode ser oculta, mas, não injusta… Deus não deseja a iniquidade. De uma maneira maravilhosa e inefável, mesmo aquilo que é contrário à vontade divina não foi feito a parte dela, pois não se realizaria sem que Deus permitisse… E sua permissão não foi indesejada, mas de bom grado.[3]

A grande questão é que Deus permite aquilo que quer permitir, esse é o ponto de Calvino, que se posiciona contra os maniqueístas e epicuristas, os primeiros porque ensinariam que Deus deixa acontecer algo acontecer porque Ele não consegue impedir, e os segundos ensinam que Deus deixa algo acontecer porque se torna ocioso em sua providência, ambas são blasfêmias.

Calvino escreve citando e concordando com Agostinho e em hora alguma se opõe ao uso do termo permissão quando empregado como Agostinho prega:

Donde exclama: “Grandes são as obras de Deus, excelentes em todas as suas vontades [Sl 111.2]; e assim, de maneira mirífica e inefável, não se faça, exceto por sua vontade, o que se faz mesmo contra sua vontade, porque não se faria se ele não o permitisse; nem o permite, como se de qualquer forma não o quisesse; ao contrário, porque o quer; mesmo sendo bom não permitiria que mal se fizesse, exceto que, onipotente, até em relação ao mal pudesse fazer bem.”[4]

Logo após ele explica que não se opõe ao termo permissão, desde que isso não signifique que Deus se sente em uma torre e observe de longe o que acontece, ou seja, uma permissão ociosa:

Em suma, Agostinho ensina reiteradamente que, se algo é deixado à sorte, o mundo revolve ao léu. E visto que ele estabelece em outro lugar que tudo se processa em parte pelo livre-arbítrio do homem, em parte pela providência de Deus, contudo pouco depois deixa bastante claro que os homens estão sujeitos a esta, e são por ela governados, uma vez ser sustentado o princípio de que nada há mais absurdo do que alguma coisa acontecer sem que Deus o ordene, pois doutra sorte aconteceria às cegas. Razão pela qual até exclui a contingência que depende do arbítrio dos homens, asseverando, ainda mais claramente logo depois, que não se deve buscar qual é a causa da vontade de Deus. Quantas vezes, porém, é por ele feita menção do termo permissão, como se deva entender que isso se evidenciará perfeitamente de uma passagem onde ele prova que a vontade de Deus é a suprema e primeira causa de todas as coisas, já que nada acontece a não ser por sua determinação ou permissão. Certamente, ele não imagina Deus a repousar em ociosa torre de observação, enquanto se dispõe a permitir algo…[5]

Beza, sucessor de Calvino, explica bem o porquê da oposição ao termo “permissão”, ele diz:

Portanto nós não recusamos o termo “permissão” ou “concessão”, nem mesmo nos veio à mente dizer que Deus opera no mal do mesmo modo que no bem. Mas como os sofistas corromperam a diferença entre “vontade” e “permissão”, que Agostinho sem dúvida pegou dos gregos, e que eles [os “sofistas”] pegaram dele, portanto nós categoricamente a recusamos.

Pois os sofistas colocaram a vontade contra a permissão ou concessão; de onde concluem que Deus permite as coisas que permite, ou contra a sua vontade, ou pelo menos estando ocioso, e não se importando com elas. Mas pelo contrário, para que não retiremos de Deus o seu infinito e incomensurável poder, ou concordemos com a opinião dos Epicuristas, digamos como a coisa realmente é, que Deus não elimina a operação dos instrumentos, mas operam de boa vontade, nem ainda força os instrumentos a operar, mas operam voluntariamente, de tal forma que tudo o que ele faz, ele faz mais justamente, e tudo o que ele concede, ele concede justamente.[6] 

Além disso, diversos foram os autores calvinistas que usaram do termo permissão, Girolamus Zanchi vai dizer:

Consequentemente, é sua vontade livre permitir o pecado; desde que, sem a permissão Dele, nem homens nem demônios podem fazer qualquer coisa. Agora, permitir, é, pelo menos, o mesmo que não impedir; pode estar em nosso poder impedir, se quisermos, e essa permissão, ou não impedimento, é certamente um ato da vontade divina.[8]

            Teremos também, Augustus Toplady:

“Todos”, diz o Salmista, “são teus servos” (Salmos 119:91). Eles têm, todos, uma tendência direta, seja de forma efetiva ou permissiva, para prosseguir em Seus desígnios inalteráveis da providência e graça. Observe: efetivamente, ou permissivamente. Pois nós nunca dizemos, nem queremos dizer, que Deus é o autor do mal, nós apenas sustentamos, que por razões desconhecidas para nós, mas bem conhecidas para Deus, Ele é o permissor eficaz (não o agente, mas o permissor) de tudo o que acontece.[9]

Ainda, Francis Turretini:

Ainda que se diga que todas as coisas são necessárias com base no decreto, Deus não pode, por causa disso, ser tido como o autor do pecado. O decreto, que é a causa da futurição do pecado, não obstante não é sua causa física (pela infusão do mal) nem sua causa ética (pela aprovação dele). E assim, embora o pecado necessariamente siga o decreto, não se pode dizer que flui do decreto. O decreto não flui da coisa, nem é efetivo do mal, mas é somente permissivo e diretivo.[10]

Archibald Alexander Hodge:

Todavia, o decreto permissivo de Deus determina verdadeiramente a certeza futura do ato; porque, Deus sabendo certamente que o homem em questão em dadas circunstâncias assim agiria, colocou o próprio homem precisamente naquelas circunstâncias nas quais ele deveria assim agir.[11]

Não nos delongaremos mais nesse assunto, visto já ter sido provado cabalmente nosso ponto de vista.


[1] CHEUNG, V. Forçado a crer (2). Disponível em:http://www.monergismo.com/textos/apologetica/cheung_forcado_crer2.htm. Acesso 02/06/2020

[2] CALVINO, J. Da Eterna Predestinação: uma resposta a Pigius. Theóphilus Editora. São Luis – MA. 2021. p 34-35.

[3] CALVINO apud BEEK, J. HALL, D. HAYKIN M. Teologia Prática. Um estudo sobre João Calvino e seu Legado. Trinitas. 2019. Pag 73, 74.

[4] CALVINO, J. Institutas 1.18.3

[5] CALVINO, J. Institutas 1.16.8

[6] BEZA, T. The Treasure of Gospel Truth. 1576. p 113

[8] ZANCHI, J. The Doctrine Of Absolute Predestination. New York. Published by George Lindsay. Paul & Thomas, Printers. 1811. p 71-72 

[9] TOPLADY, A. Contra o Arminianismo e o seu ídolo dourado, o livre arbítrio. Estandarte de Cristo. 2014. p 4.

[10] TURRETINI, F. Vol 1. 2011, p. 417.

[11] HODGE, A.A. Esboços de Teologia. p 282.

2 respostas em “Existe o conceito de Permissão no Calvinismo? Isso afirmamos: contra anti-calvinistas”

Muito bom!
É a mesma questão do livre arbítrio, primeiro temos que definir o significado, e depois podemos usar a vontade! Infelizmente hoje em dia não vemos mais isso, as pessoas não dá o conceito de permissão, eles não definem o significado e simplesmente negam a permissão sem ao menos entender o que significa.
Deus abençoe sua vida, irmão.
🙏

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